Mentes que brilham

Por Maria Clara Vergueiro

HUNTER ALLEN

Profissão: Treinador de atletas e desenvolvedor de software

Onde trabalha: Fundou sua própria empresa, a Peaksware

Grande sacada: Ter criado um software, o WKO+, que analisa os dados captados por potencímetros de ciclistas e triatletas

MESTRE DOS DADOS: Hunter Allen

QUANDO O NORTE-AMERICANO HUNTER ALLEN era ciclista profissional, no começo dos anos de 1990, a maior dificuldade que encontrava pelo caminho era interpretar os próprios treinos. “Eu até sentia que estava ficando mais forte, mas não havia naquela época uma maneira eficiente e precisa de medir meu desempenho”, conta. Anos depois, ele resolveria esse problema tornando-se um dos principais desenvolvedores de softwares para treinamento do mundo.

Entre deixar de competir, em 1995, e iniciar seu trabalho no projeto que o consagrou, nos anos 2000, Hunter também atuou como treinador de atletas amadores. No dia em que seu aluno Kevin Williams, um jovem programador, pediu que Hunter acompanhasse seus treinos usando os dados do potencímetro que acabara de comprar, Hunter não sabia se, em determinada categoria de avaliação, 300 watts era realmente melhor ou pior do que 1000 watts. Tempos depois, em um seminário sobre potencímetros realizado na Filadélfia, o treinador se deu conta de que simplesmente não existia nenhum software capaz de analisar objetivamente a performance de uma pessoa.

Foi então que Hunter e Kevin aliaram seus talentos aos do expert em fisiologia esportiva Andrew Coggan. Juntos, os três começaram a desenvolver o que é hoje o principal software de análise de dados para treinos de ciclismo e triathlon, o WKO+. Essa ferramenta organiza a enxurrada de dados que um potencímetro captura em intervalos de 1 segundo – potência, distância, tempo, localização, elevação – em tabelas e gráficos que podem redefinir e otimizar os rumos do treinamento de um esportista. “Como treinador, penso que o maior dos luxos é ajudar um atleta a atingir seus objetivos. Jamais conseguiria isso sem ferramentas de análise de dados como o WKO+”, conta Hunter, que está atualmente desenvolvendo produtos semelhantes para corredores e nadadores.

O mercado para softwares desse tipo é relativamente novo, e por isso há muito o que expandir nessa área. Em alguns anos, segundo Hunter, será possível medir em tempo real taxas importantes para a fisiologia esportiva, como as de glicose e oxigênio, com a ajuda de dispositivos bem pouco invasivos. Ele também aposta suas fichas em aparelhos capazes de ler as ondas cerebrais de uma pessoa durante a competição – sua ideia é mapear o cérebro de um campeão no momento em que ele vence, para ensinar atletas medianos a pensar como vitoriosos. Com as boas iniciativas de Hunter, não demorará muito para que esse futuro chegue logo.

IAN ADAMSON

Profissão: Atleta de endurance e engenheiro especializado em esportes

Onde trabalha: É diretor de pesquisa da Newton, marca de tênis de corrida

Gande sacada: Abraçar a causa da corrida minimalista e combiná-la a uma nova tecnologia em tênis de corrida

MENOS É MAIS: Ian Adamson

SOMANDO TODAS AS PROVAS de aventura e ultramaratonas que Ian Adamson já correu na vida, quase daríamos uma volta ao mundo. Sete vezes campeão mundial no primeiro caso e vencedor da Badwater de 2010 (de 217 quilômetros) na categoria master no segundo, ele já gastou muita sola e sabe melhor do que ninguém que pisada é coisa séria. Por isso acabou se transformando em um especialista sem igual quando o assunto é “natural running”, ou corrida natural – que, entre outros preceitos, defende o apoio do antepé, e não do calcanhar, como a primeira área do corpo que deve tocar o chão em cada passada do corredor.

“As pessoas estão começando a entender que existe um jeito de correr mais eficiente e rápido. E, o mais importante, que oferece um risco bem menor de lesões”, explica Ian, que hoje empresta toda a sua experiência como atleta e engenheiro especializado em esportes à área de pesquisa da Newton, marca de tênis recém-chegada ao Brasil. A tendência ainda não é aceita por todo o meio especializado no esporte, mas vem ganhando rapidamente adeptos mundo afora.

Os modelos que Ian defende como sendo os mais adequados para a corrida natural pesam cerca de 160 gramas e estão mais próximos do chão do que os pares convencionais que dominaram o mercado nas últimas décadas. Se até agora estávamos acostumados aos tênis com quase 25 milímetros de sola no calcanhar, temos de nos preparar, segundo Ian, para ver nos próximos anos versões cada vez mais leves e finas, elaboradas para resgatar uma pisada mais natural e fluida.

De acordo com as previsões desse norte-americano que vive no Colorado, os solados em EVA (Ethylene Vinyl Acetate) desaparecerão de uma vez por todas do mercado. “As espumas de EVA não suportam o impacto e provocam lesões e dores nos joelhos, pés, quadris, tornozelos e costas”, defende Ian. Ainda não há provas de que os calçados minimalistas – e as passadas mais neutras que eles promovem – irão mesmo diminuir os riscos de lesão. Mas o fato é que esse novo tipo de visão sobre a pisada representa a mais importante quebra de paradigmas em relação à tecnologia dos tênis desde a popularização do esporte, nos anos 1980.

Ian também antevê que em pouco tempo teremos tênis de durabilidade bem maior que a atual. Pelos cálculos desse veterano, um bom modelo de corrida – que custa cerca de US$ 200 nos EUA – resiste a algo entre 400 e 600 quilômetros, o que significa gastar de US$ 0,30 a US$ 0,50 por quilômetro corrido. Enquanto isso, um carro de US$ 10 mil dura 250 mil quilômetros e tem seus custos (incluindo gasolina e manutenção) girando em trono de US$ 0,06 por quilômetro. A solução para melhorar a “autonomia” dos tênis, segundo Ian, é o uso de uma nova membrana tecnológica na sola dos tênis, capaz de resistir a 1.500 quilômetros nos pés de um corredor avançado. O material, associado a novos sistemas de amortecimento, produz um solado bem mais fino, com uma maior capacidade de absorção e de retorno da energia empregada na pisada.

O envolvimento de Ian com a evolução dos pisantes tem uma razão bem simples e particular: apesar de ter se aposentado como atleta profissional em 2006, ele quer continuar correndo para o trabalho e nas competições das quais ainda participa com mais conforto e menos riscos do que nas provas realizadas anos 1990. Fôlego para tudo isso o cara já mostrou que tem se sobra.

PETER DENK

Profissão: Engenheiro especializado no desenvolvimento de bikes

Onde trabalha: É diretor de tecnologia da Cycling Sports Group, que inclui as marcas Cannondale, GT, Schwinn e Mongoose

Grande sacada: Ter criado processos de moldagem de quadros levíssimos de carbono

ARTESÃO DO FUTURO: Peter Denk

TENTE CONVENCER O ALEMÃO Peter Denk a pedalar em uma bike sem suspensão traseira – ou “hardtail” (rabo duro) para os mais aficionados. Mas vá com munição de guerra, porque nem os argumentos mais embasados são capazes de fazê-lo deixar uma full suspension de lado – mesmo tendo sido ele o criador de um dos modelos hardtail mais leves do mercado, a Cannondale Flash Carbon. Seu amor pela full é tanto que ele espera um dia desenvolver uma bike de estrada com suspensão que seja realmente eficiente – a ideia chegou a ser colocada em prática pela Bianchi no Tour de France de 1994, mas ninguém curtiu a iniciativa, e nunca mais se falou no assunto.

“Eu passei anos explicando às pessoas que as full são melhores e mais rápidas que as hard. Ainda bem que hoje isso está começando a ser mundialmente mais aceito”, diz Peter, que virou um mestre, como poucos no planeta, da arte de transformar fibras de carbono e resinas especiais em quadros ultraleves.

O alemão passou 12 anos sendo peça-chave nos projetos da Scott, uma das mais renomadas fabricantes de bikes. Depois, se tornou diretor de tecnologia da Cycling Sports Group, que engloba supermarcas ligadas ao setor, como Cannondale, GT, Schwinn e Mongoose. Hoje, mesmo em um cargo de chefia como o que ocupa, ele continua fazendo com as próprias mãos os protótipos dos quadros que desenvolve, como um artesão apaixonado. “Para uns, pode até parecer um trabalho braçal meio sujo, mas eu adoro”, revela.

Responsável por projetos que revolucionaram a indústria, o esporte e comportamento de ciclistas do mundo inteiro, Peter concorda que o carbono é um ingrediente fundamental na produção das bikes de performance, mas lembra que a fibra da qual ele faz parte é composta de vários materiais – segundo ele, é aí que reside o segredo para modelos ainda mais leves em um futuro não muito distante. “Podemos avançar muito ainda. Daqui a pouco, teremos quadros feitos com outras fibras e resinas naturais”, conta o engenheiro, que uns anos atrás conseguiu provar que um quadro monocoque (sem emendas) pode ser tão simples de fazer quanto um “tube-to-tube”, com emendas.

O processo desenvolvido por ele, chamado IMP (Integrating Molding Process ou “processo de moldagem integrado”, na tradução literal), utiliza uma estrutura de isopor mergulhada em látex, que depois é envolta em fibras de carbono. Então a estrutura é colocada em um molde, e todos esses materiais juntos passam por um processo de pressurização até que o quadro de carbono esteja pronto.

A estrutura de isopor pode ser então retirada, e o que sobra é uma fina camada de fibra – que, nas melhores bikes do mundo, parecem cascas de ovo. O resultado é um quadro liso e perfeito não só por fora, mas também por dentro. “Os modelos mais avançados de hoje estão combinando o IMP ao processo tubo a tubo (também desenvolvido por Peter). Mas o tempo é que dirá se esse método permanecerá ou será substituído por outro mais revolucionário.”

Como todo ciclista que se preze, Peter Denk aguarda ansiosamente o dia em que poderá pedalar na bicicleta dos seus sonhos: um modelo de mountain bike que seja tão bom quanto uma hardtail para cross-country nas subidas, mas que se comporte como uma freeride nos downhills. “Felizmente meu trabalho é pensar e desenhar bikes que se aproximem, cada vez mais, do meu sonho.”

THOMAS MEYERHOFFER

Profissão: Designer

Onde trabalha: Em seu próprio estúdio de design, o Meyerhoffer, na Califórnia

Grande sacada: Criar linhas e modelos inovadores para produtos tradicionais, como pranchas de surf, óculos de esqui e até laptops

LINHAS DE EXPRESSÃO: Thomas Meyerhoffer

UM CARA “OVERALL” SE TRADUZ como alguém que transita por diversas modalidades e é capaz de se sair bem em todas elas. No mundo do design, talvez nenhum nome se encaixe melhor nessa categoria que o do californiano Thomas Meyerhoffer. Nascido e criado na Suécia, e naturalizado norte-americano, ele vem se firmando nos últimos anos como uma estrela da área por criar novas linhas e estilos para objetos tão distintos entre si quanto uma prancha de surf, óculos de esqui, laptop, cadeira e vela de winsdsurf. Em seu extenso portfólio de sucesso, figuram produtos inovadores que não são apenas mais bonitos que os convencionais, mas principalmente mais inteligentemente utilizáveis.

“Eu pratico esportes intensamente, e isso me ajuda a entender a necessidade das pessoas em relação a produtos específicos de cada modalidade”, diz Thomas, que, entre outras qualidades, é um talentoso surfista de longboard. A paixão pelo mar fez dele um produtor em série de modelos de pranchas “old school” que trazem uma grande carga de atualidade na tecnologia empregada. A mistura não é apenas conceitual. Na prática, Thomas acredita que as composições de materiais dão sempre melhores resultados do que utilizar apenas um único componente – e uma pitada de carbono, claro, faz toda a diferença. “O híbrido sempre proporciona performances mais afinadas e versáteis”, afirma.

Thomas ressalta que é realmente forte o movimento atual de resgatar o antigo na construção do novo. Ligadíssimo em todas as tendências a sua volta, o designer sacou que se inspirar em conceitos do passado, sem se esquecer do presente e do futuro, é uma estratégia essencial para quem passa a vida criando novas leituras para antigos objetos. O que resulta dessa aguçada interpretação? Inovação com requinte. E isso é facilmente identificável, por exemplo, nas pranchas que desenvolve em seu estúdio com vista para o mar em Montara, na Califórnia. As que carregam a assinatura Meyerhoffer, sejam elas longboards ou pranchinhas, têm um desenho totalmente original: “acinturadas” no meio e estreitas em uma das extremidades. Com menos massa, são mais leves e fáceis de manobrar, principalmente na remada. “Sempre quis levar os pranchões tradicionais a um outro nível”, diz ele, que também alçou os computadores da Apple a outra categoria, ainda na década de 1990, quando desenhou o eMate, considerado o primeiro laptop da marca.

Em uma era onde o avanço tecnológico vale ouro, Thomas nos ensina a olhar para o detalhe na hora de criar, a pensar em produtos que realmente são capazes de transformar a experiência rotineira em algo diferente. “Inovação autêntica é o verdadeiro caminho da evolução.” Dita por alguém que, como Thomas, está ajudando a mudar a maneira como encaramos o design e o esporte, a frase parece fazer ainda mais sentido.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2011)