Quando o inglês Ben Page decidiu, em 2014, aos 22 anos, pedalar sozinho e dar uma volta ao mundo assim, ele não pensou em fazer um documentário nem ganhar prêmios com isso. Curiosamente, Ben tinha a mesma idade de Christopher McCandless, o personagem real do filme e livro Na Natureza Selvagem, e bem provável que ele estivesse na mesma viagem espiritual de Christopher, aquela sede de autodescoberta. Em vez de pegar carona, no entanto, Ben pedalou sozinho.
Mas 15 meses depois, após já ter pedalado mais de 16 mil km pelas Américas, quando estava a 1.600 km de Tuktoyaktuk, no extremo norte da América do Norte, Ben finalmente decidiu ligar a câmera com mais frequência. Começou a gravar as cenas que se tornariam parte do documentário The Frozen Road (assista na íntegra em sua página oficial Vimeo).
O filme de 22 minutos já ganhou prêmios em festivais de cinema na Europa e nos Estados Unidos. “Na época, aos 22 anos, eu não namorava e não tinha contas a pagar”, explica Ben. “Então aproveitei a falta de amarras e parti.” A viagem durou pouco mais de três anos, período em que Ben pedalou sozinho (na maioria do tempo) 64 mil km pelas Américas, África, Europa, Ásia e Ártico (o grande desafio dessa atlética e aventureira jornada).
Já existem agências especializadas que operam itinerários pelo Ártico – por menos de US$ 7 mil, qualquer pessoa que pedala razoavelmente bem e tem o mínimo senso de aventura consegue fazer isso. Mas a jornada de Ben foi diferente: ao escolher pedalar sozinho no fim do inverno, por cima de rios e mares congelados, ele não tinha como recorrer a chuveiros quentes, à eletricidade e muito menos aos merecidos dias de descanso.
O máximo que encontrava pelo caminho eram refúgios simples, mas que ainda assim foram essenciais para ele se abrigar do frio cabuloso que enfrentou. Não foi somente alguns dias de temperaturas de até -40 graus Celsius. Ben pedalou sozinho e também teve que racionar comida cuidadosamente – um custo diário de cerca de apenas US$ 4.
O mau tempo, que se resume às fortes nevascas, atrasou um pouco a viagem, mas Ben sobreviveu com uma bravura admirável. Outras pessoas já tentaram isso, mas o risco de congelamento de membros, que é só um dos problemas iminentes, é altíssimo.
Pedalar sozinho no Ártico
Ben sempre curtiu os prazeres do isolamento, de ficar sozinho, mas dessa vez descobriu a linha tênue que divide a calma (de se estar sozinho) da aspereza que é se sentir completamente afastado de tudo. “Quando as coisas começam a dar errado é que o medo começa a aparecer”, contou Ben à CNN. “Ninguém sabe onde você está, e você se pergunta, ‘será que alguém está se importando?’”, explica.
O momento mais tenso
O pior momento foi quando Ben estava próximo ao rio Peel, no noroeste do Canadá, a 65 km da civilização mais próxima. Ele seguia por uma rodovia de cascalho que corta o Ártico. Mas se encheu dos pesados caminhões com os quais compartilhava a pista. Então, ao chegar no vilarejo Fort Macpherson, ficou sabendo de uma estrada off-road ao longo de um rio congelado. Não pensou duas vezes. No entanto, logo na primeira noite, o tempo piorou, e ele ficou preso em uma nevasca. Em vez de pedalar sozinho, restou apenas empurrar bike e seus pertences ao longo do rio.
Ben conheceu a fome e a solidão mais de perto. Foram três dias empurrando a bike, um esforço descomunal, ainda mais pelas condições do clima. À noite, ele só conseguia ouvir os lobos uivando, que provavelmente estavam com muita fome. Viu-se no papel de presa várias vezes. A dez quilômetros de uma vila, ele avistou duas motos de neve vindo em sua direção. As pessoas sabiam que havia um ciclista perdido por aquelas bandas, e portanto tinham acionado as equipes de resgate. Ben filmou a chegada das motos de neve.
A chegada
A filmagem obrigou que Ben desacelerasse seu ritmo, algo que ele julgou positivo. Agora, o inglês busca se aprimorar em filmes de aventura, e já tem programada uma expedição ao Alasca, em breve, e pretende também viajar pela Rússia. Em seu The Frozen Road, Ben mostra claramente que o documentário é o outro lado da moeda da solidão: é a sua chance de compartilhar os momentos vividos com qualquer outra pessoa, e da forma mais crua possível. Quando o oceano Ártico finalmente apareceu à sua frente, por exemplo, ele não teve a sensação romântica que imaginava. O sol estava se pondo, e fazia um contraste lindo com a neve. Mas, em vez de se encher de alegria, Ben só sentia o cansaço tomar conta, e parecia não aguentar mais ficar sozinho.
“Em vez de caminhar para dentro daquele por do sol, me sentei dentro de um banheiro, pois foi o único lugar aquecido que pude encontrar. Talvez eu provei algo a mim mesmo ao chegar no fim do meu mapa… Mas eu também percebi que talvez as linhas de chegada são melhores quando compartilhadas”, concluiu Ben, fazendo-nos lembrar ainda mais de Christopher McCandless, o personagem real de Na Natureza Selvagem.