E o vento vingou


PRESENTE: Produção de energia eólica já acontece no Brasil e é a melhor forma de complementar a hidrelétrica

Por Fernanda Franco

“O PRINCIPAL ATRATIVO DO PROJETO está no uso racional dos recursos naturais. O condomínio não irá utilizar nenhum combustível fóssil e o custo do aquecimento da água será próximo a zero”, explica o arquiteto e urbanista Jaques Suchodolski, engenheiro do empreendimento Neo, em Florianópolis (SC), sobre a iniciativa de inserir duas formas de geração de energia de fontes renováveis em um condomínio residencial entre as praias da Joaquina e Campeche.

Ainda em fase inicial de construção, o lançamento imobiliário – que ficará pronto em fevereiro de 2012 – terá no telhado dos dois prédios coletores solares e pequenos geradores eólicos que fornecerão energia para aquecer a água consumida pelos 24 apartamentos. Dessa forma, o morador poderá se orgulhar de produzir sua própria energia limpa, e ainda contribuir com o meio ambiente pela reciclagem de lixo e captação da água da chuva (outras funcionalidades sustentáveis do empreendimento).

O formato proposto pelo empreendimento catarinense é excelente para preservar o meio ambiente e para gerar economia, mas bem diferente da produção de energia eólica já adotada no Brasil, como forma de diversificar nossa matriz energética. Enquanto no condomínio Neo a energia é diretamente revertida em calor para o aquecimento da água, no sistema nacional, a energia eólica é transformada em elétrica, entrando depois no sistema elétrico brasileiro até chegar às casas dos consumidores.

Com uma geografia favorável e fartura de rios, somos privilegiados por ter um modelo energético baseado predominantemente na energia hidrelétrica. Possuímos a segunda maior usina do mundo (Itaipu) e, ao contrário de países como Estados Unidos, China e Índia, que dependem muito das usinas termoelétricas (de queima de carvão e petróleo), 92% do que o Brasil utiliza de energia vem da água. Mas o grande ponto negativo das hidrelétricas é o impacto ambiental gerado na sua construção, com o alagamento de áreas e criação de barragens que alteram o fluxo dos rios, influenciando no ecossistema da região e na vida das comunidades que vivem ao redor deles. Exemplo disso é a usina de Belo Monte, que será construída no rio Xingu (PA) sob forte protesto dos ambientalistas. Para minimizar esse impacto, a usina promete planejar sua produção de acordo com as vazões do rio, funcionando com capacidade plena apenas na época das cheias, principalmente no primeiro semestre. Assim evita-se a construção de um grande reservatório que implicaria num estrago ambiental ainda maior.

Portanto, ainda são necessárias alternativas energéticas para o período de secas no Norte, entre agosto e dezembro, para evitar o risco de apagões como o que ocorreu com a forte estiagem de 2001.


NOVO: Condomínio em Florianópolis irá produzir sua própria energia eólica

É JUSTAMENTE NESSA LACUNA que a energia eólica vem avançando no Brasil. Afinal, além de muitos e grandes rios, o país tem vento dos bons. Fazendo uso de um recurso natural e gratuito, ela é considerada a alternativa mais viável para complementar a energia hidrelétrica gerada no país atualmente. “No período em que a vazão dos rios é menor no Norte, os ventos aumentam no Nordeste, e a energia eólica é que vai complementar a eletricidade quando as hidrelétricas estiverem em baixa”, explica o representante da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).

Com muitas áreas com potencial altíssimo para a captação de ventos, já estão em operação nada menos que 39 parques eólicos no Brasil. O Nordeste, por condições climáticas óbvias, lidera o ranking, com 29 parques, sendo treze no Ceará, onze na Paraíba, dois no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, e um no Piauí. A região Sul segue com três parques no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e um no Paraná. No Sudeste, apenas Minas Gerais tem um parque em operação. Juntos, eles produzem cerca de 740,8 MW por mês, suficiente para abastecer um milhão de residências, ou cinco milhões de habitantes durante esse período.

Além da redução da dependência energética e da não emissão de gases poluentes e resíduos, o uso do vento traz também vantagens econômicas para as regiões que produzem esse tipo de energia. Os parques eólicos geram empregos, possibilitam o uso da área para pecuária ou agricultura – o que é impossível nas usinas hidrelétricas – e atraem recursos para áreas que antes eram desfavorecidas economicamente. O lado ruim? O ruído das turbinas pode incomodar quem vive no entorno. “Quando elas estão em funcionamento, o barulho é realmente alto. Mas as casas estão a pelo menos 200 metros de distância”, conta Antonio Oliveira Neto, que passou dez dias pendurado a cerca de 80 metros de altura fazendo manutenção nos aerogeradores do parque eólico de Camocim, no Ceará. O efeito visual das enormes torres e pás na paisagem também pode desagradar a alguns. Geralmente as turbinas são instaladas à beira-mar, para aproveitar a potência máximo do vento que atinge o litoral brasileiro.

Para que um aerogerador funcione, a velocidade do mínima vento deve estar entre 10 e 15 km/h – caso o vento ultrapasse os 90 km/h, o sistema trava. As torres que seguram as turbinas (de duas ou três pás) podem estar entre 25 e 80 metros de altura, já que o ideal é aproveitar os ventos mais distantes do solo, pois são os mais fortes e estáveis.


FORÇA: Parque eólico instalado no Ceará. Já são 13 no Estado

O BRASIL PRODUZ MENOS DE 1% de toda energia eólica mundial. Alguns dos países que lideram o uso de combustíveis fósseis também encabeçam a lista dos cinco que mais investem na produção da energia dos ventos, como é o caso dos Estados Unidos e da China. Mesmo com pouca expressão no cenário mundial, só de 2008 para 2009 crescemos em 70% a produção de energia eólica no país, enquanto a média do restante do mundo foi de 31%.

Segundo a Abeeólica, esse é um caminho natural, devido ao potencial eólico do país. Mas para que os investimentos na ordem de R$ 400 milhões (custo do novo parque aprovado em Feira de Santana, na Bahia) fossem feitos, foi necessária uma mãozinha do poder público. “O governo federal criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), em 2002, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento das fontes renováveis como as eólicas, biomassas, solares. A partir da implementação desse programa, em 2006, é que a energia eólica foi incorporada efetivamente à matriz elétrica brasileira”, diz o diretor da associação, Pedro Perrelli.

Os leilões de energia eólica têm sido cruciais para incentivar os investidores a apostarem na força dos nossos ventos. “O governo é o principal comprador da energia eólica gerada nos empreendimentos que integram o PROINFA. No primeiro leilão exclusivo de energia eólica, em 14 de dezembro de 2009, foram comercializados 1.80 MW em 71 projetos para início de operação até 31 de julho de 2012. Para que a energia eólica continue seu desenvolvimento a longo prazo, é preciso a realização de pelo menos um leilão por mês nos próximos dez anos.”

Além de termos o recurso, também precisamos investir em pesquisa para desenvolvimento de equipamentos nacionais. E, segundo a Abeeólica, o grande passo será dado quando o governo fornecer estímulos tributários para toda a cadeia produtiva. “Todos os países que hoje são referência em energia eólica tiveram apoio do governo com estímulos tributários”, finaliza Perrelli.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2010)