Diversão garantida


SALTO: Rodrigo, no topo do Aconcágua, na temporada de inverno de 2014

Por Fernanda Franco

“O MEU BARATO é ir experimentando as coisas. Já fiz canionismo, desci abismos, fiz escalada big wall em gelo e em rocha. O que posso dizer é que agora estou curtindo muito voar. Gosto de apreciar a paisagem de cima, gosto da verticalidade, e o voo me dá tudo isso”, diz Rodrigo Raineri, 40 anos, montanhista e escalador há duas décadas, sobre seu mais recente esporte: parapente. Há três anos, Rodrigo vem experimentando a sensação de decolar de montanhas tradicionais para os amantes do voo livre no Brasil, como a Pedra Grande, em Atibaia (SP), o Pico do Gavião, em Andradas (MG) e a Pedra Azul, em Domingos Martins (ES). Mas ele quer mesmo decolar de um lugar mais alto, mas muito familiar para ele: o cume do Aconcágua, em janeiro de 2010.

No topo da montanha mais alta das Américas Rodrigo já esteve seis vezes. Mesmo falando com tranquilidade das conquistas que fez em condições bem extremas, como pela temida face sul, em 2002, e durante a temporada de inverno, em 2004, Rodrigo salienta que não pode subestimá-la, mesmo subindo pela rota tradicional. “Não é porque já estive lá algumas vezes que é garantido que chegarei mais uma vez. No verão os ventos são muito fortes, e numa temporada boa, apenas entre 20 e 25% dos montanhistas conquistam o cume do Aconcágua”, completa Rodrigo.

Seu plano para obter sucesso é realizar a aclimatação fora do Aconcágua, gastando menos tempo na subida da montanha. “Quero fazer o ataque ao cume direto do campo 1, sem precisar pernoitar no campo 2. Assim, um carregador baixa parte dos meus equipamentos para o acampamento base, onde já é possível que as mulas façam a retirada da montanha”, explica Rodrigo. Do cume, com crampon, piqueta e todos os equipamentos que vai precisar para chegar lá nas costas, ele estará em contato via rádio com a sua noiva, que lhe passará informações quanto à direção e à velocidade do vento – determinantes para o sucesso do voo e do pouso.

Outro ponto importante no sucesso da empreitada é o equipamento de voo. A Sol Paragliders, marca brasileira que é referência mundial em parapentes, está desenvolvendo o equipamento ideal para um voo em alta montanha e em condições de ar rarefeito. “Vamos reduzir cerca de 70% do peso do equipamento completo, que, originalmente, tem em média 20 quilos. Para isso, serão usados materiais de alta tecnologia, leves, mas muito resistentes, como kevlar, vectran e duralumínio”, explica Ary Carlos Pradi, sócio-proprietário da marca e adepto do esporte desde 1989.

Como Rodrigo pode enfrentar tanto muito vento (acima dos 40 km/h) ou mesmo vento algum, seu parapente deverá decolar rápida e facilmente. Ary explica ainda a influência do ar rarefeito durante o vôo: “O que dá a sustentação ao parapente é a densidade do ar. Apesar de cair mais rápido num voo em altitude, pelo fato das partículas de ar serem mais espaçadas, o parapente voa mais rápido, pois o ar oferece menos resistência. No final, a distância percorrida (planeio) é a mesma”. Para completar sua preparação, ele irá voar antes de outras picos na região de Mendoza, como o Cordão del Plata, para entender como funciona a aerologia da área.

Rodrigo também estará de olho na temperatura. “Quando você está na montanha, o solo deixa o ambiente mais aquecido. Voando, você está sem o ar quente que vem do chão, e o vento forte piora a sensação térmica”, fala ele, já cogitando usar as roupas que vestiu para escalar o Everest.

No reveillon de 2008, Rodrigo esteve na região do Aconcágua e observou-a com novos olhos, pensando principalmente no local ideal do pouso, e em alternativas para um pouso de emergência. O ideal, segundo ele, é pousar ao lado da estrada, onde ficam os guardas do parque, perto de Laguna Horcones, que inclusive podem lhe dar suporte, caso necessário. Mas os maiores riscos com relação ao voo, segundo ele, são na hora da decolagem, e não da aterrissagem. “Como o Aconcágua tem muitas pedras, as linhas do parapente podem se enroscar em uma delas, ou mesmo na neve. Decolar de um gramado é sempre a melhor condição”, explica.


ESCOLA: Rodrigo decolou do Mont Blanc, e sobrevoou o Vale de Chamonix como treino para o Aconcágua

COMO TREINO PARA O VOO do Aconcágua, Rodrigo esteve na França por 15 dias em setembro, só voando em locais que lhe garantissem experiência em voos de montanha. “As condições são mais extremas. O ar se movimenta mais rápido. Quanto mais apertado for o vale que você vai percorrer, mais forte é o vento. E quanto mais aberto, mais fraco é o vento. Cheguei a voar para trás, e isso nunca tinha me acontecido,” revela Rodrigo.

Depois de montanhas mais baixas como o Dent dês Crolles (2.000 metros) e Saint Hilaire (2.000 metros), ambas em Saint Hilaire, e vôos no vale de Chamonix, decolando do Plan del’Aiguillie (2.310 metros), o auge da viagem foi a decolagem do Mont Blanc (4.807 metros). Além de ser uma das montanhas mais famosas da Europa, foi lá que Rodrigo sonhou pela primeira vez em voar com um parapente. “Em 1993, estive aqui para escalar o Mont Blanc, vi os parapentes colorindo o céu de Chamonix e disse que um dia faria aquilo. Estou realizado em voltar 16 anos depois e conquistar esse sonho”, conta, feliz, o paulista.

Depois de uma sequencia inicial de cursos no Nepal, em 2007, Rodrigo teve como segundo instrutor o amigo Obelliane Yannick, que o ajudou no salto do Mont Blanc. “O Obelliane voa há 16 anos, é instrutor de parapente e de esqui, mas nunca tinha subido o Mont Blanc. Foi uma troca muito bacana, eu o levei pra cima e ele me trouxe para baixo”, relembra Raineri.

Foram dois dias de voo no Mont Blanc. No primeiro, eles foram até o teleférico que os levou à Aiguille Du Midi (3.842 metros) e depois desceramaté o Col Du Midi (3.544 metros). De lá subiram mais cerca de 700 metros até o Mont Blanc Du Tacul (4.248 metros), de onde decolaram. Não havia vento nenhum, e como Rodrigo estava com um parapente emprestado, pequeno pra ele, foi preciso correr muito pra ganhar velocidade e sustentação para levantar voo.

Nesse mesmo dia eles voltaram à montanha e dormiram no refúgio Des Cosmics, próximo ao Col Du Midi. O objetivo era fazer o ataque ao cume do Mont Blanc, no dia seguinte, às 4h da madrugada. Tudo correu bem, e às 10h da manhã, com vento norte de cerca de 15 km/h – condição perfeita para o voo –, Rodrigo e Yannick decolaram com céu azul do topo do Mont Blanc (4.807 metros), e pousaram no local oficial em Chamonix.

Mas Raineri não se ilude com o nome bonito e o status da montanha que já venceu. “Me considero iniciante. Pratico voo há três anos e ainda precisei parar em 2008 para subir o Everest. Estava na Fança para treinar”, afirma.

Além de consciente, o escalador é experiente o suficiente para avaliar as condições e os riscos quando estiver na beira do Aconcágua. “Estou fazendo isso por mim. Já fui e voltei duas vezes do Everest antes de chegar ao cume. Voar do Aconcágua será uma realização pessoal. Quero me divertir”, finaliza.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2009)