Por Fernanda Franco
“EU E CHO ESTAMOS DISCUTINDO NOSSA LOCALIZAÇÃO. Vamos parar aqui e remar rio abaixo. Voltaremos com um GPS”, escreveu o inglês Ed Stafford em seu Twitter no último dia 24 de outubro. O tweet não chamaria tanta atenção se Ed e um índio peruano chamado Gadiel Cho Sanchez não estivessem completamente isolados no meio da floresta, em algum ponto entre Amaturá e Tefé (AM), com o objetivo final de chegar à foz do rio Amazonas, em Belém, por volta de setembro de 2010.
A peregrinação entre a nascente e a foz do rio Amazonas já dura mais de um ano e meio. O GPS que Ed levou quando partiu a pé do Peru, em março de 2008, quebrou. Guiando-se apenas com bússola e mapa com escala de 1:1.000.000 nesse trecho de 350 quilômetros, os dois perceberam que estavam andando em círculo e não tinham mais como localizar o caminho para Tefé pela floresta. Optaram então por arriscar percorrer um rio secundário e tentar encontrar alguma comunidade local à sua margem.
Desde que começou sua aventura, Ed já ficou totalmente sem comida, quando aproveitou para postar: “Nós comemos a última porção de farinha dois dias atrás e a vila que vimos no mapa, onde deveríamos nos reabastecer, não existe na real”. Sem seguro de vida por causa da saída de um patrocinador do projeto, ele não poderá pedir resgate se algo acontecesse. Mas tirando o GPS, todos os outros equipamentos como o microcomputador, o telefone satelital e a câmera de vídeo estão inteirinhos, e funcionam como uma espécie de equipamento de segurança. O problema é que eles custam a Ed e Cho 2,5 quilos a mais só de baterias em suas mochilas, que já pesam cerca de 40 quilos cada.
Cho é um guia peruano que foi contratado, a princípio, para caminhar por apenas cinco dias perto da região onde mora. Mas depois da saída do parceiro original de Ed no projeto, um inglês chamado Sam Dyson, ele decidiu seguir até o final da viagem. Desde então seus pensamentos também são compartilhados no twitter. “Não sei porque Ed está preocupado com seguro. Eu nunca tive um. Nós vamos sair da selva sem problema algum”, escreve Ed, indicando que as palavras são do parceiro.
Ed não usa a estrutura tecnológica que carrega nas costas para pegar previsões, mapas ou informações para sua jornada. “A conexão não é muito boa. Só fiz isso no Peru, para procurar um rio, já que o curso do canal havia mudado,” contou ele à Go Outside, do meio da floresta, por email. Tem sido mais fácil para Ed, um ex-oficial das forças armadas britânicas, encontrar um espaço na copa das árvores, com visada totalmente para oeste para que seu telefone alcance o sinal do satélite, e ele conecte a floresta selvagem com o restante do mundo, do que manejar a imprevisibilidade da mata.
O objetivo de estar sempre conectado é contar em tempo real as sensações e intempéries que fazem sua expedição em pró da preservação da Amazônia ser ainda mais impressionante. Pelos vídeos e posts diários é fácil perceber como as condições extremas da floresta – a imprevisibilidade de tempo para fazer cada trecho e a falta de água (muitos afluentes estão secos nessa época) – têm feito Ed emagrecer e, às vezes, até repensar a decisão da expedição. Cho já teve o dedo mordido por piranha e depois ficou muito doente, passando dois dias com vômitos e indisposição no meio do nada, tudo devidamente relatado por Ed. “Para o objetivo da minha missão, é muito importante colocar a Amazônia na casa das pessoas e captar a atenção delas por alguns instantes”, diz ele sobre o motivo de manter o mundo tão atualizado em relação à sua aventura pessoal.
SE HÁ OUTRO AMBIENTAL NATURAL completamente extremo e imprevisível para a sobrevivência humana, é o gelo continental. O casal inglês Katie Cooper e Tarka L’Herpiniere partiu no dia 24 de agosto para a expedição Rivers of Ice, cujo objetivo era cruzar a terceira maior capa de gelo continental do mundo, localizada no sul da Patagônia, entre o Chile e a Argentina. A rota de 400 quilômetros era um branco sem fim de gelo, neve, gretas e perigos de avalanche. Para terem sucesso, eles levaram provisão para cerca de 37 dias.
O sistema de telefonia do patrocinador (uma empresa de telecomunicações inglesa) permitia que eles atualizassem seu twitter sem precisar se conectar à internet, e que suas gravações de voz fossem transformadas em arquivos de mp3 e textos, colocados no site da expedição pela equipe de terra. Katie e Tarka conseguiam também receber uma curta mensagem da sua equipe de apoio, na Inglaterra, geralmente com a previsão do tempo. “Eram informações muito precárias, já que a capa de gelo tem seu próprio clima, muito difícil de prever à distância”, explica Katie.
Logo no início da expedição eles foram acometidos por uma sequência de tempestades de neve que pouco a pouco foram minando suas energias, danificando os equipamentos e extinguindo as esperanças deles terminarem a expedição com vida. “O vento derrubou a barraca e ficamos imóveis dentro dela. A tempestade está pior, mas temos que caminhar”, escreveram no Twitter em 9 de setembro. Após terem percorrido cerca de 2/3 do planejado, os dois foram resgatados de helicóptero 35 dias depois da partida. Estavam muito fracos, com início de congelamento nos membros inferiores, e Katie tinha um tipo de cegueira temporária por causa da exposição extrema à neve.
Katie e Tarka mandavam notícias a cada cinco dias, em média, com informações cada vez mais desanimadoras, como uma avalanche que presenciaram bem à sua frente, um ataque de pânico de Katie e o início do problema nos olhos dela. Também relataram uma tormenta com ventos de mais de 120 km/h, que destruiu de vez a barraca e os fez cavar covas na neve para sobreviverem às próximas cinco noites, antes do resgate no glaciar Spegazzini.
No dia 29 de setembro, a dupla informava o fim da expedição, depois de pedir socorro via telefone satelital: “Agora estamos sentados esperando o helicóptero”, sentenciou o casal, antes do post final no Twitter sobre o pedido de casamento feito no meio da neve e aceito por Katie: “Digo que sim!”.
Muito mais econômicos em termos de equipamentos do que Ed, a forma de interação de Tarka e Katie com o mundo era um telefone satelital com baterias de lithium portáteis. O casal não levou microcomputador e mal usou suas câmeras de vídeo e fotográfica, já que as baixas temperaturas e a umidade constante prejudiacavam o funcionamento desses equipamentos. “No ano que vem vamos trazer outro tipo de câmeras”, disse Katie, em entrevista por e-mail à Go Outside, sobre a intenção do casal de repetir a viagem para tentar completar a façanha.
Para ela, o mais importante em estarem conectados, além de poder pedir o resgate, foi compartilhar os momento mais difíceis. “Quando nossa barraca foi destruída, ficamos muito preocupados, pois teríamos que montar um abrigo com o que tinha sobrado. Tivemos que usar todo o nosso conhecimento para nos manter vivos. Dividir essa experiência foi importante. É preciso que as pessoas entendam e saibam desse tipo de risco numa expedição como essa”, reflete Katie.
EM AMBIENTE BEM MENOS HOSTIL que Ed, Katie e Tarka, mas tão isolado quanto, Roz Savage também se manteve conectada com o mundo durante os 104 dias em que remou seu barco do Havaí a Tarawa, no oceano Pacífico, entre maio e setembro deste ano.
Depois de cruzar o Atlântico entre 2005 e 2006, a inglesa decidiu remar também o oceano Pacífico, dividindo a viagem em três pernas. Em 2007, teve que desistir apenas dez dias depois de partir da Califórnia por causa de ventos que fizeram o barco capotar três vezes em um dia, perdendo muitos equipamentos vitais. Ela partiu de novo em 2008, quando remou da Califórnia até o Havaí. Agora, depois de ter completado o segundo trecho (Havaí-Tarawa), Roz planeja fazer a viagem de Tarawa até a Austrália no ano que vem.
Na perna que finalizou em setembro, em Tarawa, Roz não carregava os equipamentos nas costas como os outros expedicionários, e portanto tinha back up de praticamente tudo o que precisava no barco: telefone via satélite, microcomputador, GPS e até um sistema de auto-falantes no cockpit e na cabine interna.
Durante a remada, ela guiava-se por um mapa e uma bússola, mas seu fiel parceiro era o GPS, já que era pelo equipamento que ela acompanhava sua localização exata na jornada. “Acabei de cruzar o Equador. Hemisfério sul aí vou eu!”, comemorou no seu Twitter, em 24 de agosto.
De tubarões a baleias cercando o barco, passando por arco-íris duplos e até uma remada sem roupa durante a chuva, pouca coisa passou intacta ao olhar de Roz, que se conectava à internet diariamente para postar suas impressões, e recarregava seus equipamentos em um painel solar. Dois meses depois da partida, ela contou, via Twitter, em 22 de julho: “Lavei o cabelo pela primeira vez em dois meses. Me sinto tão bem”.
Roz tem opinião semelhante aos outros expedicionários quanto à importância de compartilhar a experiência para que outras pessoas se inspirem, mas assume que se sente mais autoconfiante quando está sozinha no mar. “Gosto da paz e do silêncio de estar sozinha. Quando meu telefone satelital falhou no Atlântico, foi muito bom não estar conectada e provar para mim mesma que posso ser totalmente autosuficiente e feliz sem poder me comunicar com a terra”, relembra ela sobre o mês final, quando ficou sem nenhuma comunicação.
O FATO É QUE OS QUATRO EXPEDICIONÁRIOS, apesar de serem tecnologicamente avançados, mantêm o espírito real dos maiores aventureiros: são ousados nos objetivos, autosuficientes em suas jornadas e querem ser pioneiros em suas propostas. “A ideia é tirar vantagem da tecnologia. Uma das coisas mais legais sobre a minha expedição é que ela é muito tradicional nas suas raízes, mas moderna na maneira em que é divulgada”, sintetiza Ed Stafford.
Até o topo do mundo, o Everest, já esteve perto de ser twitado. Na temporada de inverno desse ano, o montanhista Gavin Bate esteve conectado por um telefone satelital durante sua expedição ao pico mais alto do planeta. Dois dias antes do ataque, ele escreveu, do campo 3: “Post mais alto do mundo, a 7.200 metros. Digitando com dificuldade”. Gavin não conseguiu mais twitar depois disso, e sua equipe de apoio em terra informou dois dias depois: “Gavin vivo. Não chegou ao cume.”
Com a ascensão fugaz das coberturas on line das expedições, tudo indica que na temporada 2010 nem o topo do mundo escapa de ser postado em tempo real.
Para acompanhar os expedicionários, acesse. twitter/amazonwalkers; twitter/riversofice; e twitter/rozsavage. Siga também a Go Outside no twitter: twitter/gooutsidebr
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2009)
PLUGADO: Há mais de um ano e meio na selva amazônica, Ed Stafford não tem GPS e já ficou sem comida, mas atualiza seu Twitter diariamente
(Foto: Divulgação)
CONGELADOS: O casal inglês Tarka e Katie encontrou apenas cinco dias de tempo bom enquanto cruzavam 400 quilômetros de gelo patagônico. Sobreviveram por pouco, e narraram tudo pelo twitter
(Foto: Divulgação)
SOLO: Em 104 dias cruzando o Pacífico a remo, Roz Savage compartilhou seu dia a dia em tempo real
(Foto: Divulgação)