Ventos futuros


NAVEGAR É PRECISO: As niteroienses campeãs da 36ª Rolex Ilhabela Sailing Week na classe ORC 700 internacional. A equipe maneja o barco para aproveitar o vento de popa
(Foto: Rolex/ Carlo Borlenghi)

Por Fernanda Franco

NUNCA HOUVE TANTAS TRIPULAÇÕES exclusivamente femininas na Rolex Ilhabela Sailing Week quanto em sua 36a edição. Duas delas foram comandadas por nomes reconhecidos da vela olímpica: Fernanda Oliveira, medalhista de bronze em Pequim na classe 470, timoneira do J24 Diferencial Semp Toshiba em Ilhabela; e Isabel Swam, parceira de Fernanda nas Olimpíadas, e tripulante do HPE Bamberg na competição realizada no litoral paulista. Os dois barcos chamavam atenção, mas não era só pela beleza das moças em meio ao ambiente predominantemente masculino. As meninas esbanjaram também habilidade no comando.

Formada por quatro niteroienses entre 19 e 22 anos, a tripulação feminina do J24 Eiger Semp Toshiba se destacava pela juventude e pelo marcante sotaque carioca. No comando, a timoneira Juliana Senfft. Com ela, suas três parceiras na equipe olímpica permanente que disputará vaga para os jogos de Londres, em 2012, na classe Match Race, estreante na Olimpíada: Gabriela Nicolino Sá, Marina Jardim, e Adhara Ginaid.

As quatro obtiveram excelentes resultados em provas de Match Race no Brasil e no exterior desde que começaram a competir na classe, no final de 2007. E na Rolex Ilhabela Sailing Week ganharam o reforço da amiga, admiradora e “tia” – como é chamada pelas meninas – Andrea Grael, esposa de Torben, com mais de 30 anos de experiência em vela.

Diferente do Match Race, onde as disputas acontecem barco a barco em regatas curtas, de aproximadamente 20 minutos, na Rolex Ilhabela Sailing Week as garotas brigaram por vento contra 20 barcos, e competiram diretamente com outros três J24, incluindo o de Fernanda Oliveira. “É bom participar desse tipo de evento para treinarmos o entrosamento da equipe e também para aparecer mais no cenário da vela nacional. Queremos que as pessoas conheçam nosso trabalho e o Match Race, que acaba de virar olímpico, porque precisamos de apoio para estar em Londres. E queremos também competir”, confessou Juju.

PLANEJAR A IDA ÀS OLIMPÍADAS com mais de dois anos de antecedência é um dos trunfos das garotas do Eiger, que dividem a dedicação à vela com os cursos de faculdade. “Elas estão seguindo a receita direitinho. Treinam bastante sempre com a mesma equipe, têm o barco na mão e, principalmente, já têm essa noção de profissionalismo”, elogia Fernanda, que conhece a tripulação desde pequenas. “Participei de três Olimpíadas e a última, em que fiz um trabalho de longo prazo com patrocinador, foi a que deu certo”, reflete ela, sobre sua medalha de bronze.

O barco em que elas competiram na Rolex Sailing Week tem cerca de 10 anos e foi emprestado pelo pai de Juliana, Ronaldo Senfft, medalhista olímpico em 1984. Ele foi transportado de caminhão de Niterói até Ilhabela, e coube às meninas o ajuste final. Na véspera da regata inaugural da Rolex Ilhabela Sailing Week, já estava noite quando elas checavam se o mastro estava realmente reto e terminavam alguns ajustes como a regulagem da tensão dos stays (cabos que seguram as velas), o conserto da luz de popa e o teste da bateria. Descascar fios, misturar o óleo com a gasolina para o motor, manejar uma chave inglesa e um alicate de pressão podem ser trabalhosos, mas definitivamente não foram problemas para as garotas. Por telefone, de Búzios, Ronaldo passava as coordenadas à filha com relação à regulagem dos cabos. “Soltar o barco na mão de uma menina de 20 anos não é fácil, mas agora ele tem plena confiança em mim”, afirma Juju sobre a parceria com o pai.

Juliana é bicampeã brasileira de Optimist e veleja desde os cinco anos. “Não conheço ninguém que tenha começado tão cedo como a Juju. Ela velejou 10 anos só na classe Optmist, já passou pela 420 e por isso já lidou com todo tipo de situação em regatas”, conta Andrea, que viu a garota nascer e é madrinha de casamento dos pais de Juliana, junto com Torben. Ela é quem dá a direção ao barco e indica o momento exato das manobras de mudança de direção e de bordo ao restante da tripulação. Pequenina, ela duplica de tamanho ao tomar o comando do barco e se impõe com voz firme e aguda quando vê o Eiger ao lado de um navio cargueiro, pressionado por outros veleiros, em meio à confusão da largada e com uma janela de vento pequena para todos os barcos.

Gabi, apesar de não ser a comandante, passou grande parte da regata pedindo informações às companheiras e orientando o restante da tripulação. Como trimmer, sua função é a de regular as velas para ter o melhor aproveitamento do vento em relação ao ângulo da velejada. “A regulagem é o que auxilia o leme, e se não for feita corretamente pode fazer o timoneiro perder o comando”, explica Andrea. Para Adhara, que fica no centro do barco e faz a ponte com a proa, Gabi dava indicações de que cabo “caçar” ou soltar. Gabi também controlou o equilíbrio do barco orientando a tripulação para qual lado fazer peso, num dia em que o vento chegou quase a parar e depois ficou completamente imprevisível, mudando de direção a todo o momento. Como tático do barco, ela foi responsável por indicar à timoneira as possíveis mudanças de estratégia e para isso dependeu da proeira Marina, atenta às rajadas de vento.

Marina lia as rajadas pelo movimento na superfície do mar e fazia uma contagem regressiva para avisar as outras três quando o vento ia alcançar o barco, pois nesse momento a vela deve ser levemente afrouxada. Todos os indícios valem na avaliação da rajada: a direção da fumaça de um navio cargueiro, o movimento dos barcos ao lado e a presença de um vale na costa que forma um canal para a passagem do vento. “Olhar o mar é igual em todo lugar do mundo, mas sem dúvida em Niterói eu já sei de onde as rajadas descem. Senti muita dificuldade no Texas [EUA], quando velejamos em um lago”, confessa a proeira. Ela é a tripulante que precisa de mais força física, pois é quem faz as mudanças de vela na proa e a alternância de manobra. “A proa é um campo de guerra. Um bom proeiro já antecipa o que o comandante vai pedir. Chega a ser acrobático fazer a troca de velas com ventos de 30 nós”, descreve Andrea.

As quatro velejadoras levaram cerca de cinco horas e meia para contornar a ilha de Toque Toque por boreste e voltar ao Yatch Clube de Ilhabela, driblando a instabilidade do vento e trocando de posição diversas vezes com o barco de Fernanda, maior adversário na prova, até cruzar a linha de chegada na frente. “Foi bem divertido. O vento estava muito louco no final, mas o time velejou bem e mostramos para que viemos”, disse, aliviada, a comandante Juliana após a vitória.

Amigas e parceiras de vela há muito tempo, a sintonia e a experiência individual foram muito importantes para o sucesso não só na regata, como no restante da semana – elas foram a campeãs da classe ORC Internacional 700. Mas apesar de levarem o esporte a sério, parte do sucesso está na maneira leve e divertida que as coisas aconteceram no barco. As meninas se divertiram, fizeram piada, mostraram respeito mútuo e conseguiram integrar uma nova e inexperiente tripulante no barco. Obrigada, equipe!


POSSANTE: Com a tripulação reforçada por Torben Grael, o novíssimo S40 Mitsubishi/Gol estreiou na Ilhabela uma nova classe de vela oceânica de competição
(Foto: Marco Yamin)

NA PROA DA VELA


Avião? Carro turbo? Não. É a S40, nova classe de competição de vela oceânica do Brasil

NA FLOTILHA QUE PARTICIPOU da 36a Rolex Ilhabela Sailing Week, quatro barcos estrearam na competição. Eram os novíssimos S40, leves e rápidos, que inauguraram uma nova classe na vela oceânica de competição no Brasil. Com um único desenho, os barcos são similares entre si e quem faz a diferença na performance é exclusivamente a tripulação. As regras privilegiam a disputa direta na raia, sem os ajustes posteriores de tempo que tiram parte da adrenalina da competição. Feito com a mais alta tecnologia, o novo modelo tem características como mastro de carbono e uma vela maior e quadrada. A área vélica de 100 metros quadrados é similar à de um veleiro de 57 pés, muito maior e mais pesado – e portanto mais lento.

Além da uniformidade do modelo, algumas regras próprias da categoria S40 evitam que investimentos financeiros alterem as características originais do barco. Só é permitido o uso de um jogo de velas por ano, e dentro da tripulação somente cinco podem ser profissionais exclusivos da vela (sendo que apenas três podem receber salário para tripulá-lo).

O barco foi idealizado por Eduardo Souza Ramos, há dois anos. Velejador há mais de 40 anos, competidor nas Olimpíadas de 1980 e 1984, e sete vezes campeão do evento de Ilhabela, ele tinha o sonho de ver um monotipo disputando as regatas de vela oceânica, como fazem os HPE (barcos de 25 pés que competem apenas entre si). O designer argentino Javier Soto Acebal foi o responsável pelo projeto do monotipo de 40 pés. Dos quatro modelos que competiram, dois são argentinos e dois são brasileiros.

Depois da regata de abertura da Rolex Sailing Week, onde quatro dos cinco primeiros barcos que cruzaram a bóia de chegada eram S40, a tripulação do Mitsubishi/Gol, comandada por Eduardo e reforçada pelo tático Torben Grael, tirou suas impressões da nova máquina. Eles disputaram a liderança da tradicional regata Alcatrazes por Boreste com o argentino Cusi, mas chegaram atrás dos adversários por apenas dois minutos ao falharem na largada. “Optamos por largar no lado conhecido do canal e nos demos mal. Os veleiros que não estavam viciados na região analisaram melhor a situação e largaram melhor”, avalia o segundo proeiro Andreas Perdicaris.

A grande diferença deste barco para outros veleiros de comprimento similar ou maiores parece ser a sensibilidade. “Os barcos olímpicos reagem muito rápido às variações de vento e peso, mas os oceânicos tendem a ser mais lentos. Esse barco é diferente. A tripulação tem que trabalhar muito bem, porque se você perder velocidade, certamente ficará para trás”, explica o navegador Ricardo Costa.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2009)