Vida adulta


AGARRA: Felipinho encara um 9c na cidade espanhola de Alquezar

Por Mario Mele
Foto por Gabor Szekley

HÁ EXATAMENTE UM ANO, depois de tocar a mão na última agarra da Coquetel de Energia, uma via carioca de escalada esportiva graduada em 10c, o atleta Felipe Camargo garantiu à Go Outside: “foi a mais difícil que eu já fiz, mas será por pouco tempo”. A promessa foi cumprida, e muito bem por sinal. Em julho de 2008 ele se tornou o primeiro brasileiro a concluir uma rota em rocha de graduação francesa 8c (na tabela brasileira um 11a) ao encadenar a via Hulk, em Rodellar, conhecido pico do esporte em Aragon. O moleque de apenas 17 anos embarcou para a Europa em julho de 2008 e em seis meses conseguiu também o melhor resultado sul-americano numa etapa da Copa do Mundo de Escalda Esportiva, na Bélgica, um 20º lugar. Felipinho, como é conhecido, também aprendeu muito junto aos tops mundiais Patxi Usobiaga, Dani Andrada e Ramon Julian, entre outros.

E, motivado, continuou escalando pela Áustria, França, Suíça, Itália, Eslovênia, Alemanha, Austrália e Bélgica. Pra incrementar, em janeiro ele foi convidado para o World Games, um evento multiesportivo quadrienal, que acontecerá em julho deste ano, na China. Mas antes de partir para mais uma volta ao mundo – e de completar 18 anos – ele nos contou detalhes de sua saga na Europa e o porquê deles serem tão melhor do que os brasileiros: basicamente pela questão do patrocínio.

GO OUTSIDE: No final de janeiro você foi convocado para o World Games na China. Como foi o critério de seleção?

Felipe: Houve dois critérios para selecionar atletas sul-americanos para esta edição: o melhor das Américas no ranking da Copa do Mundo – que foi o meu caso – e o ganhador do Campeonato Centro Sul-Americano, que foi o César Grosso. Será a segunda vez que a escalada integrará o World Games

Qual é sua expectativa? O que os jogos representam para a modalidade?

Será uma competição difícil, onde estarão presentes somente escaladores fortes, alguns que constantemente chegam às finais nas etapas da Copa do Mundo. A escalada ainda briga para se tornar um esporte olímpico e o World Games é passo importante para isto. Acredito que só de eu poder participar já estarei fazendo parte da história da escalada.

Você treinou pesado na Europa?

Geralmente o treino pesado por lá é no começo do ano, e eu cheguei em julho, quando os campeonatos já estão rolando. Então meus treinos não foram tão fortes, preferi me poupar fisicamente para as competições. Mas só de escalar com os melhores do mundo, o parâmetro de referência muda. Eu me inspirava vendo caras como Patxi Usobiaga e Dani Andrada escalarem.


O que diferencia um bom escalador dos demais?

Acho que é sua resistência no antebraço, coisa que você só ganha escalando muito.

E qual foi a sua principal evolução em 2008?

Com certeza foi a na escalada em rocha, que dá experiência e repertório de movimentos. Não é como escalar num ginásio, onde os route-setters têm de montar várias vias para que os escaladores sintam a diferença de movimentos ou aumentem seu nível de dificuldade. Outra grande evolução foi como pessoa. Conheci novas culturas e convivi com uma galera de hábitos completamente diferentes dos meus. E ainda tive a chance de treinar e escalar durante um mês com o espanhol bicampeão da Copa do Mundo, Patxi Usobiaga. Ele é um ídolo que acabou se tornando um amigo.

Quais foram seus melhores momentos na Europa?

Meu currículo de vias feitas é outro depois de 2008. Encadenei duas vias 11a [pela grade brasileira] em Rodellar, e fui o 10º colocado no Máster Internacional de Serre Chevalier, na França. Em seguida, também em Rodellar, consegui pela primeira vez fazer na rocha um 10a à vista [na primeira tentativa, e sem dicas ou referências anteriores]. Além disso consegui o melhor resultado sul-americano numa etapa da Copa do Mundo, um 20º na Bélgica, e cheguei à final da Copa da Europa Juvenil na Eslovênia, onde terminei em 8º lugar. Ainda na Eslovênia fiz vários 9c à vista.

Qual é a sua melhor qualidade como escalador? E seu ponto fraco?

Acho que consigo manter meus treinos com muita disciplina e dedicação, mesmo morando longe de rocha e não tendo a melhor estrutura para treinar. O lado ruim é o psicológico na hora das competições. Me cobro tanto que, às vezes, me sinto pressionado, o que acaba me atrapalhando bastante. Em 2008, eu tive alguns problemas em competições por causa do fator psicológico.

Tem feito algum trabalho para contornar isso?

Depois de escalar com os melhores do mundo, percebi que tenho que ganhar confiança e esquecer as diferenças, as condições de treino, etc. Só assim poderei competir de igual para igual. Mas ainda é um ponto fraco.

O que ainda falta à escalada brasileira?

Falta apoio financeiro para os atletas treinarem e competirem. Estamos quase sozinhos, remando contra a maré. Manter o foco é um desafio. Não tenho dúvidas de que, em poucos anos, com algum incentivo, poderíamos estar tão evoluídos quanto os europeus E, infelizmente, não temos tanta rocha boa quanto lá fora. Achar vias difíceis no Brasil não é uma tarefa simples.

Entre os países onde você esteve, em quais há mais incentivos?

A Áustria é o país que mais incentiva novos escaladores. Eles contam com Reine Scherer, um ex-escalador que hoje é um dos melhores treinadores do mundo. Ele juntou toda a molecada escaladora do país na cidade de Innsbruck. Acho que, com todos juntos, os treinamentos ficam menos sacrificantes. Rola na diversão. Hoje eles já estão no topo do ranking da Copa do Mundo Juvenil. Ou seja, a Áustria tem grandes chances de dominar a escalada daqui a alguns anos. Eu passei duas semanas em Innsbruck e é comum encontrar gente do mundo inteiro ali. É motivador.


Quais são seus planos para 2009?

Além do World Games, quero ir para a Europa. Durante os meses de maio e junho quero ficar na Áustria, onde competirei numa etapa da Copa do Mundo. Em agosto, pretendo participar do juvenil na França. O que dificulta um pouco é que ainda não tenho um patrocínio fechado.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2009)