Sangue-frio


VELCRO: Dean Potter grudado na parede do monte Eiger, na Suíça

Por Mario Mele
(Entrevista à Ryan Krogh)
Foto por Beat Kammerlander

DEAN POTTER ANDA DISPOSTO a estender os limites do montanhismo. Em março deste ano, ele tentou cruzar um abismo no deserto de Moab (Utah, EUA) somente se equilibrando numa fita de nylon mais estreita que seu pé –esporte chamado de slackline. Daquela vez, ele caiu antes de chegar ao outro lado, o que o obrigou a abrir o pára-quedas que trazia nas costas. Não satisfeito, no último dia 6 de agosto ele foi mais ousado: com o mesmo pára-quedas guardião, cravou mãos e pés nas agarras da Deep Blue Sea (profundo mar azul), uma via localizada num paredão de calcário do monte suíço Eiger, inaugurando assim uma modalidade chamada freebase. A rota de estréia tem 300 metros de extensão e graduação 9a, ou seja, dificuldade extrema.

E, para não correr o risco de cair de uma altura baixa demais para lhe dar tempo de abrir o pára-quedas (mas alta o suficiente para detonar qualquer corpo humano), Dean roubou os primeiros 120 metros, subindo a pé por um platô lateral. E desta vez ele não precisou recorrer ao pára-quedas. Com absoluta perfeição, alcançou o topo da Deep Blue Sea, saindo de lá andando e, certamente, arquitetando a próxima maluquice. Todos os movimentos do escalador norte-americano foram registrados pelo cineasta outdoor Peter Mortimer e integram o filme The Sharp End, lançado nos Estados Unidos em setembro pela Sender (senderfilms.com).

Honestamente, quanto de medo você teve?

Eu senti muita ansiedade e medo antes da escalada. Durante a subida, grandes ondas de medo meio que passavam por mim quando eu via a exposição e previa as conseqüências de uma queda. Mas eu supero tudo isso me concentrando na respiração. Meu corpo todo vibrava de energia. Foi uma sensação que eu nunca tinha tido.

Como você treina para uma coisa desse tipo?

É difícil estar realmente preparado para uma queda que você nem sabe se vai acontecer. Eu treinei diferentes táticas de desescalar, mas nunca pedi para um amigo me jogar de uma ponte, ou coisa assim. Eu treinei cair de costas e de lado e estava bem confiante que, se caísse, eu conseguiria me endireitar e abrir o pára-quedas.

De qualquer jeito, você cairia a poucos metros da parede.

Se eu caísse, estaria muito perto da rocha e teria que ter total controle para não bater. Mas isto é muito melhor do que não ter um pára-quedas, pois ainda há uma chance da queda. Ao passo que na escalada solo, se você se desconecta da rocha, é o fim.

Por que esta via?

O nome dela foi o que me atraiu inicialmente, pois me fazia imaginar o céu como um grande e profundo oceano para mergulhar. E quando eu cheguei e olhei a via, achei ela perfeita. Tinha a inclinação certa e uma rota pela qual eu poderia escalá-la num nível seguro para cair. Então, para o primeiro freebase da minha vida – e o primeiro do mundo – me pareceu uma via muito boa, pois apesar de não ser totalmente segura, era muito mais segura do que algumas das outras opções.

O fato de ter o pára-quedas nas costas te deu confiança extra durante a escalada?

Ele me deixou muito mais solto e meu estilo de escalada ficou mais dinâmico e fluido. Quando eu escalo solo, fico muito travado nos movimentos e tenho que fazê-los estáticos, pegando cada agarra e me assegurando 100% de que não vou escorregar. No freebase, escalei como escalo boulder, com movimentos fluidos.

Alguma vez você achou que iria cair?

Eu tinha decidido escalar usando calças de tracking [usada por base jumpers para proporcionar maior deslocamento horizontal], que meio que se inflam com o ar e permitiriam que eu me impulsionasse para longe da parede em caso de queda. Mas no último momento percebi que atrapalhariam meus movimentos e decidi não usá-las. Foi muito importante, pois na minha cabeça a cena mudou: de uma na qual eu estava esperando cair, para outra, onde eu estava solando com um mecanismo de segurança.

Você comemorou saltando de base jump?

Não, na parte mais dura da escalada começou a chover. Senti as primeiras gotas e tive que ir rápido, pois eu sabia que viria uma tempestade. Choveu enquanto eu passava pelo crux da via, então, quando cheguei na parte mais fácil, eu só quis saber de correr para minha barraca.

Qual é a próxima?

Estou de olho numas paredes maiores e treinando muito. À medida que a escalada em rocha vai se tornando mais difícil, fica também mais exposta e lisa. Essas coisas são perigosas em caso de queda. Ao mesmo tempo, se a rocha é lisa e negativa, significa que numa queda você se afasta dela imediatamente. Então, na minha cabeça, os lugares mais perigosos e as faces mais difíceis passaram a ser as escaladas mais seguras.

Então é certo dizer que ouviremos falar mais de você?

Eu nunca estive mais inspirado do que agora, e olha que eu já estive bem inspirado antes…

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2008)