Outsiders 2007

Por Fernanda Franco

Maya Gabeira

Modalidade: surfe de ondas grandes

Idade: 20

Berço: Rio de Janeiro

Por que é uma Outsider: surfou todos os grandes swells de 2007. É hoje, reconhecidamente, a mulher mais casca-grossa do mundo em big waves

COM APENAS 20 ANOS, Maya tem no currículo mares de arrepiar a espinha de muito surfista de onda grande, e certamente de fazer outros tantos de ondas menores arrumarem uma desculpa para não caírem na água. Maya é exatamente o oposto – só gosta de surfar onda grande. No ano passado, ela desceu os maiores swells da temporada: esteve em Mavericks e em Ghost Trees, na Califórnia; em Dungeons, uma praia famosa por tubarões na África do Sul; em Teahupoo, no Tahiti; e em Todos os Santos, no México. Entre um pico desses e outro, Maya podia ser vista dropando as ondas de Waimea, no Havaí, seu quintal de casa. Na maioria das vezes, ela era a única mulher no mar.

Mesmo tomando vacas homéricas, como a que foi filmada em Teahupoo, Maya não desanimava e remava de volta para o outside. Diz só ter sentido medo em Ghost Trees, no dia que se tornou a primeira mulher a fazer tow-in naquele pico – assustada com a força do swell, ela pegou apenas uma onda e saiu do mar. “Era uma situação muito extrema e achei que não era hora de me arriscar daquela maneira. Ainda preciso evoluir no tow-in e ganhar mais confiança”, revela, de forma consciente. Pelo mesmo motivo, Maya ainda não encarou Jaws, em Maui, mas já coloca essa que é uma das maiores ondas surfáveis do planeta como seu próximo objetivo. “A partir do mês que vem, terei um jet ski para treinar e quem sabe na temporada que vem eu esteja preparada para surfá-la”, planeja.

O despertar para as ondas grandes aconteceu em Waimea em 2004, quando Maya foi ao Havaí pela primeira vez e viu a californiana Jamilah Star surfando no dia em que seria disputado o Eddie Aikau, tradicional campeonato de ondas grandes que só acontece com ondas acima de 20 pés e em perfeitas condições. “Isso me fez acreditar que era possível uma mulher surfar ondas grandes. Depois desse dia, decidi me dedicar ao big surf”, explica. Foi uma decisão que mudaria a vida de Maya, tanto que ela não esquece a data exata de seu primeiro mar gigante em Waimea: “Foi no dia 5 de fevereiro de 2006. Ali, percebi que era aquilo que eu mais gostava de fazer e, portanto, que era aquilo que eu queria para a minha vida”.

A menina de cabelos dourados pelo sol começou no surfe apenas aos 14 anos. Até essa idade, sua atividade predileta era a dança. “A Maya nunca tinha mostrado habilidade para os esportes, mas sim muito talento para a dança”, conta a mãe, Yamê. Ela compensou a descoberta tardia saindo para um giro pelo mundo atrás das ondas. Com o ensino médio terminado, teve carta verde dos pais para se mudar para o Havaí aos 17 anos, deixando o conforto da família e da terra natal para correr atrás do sonho de se profissionalizar como surfista. Levando a típica vida dos brasileiros que se mudam para o paraíso das ondas, dividia o tempo entre surfar e ser garçonete.

Depois de quatro temporadas de muito treino e determinação para agüentar ficar até oito meses sem ver a família, Maya já não carrega mais as bandejas e conquistou seu espaço e respeito no mar e fora dele. “Fico muito à vontade em Waimea e Sunset. Só em Pipeline sinto um localismo forte”, conta, referindo-se à esquerda com mais história e tradição do mundo.

Por falar em tradição, a filha do deputado Fernando Gabeira sonha em ser convidada a perticipar do Eddie Aikau, a maior celebração das big waves, exlcusiva a 28 surfistas convidados por ano. Pelo andar das coisas, isso é questão de tempo. E aí, Maya deixará de ser a filha de Fernando Gabeira – Fernando é que será o pai da Maya.

Phil Rajzman

Modalidade: longboard

Idade: 25

Berço: Rio de Janeiro (RJ)

Por que é um Outsider: venceu o primeiro campeonato mundial de longboard reconhecido pela ASP

O LONGBOARD VERMELHO MONOQUILHA DE 9 PÉS da foto é uma típica prancha estilo clássico, vista comumente nos braços dos surfistas apaixonados pelo old school, dos que estão começando a pegar ondas ou ainda dos que estão parando de surfar. Mas este pranchão fica pequenininho e ganha novas aplicações sob os pés de Phil Rajzman. É com essa long que o carioca executa manobras como se estivesse sobre uma pranchinha, surpreendendo até os adeptos da ala moderna do esporte ao executar tubos e aéreos que tiram a prancha da água.

Phil garante que a prancha não tem nenhuma adaptação para que fique mais leve. “Pelo contrário, como sou pesado, as bordas são largas e ela tem mais área. As manobras são resultados do treinamento e do tempo que surfei com pranchinha”, explica. Foi em cima dessa balsa que ele inventou o alley up, uma manobra vinda do skate na qual ele dá num giro no ar de 180o graus com a prancha – um movimento difícil de executar até com os modelos pequenos. “Foram cinco anos de treino”, revela o rapaz que cresceu nas areias da Barra e freqüentou a Barraca do Pepê.

Ele teve um empurrãozinho para optar pelo pranchão bem cedo. Aluno de Rico de Souza, Phil surfava com pranchinha quando foi convidado pelo mestre para representar a escola de surf no primeiro campeonato brasileiro de longboard entre escolas. “Acabei disputando a final com o Rico, o Mudinho e toda a galera que corria o mundial. Foi a motivação para entrar de cabeça”, relembra Phil.

Na seqüência aconteceu o campeonato mundial de Makaha, no Havaí, em 1997. Na época Phil tinha 15 anos e já competia patrocinado em pranchinha quando foi novamente convidado por Rico para integrar a equipe brasuca. Ele entrou no campeonato mundial de long como alternate, uma espécie de surfista reserva, mas acabou debutando com estilo, chamando a atenção da galera pelo ótimo desempenho em ondas enormes.

Phil já tinha ganhado em 2003 a etapa brasileira do World Longboard Tour (WLT) e o Ox Bow, em Puerto Escondido, no México em 2004, deixando para trás Joel Tuddor, uma lenda do esporte. Mas, como estas duas competições não fazem parte da Association of Surfing Professionals, a ASP, Phil ainda não estava satisfeito. A coroação definitiva aconteceu em 2007, e foi caprichada: Phil sagrou-se campeão do primeiro mundial de longboard reconhecido pela ASP, num campeonato realizado em Anglet, na França, e dividiu o pódio com outros dois brasileiros, Carlos Bahia e Danilo Mullinha. Para Phil, a preparação e a união dos brasileiros foram decisivas para a hegemonia brasileira, duas características que Phil herdou do pai, o ex-jogador de vôlei da Seleção Brasileira, Bernard, medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles (1984).

Naquela época, Phil acompanhava a rotina diária de treinamento do pai, viajava com a seleção como mascote do time e se envolvia com o ambiente de coletividade e união do grupo. Hoje, ele acredita que transferiu muito do que viu quando criança para sua vida de atleta. “Eu e os outros brasileiros conseguimos deixar as diferenças de lado e pensar somente na competição. Estávamos unidos, torcendo um pelo outro na praia”, revela.

O ano de 2008 promete ser desafiador para Phil. Mesmo sem patrocínio, ele não desanima e faz planos de participar do circuito mundial de longboard – que já tem quatro etapas confirmadas – novamente e quer voltar a surfar em pranchinha, para buscar outro caneco. Talento e estilo ele tem.

Adriana Nascimento

Modalidade: mountain bike

Idade: 31 anos

Berço: Campos do Jordão (SP)

Por que é uma Outsider: ganhou seu nono título brasileiro de cross-country depois de ter parado de competir por 4 anos

É IMPOSSÍVEL NÃO ASSOCIAR o mountain bike feminino brasileiro ao nome de Adriana Nascimento. Ela começou em 1991, aos 15 anos, praticamente junto com o esporte no Brasil. Mas foi a hegemonia absoluta entre 1995 e 2002, quando conquistou oito títulos nacionais, um pan-americano e outras provas relevantes de MTB, que faz dela uma unanimidade entre todas as gerações do esporte. Em 2007, quatro anos depois da última competição, ela fez um retorno espetacular às pistas, mostrando que ainda é a referência do mountain bike feminino no Brasil.

Quando tinha 13 anos, a garota de Campos do Jordão veio para São Paulo com uma amiga, para correr clandestinamente uma meia-maratona, já que não tinha idade para participar da prova. Encerrou a carreira relâmpago de corredora por causa de dores no joelho. Sorte do mountain bike.

Dona Olga, a avó, foi quem lhe deu a primeira bike, mas controlava os treinos que fazia com os meninos, amigos que já pedalavam. “Eles assobiavam e eu saía de casa escondida. Naquela época, era tudo muito novo. Não havia sapatilhas e eu usava Kichute e firma-pé, pois já sabia que os pés tinham que ficar fixos no pedal”, lembra a atleta.

Aos 18 anos a garota de sorriso tímido surpreendeu ao conquistar um excelente quarto lugar no mundial de MTB júnior, nos EUA, em 1994. Com isso conquistou também o apoio incondicional da avó e o primeiro título brasileiro em 1995, mantendo-se invicta até 2002. Em 2003 ainda correu algumas provas, mas resolveu se aposentar aos 27 anos.

A inesperada decisão foi resultado de uma série de mudanças na sua vida. Além de ter vindo morar em São Paulo com o marido e de ter optado por dedicar seu tempo aos alunos da sua assessoria esportiva, Adri estava desgastada com o trabalho que tinha para cuidar do inventário e da empresa do pai, que acabara de morrer. “Apareceram novas responsabilidades e faltava energia para tudo”, relembra. Mas o contato contínuo com o ambiente de provas não deixou apagar nela a chama de competidora. Mesmo longe dos pódios, Adri pedalava nas provas para acompanhar seus alunos e nunca gostava de andar atrás.

Até que, em 2006, ela resolveu participar do campeonato mundial de másters, no Canadá, para comemorar seus 30 anos de vida. “Foi uma fase gostosa. Voltei a ter vontade de treinar forte, de competir de novo. Minha vida já estava novamente estabilizada”, conta. Do Canadá, Adri trouxe o quarto lugar e a decisão de voltar para as pistas definitivamente, para deleite de seus admiradores e para o bem do mountain bike brasileiro.

A vontade de voltar a disputar o Brasileiro de MTB surgiu depois da Cape Epic, uma ultramaratona de 900 quilômetros disputada anualmente na África do Sul, e que Adri correu com um aluno em 2007. “Ele parou, mas eu continuei sozinha. Quando completei aquilo, me veio a curiosidade de saber como eu estava diante das adversárias daqui”, diz.

O campeonato brasileiro aconteceria 15 dias depois, dia 29 de abril. Nele, Adriana conquistou seu nono título brasileiro sobre meninas de ouro, como Jaqueline Mourão, Roberta Stopa e Erika Gramiscelli. Embalada, participou da Transalps em julho, uma prova de 628 quilômetros divididos em oito etapas. Junto com Eduardo Rocha Lisboa, ela garantiu o 15o lugar na categoria mista.

Com os resultados, Adriana mudou seus planos iniciais para 2008: agora ela está decidida a conseguir a única vaga feminina do Brasil nas Olimpíadas de Pequim. As duas etapas da Copa Internacional de MTB e o Campeonato Brasileiro definirão quem vestirá a camiseta verde-e-amarela na China. “Foi uma decisão boa para mim, para o esporte e para quem gosta de me ver competir”, revelou Adriana. Nós concordamos.

Gui Pádua

Modalidade: vôo livre

Idade: 33

Berço: Pratápolis (MG)

Por que é um Outsider: bateu o recorde mundial de queda livre ao permanecer 4 minutos e 40 segundos no ar antes de abrir o pára-quedas

O CABELO VERDE – ora emaranhado em dreads, ora arrepiado num estilo moicano – sempre foi a marca registrada de Guilherme Pádua, o Gui, de 33 anos. E onde estão as madeixas? Na igreja São Judas Tadeu, em São Paulo, para onde ele levou o cabelo cortado para pagar uma promessa. A graça alcançada: o recorde mundial de queda livre, conquistado em novembro, nos Estados Unidos. Gui ofereceu as mechas para o santo, que está tatuado com o rosto do pai em um dos seus antebraços.

Ele já detinha o recorde sul-americano e, sonhando em reinar no mundo, começou a planejar o vôo do mundial em 1998. O salto rolou em novembro de 2007, no Teennesse (EUA), de uma altura de 29 mil pés (8.839 metros). Gui levava dois cilindros de oxigênio e vestia roupas especiais para superar o frio de -45ºC, além de vestir um wingsuit, aquele macacão em forma de morcego que prolonga o tempo de queda livre.

O ideal seria saltar de 35 mil pés, mas como ele não obteve autorização da Aeronáutica norte-americana para isso, o jeito foi manter o corpo esticado o máximo possível, enquanto planava até bater a marca anterior, estabelecida por um capitão norte-americano em 1960. Joseph Kittinger precisou saltar de 102 mil pés (31 mil metros) para voar por 4 minutos e 36 segundos.

Segundo Gui, o principal risco nestes saltos é a falta de oxigênio (ar rarefeito) acima dos 18 mil pés (5.500 metros). “Eu treinei inclusive apnéia para o caso de o sistema de oxigênio falhar. Eu não poderia apagar [desmaiar], ou corria o risco de perder a hora de abrir o pára-quedas”, explica.

Tirando os momentos que está no ar, realizando um dos seus 10.300 saltos, Gui é um cara da roça. Ele passa a maior parte do seu tempo na fazenda herdada do pai, em Cássia, MG, que agora ele administra. Gui conta, mostrando os calos na mão, que recentemente plantou 10 mil árvores lá e que também está investindo numa marca de café, por isso plantou 60 mil novos pés do fruto. Ele também acabou de receber do Ibama uma licença para construir um viveiro para animais silvestres abandonados.

Além de cuidar da roça, Gui promove na fazenda campeonatos de swoop (uma modalidade de pára-quedismo), moutainboard e downhill. Ele também tem um ultraleve, um hangar e uma pista para aviões de pequeno porte no playground apelidado de X-Town. O próximo brinquedo será uma antena de 300 metros de altura para fazer base jump.

Gui está fechando parcerias com as prefeituras locais para levar as crianças das fazendas vizinhas para praticar esportes na sua fazenda. “A idéia é reduzir o trabalho infantil na região”, conta. “Gui é desbravador, abre caminhos para realizar o que quer. Ele é bom de negócio e se relaciona bem com todo mundo, do peão ao governador”, conta o amigo e fotógrafo Rick Neves.

Para 2008, claro que ele já tem um projeto. “Saltarei de 38 mil pés (11.580 metros) de um balão para me manter seis minutos em queda livre”, sonha – ou seria melhor dizer voa? – Gui.

Brawzinho

Modalidade: windsurf

Idade: 18

Berço: Fortaleza (CE)

Por que é um Outsider: venceu o PWA, o campeonato mundial de windusrf na categoria freestyle

BRAWZINHO, OU MARCÍLIO BROWNE NETO, começou a praticar windsurf da mesma maneira que muitos campeões de outros esportes: cedo e incentivado pelo pai. Marcílio pai, além de doar o nome ao filho, encomendou nos Estados Unidos um equipamento sob medida para o menino, então com apenas quatro anos. A partir dos oito, Brawzinho já velejava sozinho, praticamente todos os dias, em frente à casa da avó. Começou a competir nesta época e como não havia categoria infantil, suas primeiras adversárias foram as mulheres. “Ele não gostava, mas essa fase durou pouco tempo”, relembra o pai.

Morando no paraíso dos ventos – onde há excelentes condições para o esporte durante nove meses no ano –, não demorou até o atleta-mirim desejar voar mais longe. Aos 10, trocava as tradicionais férias em família ou com os amigos pelas viagens de carro com a turma do windsurf, atletas mais velhos que percorriam as praias da região. A primeira viagem internacional foi com o tio, para a Meca do esporte: Maui, no Havaí. “Eu tinha doze anos e já me dei bem. Consegui o apoio de equipamentos da marca Naish Sails.”

O menino prodígio voltou decidido a transformar o hobby em profissão. Influenciado pelo amigo e também velejador brasileiro Kauli Seadi, ele abandonou a modalidade racing (regata), adotou a freestyle e também seguiu competindo na waves (ondas), sua modalidade predileta atualmente.

Hoje, mesmo tendo apenas 18 anos, Brawzinho já pode ser considerado um veterano do circuito mundial. A primeira participação aconteceu aos 13 anos, quando competiu em algumas etapas. Essa independência precoce gerou no garoto seu próprio método de treinamento. “Aprendia as manobras assistindo aos vídeos em câmera lenta. Depois tentava acertá-las na água, durante horas. Já treinei muito sozinho”, conta.

Correndo nas categorias freestyle e waves, os primeiros resultados significativos vieram em 2005, quando ele ainda participava de seletivas para conseguir um lugar nos principais eventos. Nesse ano, Brawzinho não só foi campeão do qualificativo da waves, como venceu um dos atletas favoritos na sua bateria. A ascensão até o título mundial de freestyle em 2007 passou por uma excelente temporada no ano anterior, depois de uma vitória na Bélgica na modalidade jump, além de boas colocações no freestyle e ondas.

Em 2007, a maturidade bateu definitivamente à sua porta. Competindo com nomes favoritos ao caneco, o rapaz viu Robby Naish transformar-se de ídolo em amigo e passou a treinar como os atletas de elite: uma semana antes das competições, ele não faz mais treinos desgastantes, come e dorme bem e ensaia mentalmente as manobras que quer realizar.

Brawzinho também credita seu sucesso à sua constância ao longo da temporada. “O nível atual da freestyle é muito alto. Os 10 melhores são parecidos. Eu tive consistência nas etapas, mesmo sob diferentes condições de vento e mar”, explica o cearense que ganhou a etapa de Fuereventura (na Espanha, batendo o campeão de 2006 Gollido Estredo) e foi o terceiro colocado na Alemanha, vencendo o venezuelano tricampeão mundial Ricardo Campello.

Além de defender o título da freestyle e competir na wave em 2008, este ano o campeão mundial quer realizar um sonho antigo: passar uns dias velejando pela Indonésia. Além disso, este ano seu irmão mais novo – Gabriel, de 16 anos – também estréia no mundial. Com certeza quem está cheio de orgulho é o pai da dupla.

Equipe Selva

Modalidade: corrida de aventura

Idades: 29 a 46

Berço: São Paulo (SP)

Por que é uma Outsider: foi a equipe mais regular em 2007 – terceiro lugar do circuito Adventure Camp, vice-campeã do Chauás, campeã da prova Carrasco D’Aventura, oitavo lugar do Ecomotion/Pro e quarto no Desafio dos Vulcões (melhor resultado de um quarteto brasileira na prova)

ELES LEVAM O ESPÍRITO DE EQUIPE AO PÉ DA LETRA. Têm grito de guerra – “seeeelva” –, torcida fanática e um ritual de comemoração bastante conhecido no meio: pagar flexão. Mas além de liderar o lado festivo das provas, a equipe Selva NSK Kailash faz direitinho a lição de casa: treina forte, anda sempre no pelotão da frente, ganha provas e trabalha para o desenvolvimento do esporte por meio de uma assessoria esportiva que tem quase 100 alunos. Recentemente, aderiu às ações em defesa do meio ambiente, neutralizando o carbono que produziu no ano passado.

A formação titular da Selva é composta por Márcio Campos, 31 anos, Caco Fonseca, 30, Erasmo “Chiquito” Cardoso, 29 e Rosângela Hoeppner, 46. Mas eles mantêm um esquema de revezamento, no qual entram atletas de fora de acordo com o tipo de prova, a disponibilidade de tempo e as características do atleta.

Em 2007 a Selva foi a equipe mais regular das brasileiras. Eles começaram o ano em meio a rios de degelo e nevascas, abocanhando o quarto lugar no Desafio dos Vulcões, depois de 550 quilômetros numa região montanhosa do Chile e da Argentina. Também terminaram o circuito Adventure Camp em terceiro lugar, mesmo sem pontuar numa das etapas; venceram a Carrasco D’Aventura (200 quilômetros na Chapada Diamantina, Bahia); e terminaram o Ecomotion/ Pro em oitavo na classificação geral – a segunda melhor equipe brasuca na prova. E para fechar o ano com chave de ouro (ou melhor, bolso de ouro) eles correram a exótica Dhabi Adventure Challenge, uma aventura de 500 quilômetros nos Emirados Árabes, na qual ganharam quase 3 mil dólares só para completar a competição em 17º lugar, entre as 26 melhores do mundo. Lá, eles descobriram uma nova habilidade do capitão Marcinho: interagir com dromedárias. “Na etapa do deserto, virei o melhor amigo da Ethiene, nossa “quinta elementa”. Enquanto os outros camelos empacavam, a Ethiene não parava nunca”, conta Márcio.

Ele e Caco são os únicos fundadores que ainda fazem parte da equipe, que surgiu em 2001. Naquela época, Caco, então militar, corria provas de orientação pelo exército e viu na televisão o também ex-oficial Rafael Campos, da QuasarLontra, correndo uma prova de aventura. Rose é uma ex-triatleta com oito Ironmans no currículo, que foi convidada a participar da primeira Expedição Mata Atlântica (a EMA 1998, no litoral norte de São Paulo) e não parou mais de competir. Chiquito é um ex-canoísta e ciclista de alto nível.

Como Marcinho também era militar, ele e Caco incorporaram à equipe o espírito de infantaria que aprenderam no exército, segundo o lema “quanto pior, melhor!”. Aliás, foi desse espírito que nasceu o nome Selva, um cumprimento tradicional dos infantes na região amazônica. E para completar o clima militar, no fim das provas eles “pagam” flexões – uma marca registrada da equipe. “No exército, toda punição é paga com flexão. Para nós é comemoração”, explica Marcinho.

Para 2008 estão na agenda as principais provas do Brasil: Adventure Camp, Brasil Wild Extreme e o Ecomotion/Pro, que terá 700 quilômetros e será a final do campeonato mundial de corrida de aventura. Quanto às provas internacionais, eles pretendem correr a Bull of Africa, na África do Sul, em agosto. Torcemos para que selva e savana se entendam, mas que no final dê Seeeeelva!


Valmir Nunes

Modalidade: ultramaratona

Idade: 44 anos

Berço: Santos, São Paulo

Por que é um Outsider: venceu e bateu o recorde da Badwater, ultramaratona de 217 quilômetros realizada no deserto da Califórnia. Venceu também a Brazil Brooks 135, a 24 Horas da Grécia e chegou em 3o lugar na Spartathlon, Grécia

ELE TINHA DECIDIDO PARAR DE CORRER aos 30 anos, depois de ter sido bicampeão mundial dos 100 km e vencido outras grandes provas de ultramaratona, por sofrer com um problema no pé direito que o fazia sentir muita dor. Mas depois da cirurgia no tendão de Aquiles, Valmir mudou de idéia. A próxima data marcada para pendurar o par de tênis era aos 40, mas o amor pelo esporte e a continuidade de boas marcas adiaram o fim da carreira mais uma vez. Hoje ele não se arrisca mais a prever sua aposentadoria.

Em julho do ano passado, aos 43 anos, Valmir Nunes escreveu seu nome e o do Brasil na mais dura prova de endurance do mundo – a Badwater. O santista venceu a ultramaratona de 217 quilômetros que acontece anualmente no Vale da Morte, na Califórnia (EUA), e é considerada uma das mais difíceis do mundo. Participando pela primeira vez e enfrentando temperaturas de até 50oC e umidade próxima a 0%, ele ainda bateu o recorde da prova – que era de Scott Jurek, com o tempo de 22h51m29s – em mais de uma hora e chegou na frente do ultramaratonista-celebridade Dean Karanazes.

Vencedor de mais de 30 ultramaratonas em 18 anos de carreira, esse santista franzino e sorridente tem conquistas impressionantes e reconhecidas no mundo todo. Ele está entre os três melhores do mundo em ultramaratonas, mas mesmo assim mantém a humildade ao contar seus feitos. Foi bicampeão mundial dos 100 km, em 1991 na Itália e em 1995 na Holanda, quando quebrou o recorde da prova com o tempo de 6h18m9s. A vitória de um atleta brasileiro quebrando a hegemonia dos gringos em provas desse tipo despertou a curiosidade da equipe russa. “Logo depois da prova na Itália, desembarcou em Santos o ultramaratonista Konstantin Santalov, com seu técnico e um intérprete, para saber como eu treinava, o que eu comia e fazia. Eu não tinha nada para esconder”, conta Valmir. Até hoje Valmir e Konstantin são amigos; quando o russo veio outra vez a Santos sem a comitiva, para ficar hospedado na casa de Valmir, um dos treinos foi correr do Rio de Janeiro até Santos – meros 415 km.

As provas prediletas de Valmir são na Grécia, o país “pai” das corridas de longa distância. “Costumam dizer que o Valmir já é quase grego, pois já esteve oito vezes por lá”, revela sua esposa Kelly. Ele detém o bicampeonato das 24 horas da Grécia, coquistado em 2006 e 2007. Na última edição da prova ele fez 222 quilômetros, mas não conseguiu superar sua marca de 273 quilômetros, recorde pessoal e das Américas em provas de 24 horas, e terceira melhor do mundo, feita em Taiwan, em 2003. Detalhe: a prova aconteceu num circuito fechado de 400 metros e Valmir não parou nenhum segundo, dando 700 voltas na pista.

Da prova grega mais tradicional, a Spartathlon, que refaz os 246 quilômetros entre Atenas e Esparta, percorridos pelo soldado Pheidippides em 490 AC, Valmir já tem o ouro, a prata e o bronze. Foi campeão em 2001, vice em 2003 e terceiro lugar em 2007. Em 2008 ele volta com um objetivo bem definido. “Quero ganhar a Spartathlon de novo. É meu sonho”, conta com brilho nos olhos.

A mente desse monstro das corridas parece ser mais resistente até que as pernas que correm um dia inteiro sem parar. “Minha inspiração é a paixão pelo esporte e sempre corro focado no meu desempenho e não no adversário. Nunca reclamei das dificuldades”, afirma. Quando as pernas finalmente se cansam, porém, ele fica desapontado: “Odeio andar em provas”. Para quem, só em 2007, correu 20 mil quilômetros e estima que já tenha percorrido 200 mil quilômetros em toda carreira de corredor, andar um poquinho está liberado.

César Grosso

Modalidade: escalada esportiva

Idade: 23 anos

Berço: São Paulo (SP)

Por que é um Outsiders: ganhou invicto o Brasileirão; foi o melhor americano no Campeonato Mundial de Boulder (39º lugar) e o melhor latino-americano na Copa do Mundo de Escalada, na Bélgica (20º) – CHECAR

ELE É UM DAQUELES ATLETAS sempre elogiados por todos – e, quando você o conhece, não dá para discordar. César Grosso, o Cesinha, conheceu a escalada esportiva há 13 anos, quando estudava no colégio Magno, a primeira escola na capital paulista a ter uma parede de escalada. Numa época que deveria ser apenas de brincadeiras, ele já era dedicado e mostrava tino para a coisa. “Quando o vi escalando, logo percebi que ali nascia um talento”, relembra o professor Dimitri Wuo.

Depois de ganhar até de meninos mais velhos, foi uma derrota que acabou trilhando o seu caminho. Em 1998, ele errou um movimento durante a final de um campeonato e perdeu o primeiro lugar. Dimitri conta que Cesinho chorou e então decidiu: “Eu quero ser campeão e vou chegar lá”.

E cumpriu a palavra. Hoje Cesinha acumula vários títulos no currículo, como o tricampeonato paulista de escalada, o Open Brasil de Boulder de 2006 e 2007 e o tricampeonato brasileiro, conquistado ano passado de forma invicta. Lá fora Cesinha também mandou superbem em 2007: foi o melhor americano no Campeonato Mundial de Boulder (39º lugar) e o melhor latino-americano na Copa do Mundo de Escalada, na Bélgica (20º). E olha que na Europa a escalada é levada muito a sério, com aulas obrigatórias por lei nas escolas da França e até universidade da modalidade.

Como ainda não chegamos neste nível, aqui Cesinha optou por cursar nutrição e trabalha orientando a alimentação de atletas. Ele também cursa pós-graduação em fisiologia do exercício, usando a experiência adquirida como esportista para aplicar em si mesmo seus conhecimentos. “Sou meu próprio laboratório. Testo em mim algumas experiências e vou aprimorando”, afirma o autodidata que não tem treinador e que segue religiosamente uma rotina de treinos e alimentação. “Eu uso a história dele como exemplo de dedicação. Faz 13 anos que ele treina todos os dias. É referência para os garotos de hoje”, conta Paulo Gil, proprietário do ginásio de escalada indoor 90 graus, onde Cesinha começou a treinar.

O campeão afirma que treina pra valer mesmo há oito anos e que nunca se queixou por ter perdido alguma balada em nome do esporte. “Minha vida é só escalada: namorada, viagens, filmes e amigos. Tudo é muito bem recompensado pela alegria de vencer um campeonato.”

E mesmo entrando sempre para ganhar, ele não deixa o brilho do esporte apagar momentos simples, como um final de semana na rocha entre amigos, subindo vias mais fáceis. “Ele escala desprovido de vaidade. É humilde e se diverte com todos da mesma maneira. Ele será da montanha para sempre”, profetiza Marcio Bruno, escalador e amigo, rebatendo os que criticam os escaladores que “bitolam” em treinar só em paredes artificiais.

Ao que tudo indica, Cesinha tem tudo para um dia subir uma parede igual ao seu ídolo François Legrand, um francês dono de uma técnica e concentração apuradíssimas. E mesmo que o brasileiro nunca se iguale aos cinco títulos mundiais do europeu, ele parece já ter conquistado muito respeito aqui e bagagem para dar o que falar lá fora.

Equipe Alaya Bozo D’água

Modalidade: rafting

Idade: 20

Berço: Brotas (SP)

Por que são Outsiders: venceram tudo que disputaram em 2007. A equipe sagrou-se campeã brasileira, campeã mundial na Coréia do Sul e campeã do Zambezi Challenge.

COM QUANTOS ATLETAS SE FAZ UMA EQUIPE DE RAFTING? No bote são apenas seis remando para domar as corredeiras, mas são necessários nove integrantes para formar a equipe campeã do mundo de rafting – a Alaya Bozo D’água, mesmo não existindo banco de reservas na beira do rio. Existente desde 2003, a equipe alcançou seu auge em 2007, vencendo todas as competições de que participou.

Os meninos de Brotas ganharam o campeonato brasileiro em fevereiro, remando em casa. Mais do que o lugar mais alto do pódio, eles faturaram o direito de correr o campeonato mundial de rafting na Coréia do Sul. Disputando contra as melhores equipes do mundo, a equipe ganhou o título da competição no começo de julho. E, como reis do rafting, foram convidados para ir à África em outubro, para mais uma vitória no Zambezi Challenge, disputado nas corredeiras dos sonhos de qualquer atleta da modalidade.

Chegar ao topo do mundo num esporte amador no Brasil não é fácil para nenhum atleta, mas para os rapazes de Brotas as dificuldades foram multiplicadas por nove: são nove passagens (com a do empresário), oito remos (fora os reservas), muitas bocas para alimentar bem, e assim vai.

Os números sempre foram grandes. Foi com o apoio do empresário atual, Jean Claude Razel, proprietário da empresa de técnicas verticais Alaya, que a partir de 2005 o cenário começou a mudar. “Além de apoiar a equipe, passei a atuar na busca de patrocínios, pois vi que eles tinham potencial”, conta Jean. Rafael Ribeiro da Cruz, o Keké, relembra o início da Bozo D’Agua. “Como não tínhamos grana, cada um chegava nas provas com coletes e bermudas de cores diferentes. Parecíamos uns palhaços, e foi daí que veio o nome da equipe”, conta.

Porém, dentro do bote, sob o comando do exigente capitão Lucas Core, o que se vê são atletas sérios e focados. No Campeonato Mundial da Coréia do Sul, competindo com equipes de tradição no rafting como os tchecos, eslovacos e alemães, uma combinação de resultados das três modalidades – sprint, slalom e descenso – deu o ouro aos meninos. A sintonia perfeita na remada, a comunicação silenciosa dentro do bote e o apoio incondicional dos que estavam fora fizeram o diferencial dos brasileiros, que chacoalharam o Coréia com muito samba e animação.

Para vencer o desafio na África, além de vender camisetas para levantar grana para a viagem e superar o cansaço da jornada de quase três dias num caminhão velho adaptado para expedições, foi preciso não deixar o bote virar em ondas de até cinco metros formadas pelas corredeiras.

Em 2008, os rapazes da Alaya Bozo D’água vão defender o título pan-americano em Mendoza, na Argentina, já que o último campeonato realizado em 2006 na Costa Rica também foi ganho por eles. Planejam ganhar o brasileiro em maio, pois só assim poderão defender o título mundial na Bósnia em 2009, no campeonato que acontece a cada dois anos. Eles terão a chance de conhecer o local com um ano de antecedência, já que a organização planeja um encontro em junho para que as equipes testem o rio e conheçam as condições locais – mas isso só poderá ser feito se conseguirem patrocínio para a viagem. Que boas remadas acompanhem Coré, Paulinho, Fabinho, André, Zé Prego, Samuel, Keké, Leão e Jean Claude, os melhores do mundo no rafting.

Mario Roma

Modalidade: mountain bike

Idade: 45 anos

Berço: Natural de Portugal, mas radicado em São Paulo há 16 anos

Por que é um Outsiders: completou três das ultramaratonas de mountain bike mais cascas do planeta – Cape Epic, Transrockie e Tansalps

ANTES DE APORTAR NO BRASIL, esse simpático português de sotaque inconfundível e fala rápida competiu por 12 anos representando seu país de origem. Nesse período, participou das Olimpíadas de Los Angeles (1984) e Seul (1988) e ganhou títulos de campeão português e europeu. Mas não foi em cima de uma bike que essa história foi construída: Mario Roma era atleta profissional da vela oceânica. O ex-velejador participou uma vez da regata de volta ao mundo (a antiga White Bread, hoje Volvo Ocean Race), permanecendo nove meses no mar; cruzou 11 vezes o oceano Atlântico; e fez parte de um dos maiores acidentes de vela do mundo, quando a quilha do veleiro no qual estavam 26 tripulantes quebrou, jogando todos no água da costa da Irlanda – felizmente, todos sobreviveram e Roma pôde migrar para o Brasil em 1989 e encontrar, em 2000, aquela que se tornaria sua verdadeira paixão: a mountain bike – ou a BTT, bicicleta-todo-terreno, como a modalidade é chamada nos Algarves.

Nesses oito anos dedicados à MTB, Mario transferiu com sucesso sua experiência da vela para as provas de longa distância de bike. “Sou teimoso e tenho uma grande resistência ao perrengue. Nunca precisei de esforço para administrar as dificuldades. Ao contrário, elas me estimulam. E prova de longa distância é isso”, diz Mario, relacionando as ultramaratonas com a vela oceânica.

Atirado, o portuga se inscreveu na Transalpes de 2003 sem ter noção do que seria enfrentar 600 quilômetros em sete dias, subindo um desnível total de 22 mil metros em plenos Alpes suíços. “Treinava no plano e no asfalto da capital durante a semana e nos finais de semana ia pras trilhas de Botucatu”, relembra o atleta. “Mas terminei a prova”. Depois dessa experiência suada, ele se animou ainda mais para treinar nos anos seguintes, correndo a maioria das provas no Brasil. Em 2006, ele subiu ao pódio de todas as 10 provas que participou, tornando-se campeão brasileiro e paulista amador na categoria máster.

Mas foi 2007 o ano da consagração nas ultramaratonas. Com o brasileiro Julio Paterlini, Mario correu a Cape Epic, na África do Sul, terminando em 26o lugar na categoria máster. Já a Transrockies – uma prova que tem 70% do percurso em single track, morro acima ou morro abaixo, nas Montanhas Rochosas canadenses – diz ter sido o seu mestrado em ultramaratonas. “Andar na roda do cara que já havia ganhado do Floyd Lands não foi fácil”, conta Mario, referindo-se ao seu parceiro de prova, o brasileiro Odair Pereira. Mas não é de coisa fácil que esse português gosta, mesmo. Ainda em 2007, Mario terminou em sexto lugar a prova 24 hours of Adrenalin, realizada na Califórnia, na frente de mais de trinta atletas.

Em 2008, quatro provas de longa distância já estão agendadas: o mundial de 24 horas em Lisboa, em junho; a World Solo 24 Horas no Canadá, em julho; a Via Nova Race, travessia de 600 quilômetros entre Portugal e Espanha, em outubro; e a La Ruta dos Conquistadores, na Costa Rica, em novembro. O ano já começou bem – em janeiro ele ganhou o caneco da Cerapió na categoria máster. “Fiquei apenas dez minutos atrás do Abraão Azevedo, campeão do ranking geral”, conta, satisfeito com o desempenho na prova que rola todos os anos no Nordeste.

O mais difícil para ele é segurar a filha Giulia, de nove anos, em casa. Os dois já treinam numa tandem (aquelas bikes com dois lugares) com a intenção de disputarem juntos alguma prova brasileira. “Nos treinos ela não cansa de gritar ‘vai pai, mais rápido!’”, se desmancha o pai coruja.

Sabiá

Modalidade: Base jump

Idade: 37

Berço: São Paulo (SP)

Por que é um Outsider: pelo conjunto da obra realizada – ele é pioneiro e referência no Brasil quando o assunto é base jump e outros esportes aéreos

FASCINADO POR ALTURAS, Luiz Henrique Tapajós, o Sabiá, provavelmente viveu mais tempo no céu que na terra. Ele já realizou tudo o que sempre sonhou no ar, sem nunca ter quebrado um osso do corpo em acidentes. A paixão pelo pára-quedismo começou aos 15 anos, em 1985. Em 23 anos de esporte, ganhou vários títulos no Brasil e no exterior, participou cinco vezes do X Games na modalidade sky surf e desde 1995 é o rei do base jump – b.a.s.e. é a abreviação para prédio, antena, ponte e montanha, em inglês, locais que substituem o avião na hora do salto.

Foi nesta modalidade que Sabiá encontrou seu lugar no céu, tornando-se o pioneiro do esporte no Brasil. Sabiá conheceu o base jump em 1992, assistindo ao finado programa Isto É Incrível.

Como na época não havia internet ou TV a cabo, a única forma de se inteirar com a modalidade era por meio de cartas trocadas com a esposa de Mark Hewitt (pai do base jump), uma brasileira que se tornou amiga de Sabiá.

Em 1993 o gringo veio ao Brasil para ministrar um treinamento de queda livre. Sabiá então colou em Mark, anotando todas as dicas sobre como dobrar o pára-quedas, saltar e onde pousar. “Acompanhei o primeiro salto de base feito no Brasil pelo cara. Minha sensação foi uma mistura de medo e vontade. Eu dizia que nunca faria, mas ao mesmo queria aprender”, relembra o homem-pássaro. “Quando comprei meu primeiro pára-quedas de base jump meus amigos diziam que eu era louco e que ia morrer, mas eu estava trilhando um sonho”, revela.

O primeiro salto aconteceu em 1995, de cima de uma antena de televisão de quase 400 metros, na Flórida (EUA). Daí o negócio entrou na veia e ele não parou nunca mais. Hoje acumula quase dois mil saltos de base. Mas ele diz que não dá a mínima para o número de saltos que já fez. “Não dou a mínima para o número e sim para a qualidade e os locais onde já passei. Calculo que fiz 6 mil entre 1995 e 2000 [dentre todas as modalidades]. Há pessoas que afirmam que tenho mais de 15 mil”, supõe.

A realmente lista de locais saltados é enorme e não faltam cartões-postais nela. No Brasil ele destaca a cachoeira da Fumaça (Chapada Diamantina, Bahia) de onde já saltou duas vezes de seus 400 metros de altura; o elevador Lacerda, em Salvador (BA); o Congresso Nacional, em Brasília (DF); e os points cariocas Corcovado e ponte Rio-Niterói, da qual já pulou oito vezes.

Lá fora ele encarou o salto Angel, a maior cachoeira do mundo, na Venezuela, com queda de quase um quilômetro; a torre Eiffel, em Paris, depois de tê-la escalado sem autorização pelo lado de fora; e os 33 saltos do Petronas, o segundo edifício mais alto do mundo, na Malásia, com 452 metros.

Além de ter sido vice-campeão do mundo na modalidade (em 2004), Sabiá quase alcançou a proeza de ser preso pela polícia norte-americana quando saltou do El Captain, a montanha californiana berço do esporte. “Chegamos à noite ao cume, sem eles nos verem. Quando amanheceu, saltei com um visual alucinante. Foram 15 segundos de queda livre”, relembra.

Mas todos os saltos juntos não superam o realizado no dia 9 de julho de 2007, quando ele se jogou da mão do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, a 30 metros de altura. Foi a realização de um sonho antigo, que não o deixava dormir. “Sentei na mão do Cristo e saltei da ponta do dedo dele. Minha vida é ‘antes’ e ‘depois’ daquele dia”, diz. “Agora eu me sinto realizado na vida”.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2008)