Sobrevivendo


LORDE INGLÊS: O aventureiro profissional Bear Grylls, acusado de fraude por um jornal Grã-Bretanha

Por Joe Spring, John Bradley e Michael Roberts

FOI SÓ MAIS UMA GRANDE AVENTURA, MESMO! Como quando Bear Grylls se tornou o mais jovem britânico a escalar o Everest ou quando atravessou o Atlântico norte num bote inflável, ou quando circundou a Grã-Bretanha de jet-ski. Uma oferta para ser o astro de um programa de sobrevivência norte-americano que colocaria o veterano das forças especiais britânicas em constantes situações de riscos? Parece divertido!

E foi mesmo. Man vs. Wild (homem versus a natureza, que no Brasil virou À Prova de Tudo) estreou em novembro de 2006 e logo se tornou um dos programas mais populares do canal Discovery. Milhões de pessoas ligavam a televisão para assistir aos episódios de uma hora nos quais Bear é largado no meio do nada e tem que achar o caminho de volta só com uma faca, uma garrafa de água e uma pederneira (uma espécie de fósforo de metal). Ele encarou corredeiras, atravessou florestas e ingeriu coisas que fariam os caras do Jackass ficarem brancos – cobras vivas, zebra crua, água extraída de excremento de elefante. E também tinham as animadas instruções de Bear: o entusiasmo de um escoteiro temperado com o refinamento das escolas britânicas. Monty Python misturado com MacGyver: É só carne de zebra!

Então, de repente, já não era mais tão divertido. Em julho de 2007 o jornal inglês The Sunday Times relatou alegações que Bear ficou em hotéis quando dizia dormir ao relento, apresentou cavalos domados como se fossem selvagens e teve aulas de como construir uma jangada rudimentar antes de fazer isso diante das câmeras. A mídia norte-americana logo noticiou a controvérsia e depois a esqueceu, mas na Inglaterra a imprensa partiu para o ataque. Um artigo alegava que os produtores usaram carvão quente no lugar de lava de verdade. O jornal Daily Mail chamou Bear de “o suflê de queijo do mundo da aventura”.

O Discovery disse saber que partes de alguns episódios não foram “naturais em relação ao meio ambiente”, mas apoiaram seu astro. Prometeram que o programa seria “completamente transparente” na segunda temporada, que começou em novembro de 2007 nos Estados Unidos e em XX no Brasil. Enquanto isso, Bear, de férias no País de Gales, ficou quieto, o que o deixou vulnerável a críticas: será que ele é de verdade?

Neste outono, numa entrevista exclusive à Outside norte-americana, Bear interrompeu o silêncio.

O que ele disse? Sim, algumas cenas foram armadas. Mas em sua pressa para condená-lo, os repórteres se esqueceram dos riscos reais que ele corre para fazer o programa. A seguir, Bear e seus colegas, fãs e detratores falam sobre o que o faz tão popular, como definem reality-shows e para onde o À Toda Prova vai.


VERDADE OU MENTIRA: Bear literalmente com os dois pés na lama durante seu programa, que estorou nos EUA

Grylls obteve seu treinamento de sobrevivência durante três anos nas forças especiais britânicas. Quebrou as costas num acidente de skydiving na África, mas se recuperou e escalou o Everest em 1998, aos 23 anos, tornando-se assim um herói na Grã-Bretanha. Tornou-se um bem-sucedido palestrante motivacional e começou a receber ofertas para trabalhar na televisão.

Peter Lovering, da produção do À Toda Prova: Ele apareceu num programa do Reino Unido sobre a Legião Estrangeira da França (unidade formada por soldados voluntários). Ele conseguia se envolver com outros caras e ainda dar ótimas informações. Achamos que ele, com certeza, funcionaria como uma audiência norte-americana. Ele tinha a diversidade para repassar de forma muito excitante o que ele precisava fazer para sair vivo.

Neil Laughton, que serviu com Bear nas forças especiais, escalou com ele o Everest e depois circundou a Grã-Bretanha de jet-ski: Ele disse “posso me juntar à sua expedição?” Eu o desafiei a escalar o Ama Dablam, no Himalaia, voltar depois e se reinscrever. Ele escalou com certo estilo e eu confirmei seu lugar na nossa equipe. Ele combina um tremendo apetite por realizações e uma incrível capacidade de se relacionar com desconhecidos.

Peter: Bear entra em contato com a nossa criança interior. Você tem todos esses momentos extraordinários, mas Bear os transmite com tanto charme e os faz com tanto conhecimento, que você tem uma sensação muito mais completa e rica do que simplesmente um programa de proezas malucas.

Bear: para mim, À Toda Prova pega todas as minhas experiências em ambientes extremos e demonstra o que aprendi com eles, o que faço para sobreviver.

No verão passado, À Toda Prova era um sucesso indiscutível. Bear foi ao programa Late Night with Conan O’Brien e no Oprah (os Jô Soares norte-americanos). Ambos apresentadores o alfinetaram por usa disposição em comer de tudo, até mesmo beber sua própria urina.

Bear: Nunca achei que os norte-americanos focariam tanto nas coisas que como. Pessoas em países diferentes se interessam por coisas diferentes. Na Grã-Bretanha são pelas minhas escaladas, no extremo Oriente o pessoal se fascinava pelos encontros com os animais selvagens. Talvez nos EUA seja mais Homem versus Ânsia de Vômito. Por mim, tudo bem!

Doug Ritter, diretor-executivo da fundação Equipped to Survive, especializada em salvamento: Meu principal problema é eles passarem informações que são completamente erradas, como mostrar Bear bebendo a própria urina. Só é seguro fazer isso se ela estiver completamente clara.


Conan O’Brien, para Bear no Late Night: O chef num restaurante fica muito bravo se você reclama da comida?

As alegações contra o programa foram publicadas pela primeira vez no jornal londrino The Sunday Times em 22 de julho de 2007, dois dias após a conclusão da primeira temporada do programa. Citando Mark Wienert, instrutor de sobrevivência do estado de Oregon (EUA) e consultor pago do programa, o artigo acusou Bear de dormir num confortável chalé enquanto filmava um episódio em Sierra Nevada, na Califórnia; que os cavalos selvagens que ele tentou laçar no episódio foram alugados de uma estação de trekking próxima; e que, num episódio em que Bear constrói uma jangada no estilo polinésio, Mark e uma equipe construíram a jangada e a desmontaram depois, para em seguida Bear repetir os passos da equipe. Enquanto repórteres raivosos buscavam mais casos de distorção, os expectadores desabafavam em fóruns on-line.

Mark Wienert: O repórter misturou um monte de coisa e exagerou tudo. Eu já tinha colocado grande parte das informações no meu blog. Não houve nenhum acobertamento. Esse cara tinha um objetivo oculto.

Bear: Era uma boa manchete: “Bear fica em motel durante filmagem”. Mas a verdade é menos excitante. Passei muitas noites ao relento e nas vezes em que não estava filmando ao vivo em terreno selvagem, ou estava prestes a demonstrar algo fisicamente exaustivo, eu ficava com a equipe de filmagem numa cabana no acampamento-base.


MONTANHISTA ELE É: Bear se tornou o mais jovem britânico a escalar o Everest

Comentários de leitores numa reportagem sobre o escândalo publicada no blog do New York Times:

> Eu sabia! Vi um episódio no qual ele usou sua mochila para flutuar enquanto descia um rio. O problema era que dava para ver muito bem o contorno do salva-vidas debaixo do moletom.

> Eu suspeitava, mas não estou nem aí. Apesar disso, acho bem divertido assisti-lo. As situações são divertidas e informativas. Qualquer um que acredita que é completamente autêntico é bem ingênuo.

> Mesmo que reality-shows não sejam exatamente realidade, eles deveriam deixar claro quando os eventos são armados.

> Se programas culinários preparam a comida em vários estágios porque o espectador não tem tempo de assistir tudo cozinhando, então o senhor Grylls não deveria ser responsabilizado por isso também.

Sir Ranulph Fiennes, famoso aventureiro britânico (postando no website de Bear): o ataque do Daily Mail contra Bear Grylls diz que ele é o “suflê de queijo” do mundo das aventuras. A afiliação [às forças especiais] exige explicitamente gente não-suflê de queijo. [O ataque é] jornalismo parcial, irrelevante, mesquinho e enganador.

Bear: Tem sido difícil. Não sou à prova de balas!

Robert Thompson, professor de cultura popular e televisão da universidade de Syracuse: Quanta realidade queremos nos nossos reality-shows? Neste caso, toda a energia do programa vem da aventura e do perigo. Esse escândalo vai até o coração do que o show é.

Neil: não acho que isso faça a menor diferença. Se a produtora te aluga um quarto, você não vai dormir no estacionamento só para mostrar como é machão! É um programa de TV, não uma expedição.

Bear: Quanto à pergunta “Vocês armam as coisas?”, a resposta é algumas vezes, sim. Temos que espremer muita ação em poucos dias e para isso é preciso um bom planejamento anterior.

Robert: Nem todo mundo assiste por razões educacionais. O programa de Steve Irwin era educacional, mas onde ele estaria se os crocodilos fossem robôs? O fato de ele ter morrido durante as filmagens . . . ele corria um perigo real.. Alguns desses shows dependem de sua reputação de casca-grossa.

Mark: Minha experiência na televisão diz que se você fica sentado e filma alguém sentado nos arbustos por 45 minutos, não vai dar para tirar muita coisa disso. Mas Bear arriscou mesmo a vida? Ele se expôs em todas as tomadas nas quais eu estive envolvido? Pode apostar.


BOCA DE LIXO: Bear é frequentemente alfinetado pela sua mídia por sua disposição em comer de tudo e beber a própria urina

Em 9 de novembro de 2007, o Discovery Channel transmitiu um especial de duas horas cobrindo a expedição de Bear Grylls realizada em para o Himalaia, na qual ele pilota um paraglider motorizado a uma altitude superior à do cume do Everest. Uma semana depois, estreou a segunda temporada de À Toda Prova. Os novos episódios têm duas horas, um formato que, segundo Bear e os produtores, permite mostrar como os programas são organizados. Dessa, os episódios começam com um aviso: que Grylls e a equipe “recebem apoio quando estão em situações potencialmente letais”.

Peter: Estamos tentando fazer um Super-À Toda Prova. Queremos que Bear vá aos ambientes mais extremos do planeta. Para isso mandaremos Bear para o Saara, Patagônia e possivelmente Sibéria. Se vamos a esses lugares, é melhor fazer um show de duas horas.

Robert: Acho que a audiência vai subir um pouco na nova temporada. Muito mais gente ouviu falar do show agora.

Peter: Nossa posição é de que o equipamento de segurança esteja ali para proteger Bear, não para ajudá-lo. Em outras palavras, ele é capaz de fazer tudo que aparece fazendo. Mas haverá proteção quando necessário, para que ele não se machuque.

Bear: Eu aprendi que o programa não é sobre mim. É sobre o que ele traz à tona em outras pessoas, como o desejo de escalar, explorar ou só sair por ai.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de abril de 2008)