Surf de água doce


A DOIS PASSOS DO PARAÍSO: O veterano surfista de pororoca Henrique "Likoska" Martin caminha para o rio Araguari para pegar altas ondas

Texto e fotos: Gregg Newton / SouthernCross Images

Pense em um pico bacana de surfe e a primeira imagem que vem à mente é a de uma praia maravilhosa com mar esverdeado, certo? Abra sua mente: ondas perfeitas podem, sim, estar nas águas de um rio barrento, cercadas por uma densa floresta. Quem surfa sabe do que eu estou falando: da pororoca, a onda mais longa do mundo, nascida da colisão de marés doces e salgadas.

O nome do fenômeno tem sua origem no termo indígena “poroc-poroc”, que significa “grande barulho destrutivo” ou “grande rugido”. Por décadas, ela significou morte e destruição, já que nas planícies fluviais da Bacia Amazônica várias comunidades ribeirinhas foram forçadas a ficar olhando enquanto a onda devastava suas plantações em poucos dias.

A formação da pororoca tem origens tanto terrestres quanto celestes e acontece em um ciclo anual, atingindo sua força máxima no final da temporada da seca. Marés vindas do oceano geralmente são impedidas de subir rio adentro por uma poderosa vazão de mais de 4,5 trilhões de litros de água por dia, que arrasta sedimentos continentais por mais de 80 quilômetros de rio até chegar ao Atlântico. Alimentado por cerca de mil afluentes ao longo de seus 6.680 quilômetros de extensão, o Amazonas descarrega cerca de um quinto do total de água doce do mundo que deságua no oceano – volume superior ao do outros oito maiores rios do planeta juntos.

Quando se aproxima o fim da estação seca, que vai de fevereiro a maio, o grande rio perda força e fica mais raso. A maré vinda do oceano avança, engolindo a maré fluvial, principalmente na Lua cheia e na nova, quando a força gravitacional está mais forte. A entrada da água marinha cria grandes ondulações que se afunilam pelos afluentes da Bacia Amazônica, próxima ao Equador. É esse fluxo invertido que provoca a pororoca.

Avançando pelo continente em meio a bancos de lama, ilhas e destroços, ondas monstruosas formam-se e ganham força. Surgem paredões líquidos espumosos, que podem ser muito macios ou incrivelmente irregulares. Ao contrário das ondas das praias, a pororoca é sustentada por duas correntes; a de cima vem do mar e empurra a onda para frente, enquanto a de baixo, vinda do rio, a empurra de volta. A erosão perto da foz deixa as margens mais planas, facilitando a passagem da onda, que fica ainda mais forte.

As ondas variam de dois a sete metros e movem-se a velocidades entre 20 e 40 km/h, cobrindo toda a largura do rio, que pode chegar a 16 quilômetros em alguns lugares. Dá para ouvir o barulhão meia hora antes de sua chegada. Os ribeirinhos que vivem nas margens do Amazonas precisam construir suas casas em palafitas e buscam refúgio em terrenos elevados, enquanto os barcos precisam ser ancorados em águas profundas para não serem virados pela onda maciça.

Em sua passagem pela floresta, a intensidade, tamanho e duração da pororoca nunca são as mesmas, influenciadas em parte pela profundidade e forma do leito do rio e até mesmo pelos detritos flutuantes. A onda pode viajar por uma hora ou mais e já foi vista a mais de 160 quilômetros da costa. Em sua fúria, arranca árvores, vira barcos e causa pânico entre os animais. Provocam uma enorme erosão no solo, modificando o leito e as margens do rio. Quando o leito fica mais profundo, a onda acaba perdendo força e tamanho. O poderoso Amazonas então se corrige e volta a correr para o mar.


E DÁ-LHE LAMA: As águas barrentas do Mearim

APESAR DE O RIO AMAZONAS ter recebido bastante atenção nas últimas duas décadas, a pororoca que nele ocorre se manteve relativamente desconhecida pelos amantes do esporte. Hoje, porém, isso mudou. Surfistas aventureiros de várias partes do mundo têm sido atraídos até a região da Amazônia em busca dessa onda interminável.

Para quem tem peito de encará-la, a pororoca cria uma incrível onda para o surfe – a mais longa onda do mundo. Nas palavras do surfista veterano Serginho Laus, de Curitiba, “é o mais perto que existe de uma onda infinita”. Em junho de 2005, no rio Araguari, no Amapá, Laus surfou a pororoca por um impressionante recorde mundial de 10,1 quilômetros, durante 33 minutos. Laus explicou: “A pororoca é como uma avalanche de água, um ‘tsunami de rio’. É uma força excessiva demais, você tem que se sintonizar com a natureza enquanto surfa, caso contrário corre um grande risco”. Mesmo assim, Laus tem o projeto de, até 2010, surfar todas as ondas de rio do mundo.

A pororoca não é um mito; ela é bem real. Como então se surfa numa coisa dessas? Para começar, estando no lugar certo, na hora certa. Só há duas ondas por dia durante a pororoca, no pico das marés, a cada 12 horas (uma de manhã e outra à noite). Mesmo os mais fanáticos não gostam muito da pororoca noturna. Isso faz com que reste apenas uma série por dia, logo na alvorada. Se você perder a onda, vai ter que esperar 24 horas.

A evolução do surfe na floresta ainda é um trabalho em progresso, mas o básico já está mais ou menos definido. Grupos partem de pontos marcados de bote com motores de 20 a 30 cavalos de força. Precisa ser assim por causa da pouca profundidade do rio. As primeiras expedições aprenderam na marra que motores maiores acabavam encalhando e muitos foram jogados com violência contra a margem pela fúria da água. Os pilotos dos botes guiam os surfistas até os melhores points, e estes então pulam na água e remam como loucos para tentar entrar na onda.

Diferentemente do oceano, os pilotos e surfistas buscam a parte mais espumosa da pororoca – a falta de sal na água torna a flutuação mais difícil, e a espuma ajuda os surfistas a boiar, apesar de ainda terem de fazer muita força para não afundar. Surfam a onda como fariam na beira da praia, só que com uma grande diferença: tudo no rio é imprevisível.

As ondas ganham forma, tamanho e força de acordo com a profundidade do leito do rio. Numa hora, ela pode estar forte, com breaks surfáveis, e logo em seguida ficar lisa como vidro, para depois virar pura espuma novamente. A principal diferença, entretanto, é também sua maior atração: a duração. Dependendo das condições, a onda pode parecer ter acabado por completo, só para se reformar mais acima, juntar energia e voltar a avançar pelo continente. E continuar assim por dezenas de minutos.

Hoje as expedições estão mais bem estruturadas. Se nas primeiras temporadas de pororoca os surfistas remavam por horas em suas pranchas ou ficavam à deriva, esperando resgate, hoje os jet skis salvam a pele de surfistas em apuros, escoltando-os de volta à terra firme. A força da corrente pode arrastar um surfista por quilômetros ou, pior, deixá-lo ilhado em algum lugar isolado.


JET SKIS: Surfistas aguardam a chegada da pororoca em banco de areia em afluente do Amazonas

O PRIMEIRO CAMPEONATO DE SURFE NA POROROCA aconteceu em 1999. Autoridades locais se ligaram que esse tipo de evento esportivo podia ser um ótimo jeito de expandir o turismo regional, e que a cobertura da imprensa, tanto nacional como internacional, colocaria cidades pequenas no mapa do mundo. Atualmente, festivais da pororoca atraem milhares de curiosos a essas regiões remotas.

Liderada por Noélio Sobrinho, a Associação Brasileira de Surfe na Pororoca (ABRASPO) organiza desde 2004 um circuito anual com três eventos principais em três estados, nas águas do Amazonas e de outros grandes rios da bacia. Sobrinho, que vive em Belém, é um dos pioneiros do esporte. Noélio surfou em mais de 60 ondas de pororoca, mais do qualquer outra pessoa no planeta. “Eu adoro estar aqui, no meio do nada, e surfar esse monstro lindo de onda. É uma vida ótima”, diz. “Meio do nada” não é força de expressão.

Podem levar horas ou mesmo dias para chegar à maioria dos points e, uma vez neles, você está em um dos lugares mais inóspitos da Terra. O clima duro fica ainda pior por causa do monte de criaturas de todos os tamanhos que picam e mordem. Mas há também seres maravilhosos da selva, incluindo centenas de espécies de aves e botos, que volta e meia acompanham os surfistas pelo rio.

Atualmente as competições são compostas por oito surfistas, divididos em quatro duplas para duelos um contra um. Eles surfam de cinco a dez minutos, com juízes avaliando seus movimentos em botes. A distância surfada ou o tempo na onda são critérios de desempate. Quem vence a bateria avança para a próxima fase, até a final. A competição geralmente dura três dias, a menos que haja imprevistos, como problemas mecânicos.

APÓS MUITA PESQUISA, CHEGOU A HORA de eu testemunhar a pororoca de perto. Queria produzir um verdadeiro documentário sobre o assunto e decidi visitar três estados equatoriais onde acontece o fenômeno, começando com o maior de todos os rios do mundo, o Amazonas.

Foi realmente uma lição de humildade que meu primeiro encontro com a grande onda quase tenha sido meu último. Meu destino era o Canal Perigoso, entre as ilhas de Caviana e Mexiana, passando a de Marajó, a maior ilha marinha-fluvial do mundo. Com mais de 40 mil quilômetros quadrados, Marajó é, com suas planícies fluviais, do tamanho da Dinamarca.

É impossível compreender a imensidão do Amazonas até navegar por ele, passando por ondas de mais de um metro, sem terra a vista em ambos os lados. Navios feitos para o mar são capazes de navegar rio adentro por cerca de 3.700 quilômetros, uma das muitas razões por que os portugueses o chamavam de “rio-mar”.

Saímos de Macapá e viajamos mais de metade de uma dia de barco. Na manhã antes de partirmos do porto fiquei observando os pescadores ancorando suas canoas motorizadas a mais de 200 metros das docas e caminharem até a margem. A alguns quilômetros de distância, um navio cargueiro aguardava ancorado no meio do rio. Era maré baixa, e nossa embarcação de três andares, o King Benedict, também estava encalhada na lama. Em poucas horas a maré ergueria o nível do rio em cinco metros ou mais.

Membros da expedição dormiam em redes nos conveses do meio e de baixo. Havia duas dúzias de nós, entre passageiros e tripulantes, quatro botes de metal, uma lancha e quatro jet skis. Na tarde seguinte, ancoramos para esperar a pororoca da tarde perto da ilha das Pacas, antes de prosseguir para nosso ponto de partida. À noite, embora ainda não pudéssemos ver a pororoca nem mesmo com a ajuda de poderosos holofotes, podíamos ouvir seu rugido. Começamos a nos perguntar em voz alta se o local escolhido para ancorarmos era seguro.

O som foi ficando mais alto, quase ensurdecedor, até que finalmente conseguimos enxergá-la sob as luzes. A onda iluminada mostrava um sério problema: estávamos ancorados em paralelo à pororoca. Surfistas assustados começaram a gritar para virarmos o barco. Serginho Laus estava debruçado sobre o leme, implorando para ajeitarem a embarcação. “Proa para a onda! Vira a proa para a onda,” gritava, logo antes de a onda nos atingir. Embora meu entusiasmo em me encontrar com a onda tivesse diminuído, decido continuar a tirar fotos enquanto conseguisse.

O capitão se esforçava para controlar o barco quando a segunda onda surgiu. Cadeiras e mesas deslizavam de um lado para o outro no convés superior até que finalmente conseguimos acertar o barco e sair da roubada. Felizmente, ninguém se machucou. Se essa não fosse minha primeira vez diante da pororoca, suponho que o resto da viagem teria sido meio monótono…


PUXANDO UM RONCO: Sabdro Buguelo tira um cochilo enquanto espera sua onda, no rio Amazonas

NO DIA SEGUINTE, SAÍMOS EM VOADEIRAS, barcos de metal com fundo chato e motores pequenos, perfeitos para navegar em águas rasas. Eu estava com Chico Pinheiro, um experiente piloto de teco-teco e expert em pororoca. Por duas décadas, Chico voou em aviões mono ou bimotores por toda a Amazônia.

A aventura da noite anterior parecia ter ficado no passado até que, cerca de 1,5 quilômetro antes de chegar ao Amazonas, vi a água se erguendo. De repente batemos em um tronco submerso e caímos todos na água. O surfista à minha esquerda voou por cima de mim. Por sorte, consegui manter minhas câmeras secas enquanto nadava.

Ao chegarmos ao Amazonas, dava para notar como o rio também estava raso. Por três dias, nuvens de tempestade e chuva forte precederam as ondas. No primeiro dia, um barco teve problemas mecânicos e o grupo que o usava ficou preso na ilha. Cedemos o nosso a eles e acabamos assistindo a pororoca passar ao nosso lado, sem poder acompanhá-la.

Mas nos outros dias as ondas vieram novamente, e assistimos de camarote ao duelo dos surfistas, enfrentando-se nas baterias dessa que era a primeira etapa do circuito brasileiro. Nessa etapa, o surfista Sérgio Roberto, de Salinas, Pará, sagraria-se campeão, mas seria Adilton Mariano, de Fortaleza, Ceará, quem levaria o título do circuito 2006.

Do Amazonas, seguimos para o rio Araguari, no Amapá. Das mais de duas dúzias de marés de rio com onda no mundo, nenhuma é mais espetacular que a pororoca do rio Araguari. Desde as primeiras expedições para surfá-la, no final dos anos 90, ela já engoliu muitos barcos e pranchas.

Para chegar ao nosso ponto de partida, encaramos quatro horas de tortura em um ônibus de Macapá a Cutias, seguidas de 15 horas em barco até a foz do rio. Esperando por nós no meio da selva, em um dos muitos canais do Araguari, estava o Pororoca Surfing Lodge. Construído três anos atrás para abrigar as expedições, o chalé, composto de pequenas casas de palafita, podia ser alcançado por barco. Com a erosão anual causada na bacia pela pororoca, o canal aplainou e agora é preciso deixar a embarcação fluvial para trás e fazer uma viagem de uma hora até o Araguari em voadeiras ou pequenas canoas.

Diferentemente do Amazonas, onde a selva mal é visível nas margens, dois ou três quilômetros adentro pelo Araguari e está-se no meio da floresta tropical. As densas matas só eram interrompidas por fendas profundas e ravinas, talhadas duas vezes por dia pela passagem da onda. Pude testemunhar, admirado, a parede de água arrancando árvores das margens, varrendo praticamente qualquer coisa em seu caminho.


VIZINHOS DA POROROCA: Menino descansa perto de sua casa, no Amapá, localizado no igarapé Fortaleza, que desemboca no rio Amazonas

UM DOS ASPECTOS MAIS FASCINANTES DA POROROCA é como a própria natureza da onda muda rápido e frequentemente. Num minuto, os surfistas estão deslizando em ondas lisas e, no momento seguinte, têm de manobrar freneticamente para não serem engolidos pela espuma. Acompanhando Serginho certa manhã, observei enquanto ele cortava a onda, subindo e descendo, por um banco de quatro metros. Durante um desses momentos, ele foi golpeado com força quando o paredão maciço transformou-se em espuma espessa em um piscar de olhos. A onda simplesmente o engoliu.

Danylo Rodrigues de Moraes viajou desde São Paulo, onde mora, para ver o fenômeno e pegar sua primeira onda mística. Apelidado de Grilo, seu olhar era de pura perplexidade quando, após cortar uma onda, se juntou a outros surfistas que pareciam ter surgido de lugar nenhum. O grupo, extasiados em cima de suas pranchas, trocava cumprimentos e seguravam nas mão uns dos outros enquanto subiam o rio pela maior floresta do mundo. Surfaram juntos por mais de uma hora. Um longo dia nas ondas – e ainda não eram nem 9 da manhã!

No chalé, lá pela hora do almoço, o olhar de Grilo havia mudado. Disse que se sentia “como se tivesse sido atropelado por um caminhão”. Quando se leva em consideração que uma onda das boas no mar pode ser surfada por cerca de 30 segundos, dá para se ter uma idéia da força e energia necessárias para ficar em cima da pororoca por dez minutos ou mais. Por isso, o recorde mundial de Laus de 33 minutos é quase inimaginável. Rastreado por fiscais com GPS, seu feito está registrado no Guiness como a onda mais longa já surfada.

Depois de alguns dias, eu e um cameraman discutimos a possibilidade de filmarmos o fenômeno de um banco isolado na selva. Decidimos tentar. Laus e Zeca, o piloto de barco mais experiente da região, nos guiaram até uma área deserta próxima à foz com cerca de três quilômetros de largura. Escalamos um banco de lama e começamos a montar nosso equipamento. Ficamos de olho na direção da foz do Atlântico, mas não dava para ver nada, nem onda nem barcos. Passaram-se uns 45 minutos antes de eu começar a ouvir um rugido baixo inconfundível. Nada ainda no horizonte. Mais 15 minutos e o som foi ficando mais alto e uma brisa começou a soprar. Com as teleobjetivas da câmera, vimos uma longa linha branca se estendendo pelo horizonte, com barcos subindo e descendo nela.

Ainda a quilômetros de nós, o rugido da onda ficou intenso para valer. A um quilômetro de distância, ficou quase ensurdecedor. Jet skis passavam cortando como formigas enquanto os botes seguiam na frente da onda e os surfistas, em cima dela. A onda serpenteava ao longo da linha do horizonte em toda a extensão do rio, curvada em alguns lugares, enquanto se adaptava e contorcia de acordo com a forma do leito. Depois que a pororoca passou, tanto o vento como o barulho se desvaneceram, e a paz voltou a reinar na selva, com exceção da torrente que seguia a onda. O nível do rio havia subido uns dois metros numa rapidez brutal. Subindo novamente o rio, a batalha das águas produziu belos swells. Enquanto o desafiador Araguari lutava para corrigir seu caminho para o mar, apanhamos os surfistas espalhados nas margens.

CARONA: Sérgio Laus na garupa de um búfalo, perto do rio Amazonas, em março deste ano

A ÚLTIMA PARTE DE MINHA JORNADA AMAZÔNICA me levou ao Estado do Maranhão. A pororoca do rio Mearim tinha se tornado a favorita dos surfistas de água doce. Mais estreito dos afluentes do Amazonas onde era possível surfar, as curvas sinuosas do Mearim criam excelentes point breaks e ondas enormes. O local da ação fica ao lado da cidade de Arari, a uns 200 quilômetros a sudoeste de São Luis.

O ponto de lançamento no rio fica a 45 minutos de ônibus da cidade, em uma área rural conhecida como Curral da Igreja, onde uma comunidade ribeirinha celebra a chegada da pororoca com música, dança e muita comida. A pororoca transformou a cidade num ótimo destino para eco-esportes e turismo.

Como estávamos quase no fim da temporada, as ondas do Mearim deixaram a desejar. Mas isso não diminuiu o entusiasmo dos surfistas nem o tamanho da multidão. O evento final do circuito decidiria o campeão geral de 2006, e a competição foi acirrada. Durante as primeiras fases de um-contra-um, os surfistas subiam nas ondas em fila. Algumas baterias quase acabaram colidindo umas com as outras. Em alguns lugares o rio não tinha mais que 800 metros de largura, principalmente depois de passar a confluência em que o Mearim se junta ao Pindaré.

A estrutura da onda variava muito, devido em parte ao nível muito baixo do rio. Sedimentos, árvores e folhas acumulados afetavam sua força, forma e velocidade. Enquanto rugiam continente adentro, as ondas formavam tubos incríveis quando rebatiam nas margens. Enormes paredões surfáveis desapareciam e ressurgiam de repente.

Em certas ocasiões, a vontade dos pilotos e das equipes de pegar a onda os fazia assumir alguns riscos. “Às vezes temos que arriscar”, explica Noélio Sobrinho. “Se você quiser pegar a onda, precisa aproveitar a chance e ponto final.” Abrindo um grande sorriso, acrescentou um “auera-auara!”, o equivalente amazônico do “aloha” havaiano.

No dia seguinte, nosso ônibus ficou preso na lama e andamos um pouco até arranjarmos carona com os locais para os cinco quilômetros finais. Fui pelo ar, de carona em um helicóptero da polícia, o que me deu melhor oportunidade de ver o rio. Do alto é fácil distinguir os swells e ver como ajudam a empurrar a onda para frente. Do céu, a vista era incrível, parecia um balé. No final, a disputa pelo título ficou entre Adilton Mariano e Sandro Buguelo, um contra o outro na última onda do ano na competição. Mariano derrotou Buguelo por pouco, conquistando o tricampeonato.

É fácil entender a fascinação que o surfe na selva exerce sobre os atletas, apesar de todos os perigos. “Para quem está em sintonia com a natureza, parece que a pororoca lança um encanto sobre você. É um espetáculo maravilhoso”, filosofa Laus. Auera-Auara!

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2006)