Na trilha dos fantasmas

Por James Campbell

ESTOU DEITADO NUMA CABANA DE MADEIRA, cercado de homens estranhos. Um deles está sentado, fumando um tabaco de cheiro pungente enrolado em papel, parecido com uma caricatura de um baseadão rastafari. Dois outros estão mascando nozes de palmeira de betel, suas bocas espumando em um vermelho brilhante. Enrolado no canto, meu amigo George Houde dorme como se fosse um morto enquanto ratos brincam aos seus pés.

A cabana tem uma íngreme e lamacenta trilha de um lado e uma queda feia do outro. Estamos aqui porque rasguei o ligamento cruzado anterior do meu joelho enquanto tentávamos realizar um trekking de 210 quilômetros através de Papua-Nova Guiné (também conhecida como Papuásia). Agora eu e George – um repórter de licença do Chicago Tribune e parte de nossa equipe de oito pessoas – estamos de volta à aldeia do interior onde começamos nossa jornada a pé. Meu objetivo de seguir as pegadas de um grupo de soldados da 2ª Guerra Mundial pelo que eles chamavam de trilha Kapa Kapa (um pronúncia errada de Gabagaba, a vila costeira onde a rota começa), que atravessa Papua-Nova Guiné da costa sul à norte, está em perigo. E é só o primeiro dia de viagem.

Em outubro de 1942, durante uma marcha considerada como uma das mais cruéis da história militar moderna, 1.200 soldados destreinados e mal-equipados da 32ª Divisão de Infantaria norte-americana suportaram mais de um mês de sofrimento na Kapa Kapa a caminho dos campos de batalha em Buna, na costa norte, onde o Exército Imperial Japonês os esperava. Pelo menos dois homens morreram de exaustão durante a travessia, e os restantes foram fisicamente destroçados pela caminhada. Por incrível que pareça, após nove semanas de luta em pântanos fedidos, da profundidade da cintura e repletos de cadáveres inchados pelo calor boiando, as tropas aliadas finalmente expulsaram os japoneses de Buna. Mas a vitória teve seu preço. Segundo o General Robert Eichelberger, o oficial comandante, as fatalidades “se aproximaram muito, em termos de porcentagem, das piores perdas em nossas batalhas da Guerra Civil”.

As lembranças dos soldados ainda são dolorosas. “Se eu fosse dono de Nova Guiné e do Inferno, moraria no Inferno e alugaria Nova Guiné”, diz Bob Hartman, veterano de Buna. Começo a entender o que ele quis dizer.

Três anos atrás, enquanto fazia pesquisa para um livro sobre as experiências desses soldados, tive a idéia de repetir a marcha da 2ª Guerra. Se a caminhada for bem-sucedida, seria a primeira vez em 64 anos que uma equipe de fora de Papua-Nova Guiné atravessaria a trilha toda. Já tinha visitado Nova Guiné quatro vezes, sendo que a última viagem tinha sido há dez meses, quando vim dar uma conferida na região. Na ocasião, fui aconselhado pelos antigos patrulheiros coloniais australianos das Forças de Defesa da Nova Guiné e por vários trekkers que conhecem as matas de Nova Guiné a não tentar fazer a travessia. Mesmo que a rota não tivesse sido consumida pela floresta ou apagada pelas chuvas torrenciais, disseram, ela seria, na melhor das hipóteses, uma trilha estreita para caça e comércio que cortava alguns dos territórios mais formidáveis do país. Um aldeão olhou para as montanhas e assoviou por entre os dentes, “Caminho longo muito”. Um ex-patrulheiro do governo duvidou da minha sanidade. “Você perdeu a cabeça”, disse.

Os australianos também haviam desaconselhado o General Douglas MacArthur a mandar homens por essa rota – a passagem pelas montanhas era alta demais, o terreno era duro demais, os rios eram rápidos demais, as tribos eram imprevisíveis. Mas eles foram assim mesmo, e portanto eu também precisava ir.

O sol se esconde atrás das montanhas e a noite está quente como um forno. O dono da cabana, chamado Dela, inexplicavelmente recusa-se a abrir as finas tábuas de bambu que servem de janela. Quando insisto, ele explica com uma mistura de inglês e motu que há feiticeiros vagando pelos morros de noite e lançando feitiços mortais, e que eles vão tentar me matar. Nessa hora ouço vozes do lado de fora. Dela abre a porta e aldeões entram em fila com suas cabeças curvadas, como se estivessem rezando. Começam a cantar em uma harmonia em duas, três, quatro partes. É como se os anjos tivessem descido à Terra.

Talvez nossa sorte esteja mudando, penso. Na manhã seguinte, George e eu saímos da aldeia de Dela, seguimos para uma estrada esburacada e pulamos na traseira de um caminhão. Depois de uma série de viagens de triturar os ossos, chegamos de volta a Port Moresby, a capital de Papua-Nova Guiné, onde compro antiinflamatórios e analgésicos e discuto com George como podemos continuar a trilha. Será que dá para alcançar o resto do grupo deavião? “Impossível”, diz um piloto para quem perguntamos. De helicóptero, entretanto, ele acha que temos uma chance.

Setenta e duas horas depois, enquanto voamos de helicóptero por cima das copas das árvores de uma enorme selva interrompida somente pelos rios que jorram das montanhas sombrias, a visão de uma vastidão tão selvagem me faz questionar minha decisão. Nunca tinha visto algo como a trilha Kapa Kapa.

APESAR DE SUA PROXIMIDADE DA AUSTRÁLIA, Nova Guiné é geologicamente muito mais jovem. Moldado por forças tectônicas do Anel de Fogo do Pacífico e esculpida por chuvas quase constantes em um emaranhado de pântanos, ravinas sem trilhas e montanhas de 4.000 metros, é um dos lugares mais acidentados e misteriosos do mundo.

Segunda maior ilha do planeta, Nova Guiné é dividida por dois países. A metade ocidental, originalmente colonizada pelos dinamarqueses, é parte da Indonésia desde 1969 e é chamada de Papua (até 2002, o nome era Irian Jaya). Desde que se tornou independente da Austrália em 1975, a metade oriental, mais ou menos do tamanho da Califórnia, é uma nação soberana chamada Papua-Nova Guiné (PNG). Embora o turismo local ainda esteja engatinhando, viajantes que gostam de aventuras visitam PNG para mergulhar em naufrágios e recifes de coral, remar de caiaque no mar ao longo de sua belíssima costa, e pela chance de ver aves que não existem em nenhum outro lugar. Para os que gostam de uma tremenda aventura, Nova Guiné oferece trekkings desafiadores, a maioria na Kokoda, uma trilha de 96 quilômetros que fica 65 quilômetros ao noroeste da Kapa Kapa.

Mas grandes extensões da ilha continuam desconhecidas e é difícil imaginar o que os soldados da 2ª Guerra podem ter encontrado ali. Em 1942, os japoneses desembarcaram 11.000 soldados na costa norte da península de Papua, na esperança de usar Nova Guiné como ponto de parada no caminho para a invasão da Austrália, ou no mínimo cortar as linhas de suprimento que vinham dos Estados Unidos para o Pacífico do Sul. MacArthur, que tinha sido tirado das Filipinas em março de 1942 para comandar as forças aliadas no sudoeste do Pacífico e liderar os esforços do Exército contra os japoneses, enviou tropas australianas para detê-los. Dois meses depois, com os japoneses fortalecendo suas posições na península, MacArthur ordenou que um batalhão da 32ª Divisão dos EUA atravessasse as cordilheiras Owen Stanley para lutar contra eles em Buna. Nenhum dos homens havia passado um único dia na floresta.

E muito menos eu, mas na nossa equipe não havia molengas. Eu já tinha caminhado centenas de quilômetros a pé e de sapato de neve no Alasca ártico quando fazia a pesquisa para meu primeiro livro e vinha fazendo caminhadas carregando mochilas de 40 quilos há oito meses antes desta viagem. Além de George, um ciclista e corredor de longa distância de 58 anos, a equipe da nossa expedição consistia de Dave Musgrave, de 54 anos, perito em territórios selvagens e professor de oceanografia na Universidade do Alasca–Fairbanks; Philipp Engelhorn, um fotógrafo de 37 anos em boa forma que mora em Hong Kong; Lee Ticehurst, um “exilado” de 55 anos da Austrália que vivia em Port Moresby e era um experiente trekker de florestas que já havia completado a Kokoda três vezes; uma equipe de filmagem de três jovens (Cal Simeon, Jack Salatiel e Kenneth “Samu” Pasiu) da POM Productions, de Port Moresby, ali para filmar um documentário; e equipes de carregadores contratadas em diversas aldeias ao longo do caminho para levar nossa comida e equipamentos de camping.

Os soldados da 2a Guerra levaram sete semanas para chegar à costa norte. Andaram mais da metade dos dias; no resto do tempo, recuperavam-se em aldeias e esperavam que mantimentos e suprimentos fossem jogados de avião. A decisão do Exército de deixar os homens descansarem parecia prática na época, mas saiu pela culatra. Os soldados já estavam sofrendo de disenteria, pé-de-trincheira e úlceras da selva quando a malária os atingiu como uma bomba. Com o tempo, 70% da divisão acabou pegando a doença.

Decidimos progredir bem mais depressa, mesmo que isso significasse andar 10 horas por dia na trilha. Por causa do medo da malária e de ficar sem bateria para o equipamento de filmagem, nosso plano era chegar ao final na aldeia de Buna em duas ou três semanas, limitando nossa exposição à selva.

É IMPOSSÍVEL EVITAR SUPERLATIVOS QUANDO SE FALA DE NOVA GUINÉ. No quarto dia da caminhada, a equipe entra em uma floresta tropical cuja biodiversidade tem poucos adversários no mundo. Entre suas espécies de pássaros está a ave-do-paraíso. Também é o lar de mais de 3.000 espécies de orquídeas, a maior borboleta, a maior mariposa, o menor papagaio, a maior pomba e o crocodilo mais comprido do mundo. As selvas de Papua em Nova Guiné, em particular, abrigam uma variedade tão grande de árvores, samambaias, musgos, bromélias, sapos, borboletas e raros e boêmios marsupiais que a organização World Wildlife Fund submeteu uma proposta à UNESCO para incluir a cordilheira Owen Stanley inteira em sua lista de Patrimônios da Humanidade.

Para guiar nossa equipe pelas montanhas, juntou-se a nós Berua, um homem magro como um esqueleto e conhecedor da selva cujos pais serviram de carregadores dos soldados na Kapa Kapa. Com apenas sete anos na época, Berua foi com eles ao longo da crista da Owen Stanley no caminho para a remota comunidade de Jaure. A esposa tatuada de Berua, Bima, e seu cão caçador também se juntaram ao grupo.

Com Berua na frente, seguimos o rio Mimani até o coração úmido da floresta tropical, onde a luz do sol é filtrada por uma densa mistura de árvores, folhas e cipós, mas ainda deixa tudo quente e sufocante como uma fornalha. Se eu me preocupei se Berua e Bima, com seus 65 anos, conseguiriam manter o ritmo, perdi meu tempo. O povo de Papua-Nova Guiné passa a vida toda caminhando. Para a maioria deles é o único meio de transporte disponível.

Montamos acampamento à beira do rio. Nossa barraca consistia de uma grande lona de plástico azul jogada sobre uma vara horizontal, apoiada em outras duas varas e amarrada a ganchos. Limpamos os galhos, pedras e raízes do local e depois colocamos grandes folhas sobre o solo molhado. Posso ver George, que está desempenhando o papel do cético da expedição, dando uma olhada no abrigo, perguntando-se o que vai impedir as cobras de entrarem. Anacondas de seis metros e serpentes “de um cigarro” como a Taipan – cuja picada te mata antes de terminar de fumar – habitam a península.

Logo a escuridão cai sobre nós, um breu que cobre tudo. Como se quisesse ressaltar nossa vulnerabilidade, a selva parece uma casa de ópera, com milhões de grilos, cigarras, sapos, vermes “cantores” e outros insetos e animais estranhos e barulhentos acordando de seu sono vespertino. Na hora em que estamos colocando nossos sacos de dormir sob a tenda de lona, Dave surge do meio das folhagens. Ele passou os últimos 25 anos explorando regiões remotas do Alasca, mas nunca tinha visto uma noite como este. Está tão escuro, diz rindo, que não conseguiu achar seu “rapaz” para dar uma mijadinha.

Preocupado com meu joelho, começo a caminhada logo cedo na manhã seguinte, enquanto a equipe levanta acampamento. Diante de nós está uma caminhada pesada até o cume de 2.500 metros de altitude que os nativos chamam de monte Ororo. Durante minha subida, um labirinto de teias de aranha cobre meu rosto e minhas mãos. Enormes árvores, com troncos do tamanho de silos, enfeitadas com trepadeiras e envoltas por uma rede de cipós que pareciam cobras gigantescas, subiam até os céus. Depois de menos de uma hora de caminhada, entretanto, não consigo mais ficar admirado. Estou de quatro, abrindo caminho pela lama, agarrando-me a raízes, árvores, samambaias, arbustos, folhas, qualquer coisa que consiga alcançar para impedir que eu caia rolando pela íngreme e escorregadia montanha. Para deixar tudo ainda pior, tudo que toco está coberto de espinhos, farpinhas afiadas ou formigas vermelhas, e minhas mãos estão ardendo e sangrando.

Os carregadores se aproximam por trás de mim, gritando estridentes entre si, e passam correndo como se suas cargas de 20 quilos não fossem nada. Eles saem da trilha, pulando por cima de árvores caídas, enquanto tentam localizar o cachorro de Berua. E fazem isso tudo descalços, seus pés calosos e largos pondo minhas botas de selva no chinelo.

Ao entrar na floresta enevoada, encontro uma cena que inspirou os assustados soldados norte-americanos a apelidar o monte Ororo de “Montanha Fantasma”. Em meio à névoa espessa, as enormes faias cobertas de musgo parecem espectros, aparições. A Montanha Fantasma é úmida, sombria e silenciosa, suspensa em um eterno crepúsculo. A equipe me alcançou e subimos a montanha juntos. No topo, George nota que a trilha desce pelo outro lado seguindo um penhasco. “Que reconfortante”, ironiza. “Podemos facilitar tudo e pular de uma vez”.

Cal, um dos jovens câmeras, aparentemente leva o comentário a sério. Ele pega um cipó tão grosso quanto meu braço, solta um grito, e dá uma balançada por cima do penhasco. De volta ao chão, abre um imenso sorriso. Chego à conclusão que a selva deixou o cara maluco.

Para aliviar o sofrimento da descida, vou escorregando de costas por um barranco lamacento. Pequenas sanguessugas agarram-se a qualquer pedacinho de pele descoberta que encontram e se empanturram com meu sangue. Até os carregadores estão cansados quando montamos acampamento no final da tarde na encosta da Montanha Fantasma, mas está na cara que não querem passar a noite aqui. Está frio, a madeira está úmida e fica difícil acender uma fogueira. E, ainda por cima, eles acreditam que as regiões montanhosas são habitadas pelos masalai ou espíritos malignos. Acordo várias vezes durante a noite e sempre vejo os carregadores fumando tabaco em cachimbos de bambu que parecem flautas, sem a menor vontade de dormir.

NO DÉCIMO DIA ESTAMOS CHEGANDO EM SUWARI, a aldeia de montanha mais remota que encontraremos. Nosso mapa topográfico com escala 1:100.000 mostra um denso emaranhado de linhas de contorno e três grandes manchas brancas com os dizeres “obscurecido por nuvens”. O mapa foi feito pelas Tropas de Exploração Reais Australianas há mais de três décadas e nunca foi atualizado.

Enquanto atravessamos plantações de batata doce, milho e bananeiras, uma sentinela nos vê e soa uma corneta feita de concha para anunciar nossa chegada. Tambores rufam, chocalhos chocalham, e em uma pequena clareira um grupo de pessoas começa a dançar. Os homens estão enfeitados com elaborados cocares de penas de ave-do-paraíso e colares de presas de porco, e seus corpos estão besuntados com óleo negro; eles se lançam contra nós, suas línguas saindo da boca como línguas de serpente, armados com lanças de madeira. As mulheres dançam com os seios nus e saias de palha trançada, soltando gritos estridentes enquanto agitam machados por sobre suas cabeças. Os soldados nunca chegaram a presenciar esse espetáculo. Na verdade, os mapas norte-americanos da 2ª Guerra Mundial listavam o Suwari como desabitado. Quando os aldeões viram os soldados chegando, fugiram para as cavernas próximas.

Um dos dançarinos se aproxima e se apresenta como Giblin. Em um inglês limitado, ele explica que a aldeia soube que um grupo de taubada, ou homens brancos, estava chegando e organizaram a cerimônia em nossa homenagem. No passado, explica, a cerimônia era realizada como celebração após um ataque bem-sucedido. Após capturar ou matar seus inimigos, os guerreiros voltavam para casa para dançar e se banquetear com carne humana. Sorrindo, ele jura que sua gente não tem a menor intenção de nos comer.

De noite, espremidos em uma “casa de vento” com os lados abertos, Giblin acende o único lampião da aldeia, mostrando que somos hóspedes de honra – o querosene fica a quatro dias a pé de distância. Ele diz que somos os primeiros forasteiros a visitarem Suwarti desde 1975, quando Papua-Nova Guiné conquistou sua independência. Antes disso, patrulheiros coloniais australianos apareciam de vez em quando, para impor às distantes aldeias montanhesas a estrutura econômica ocidental e o sistema legal britânico. Eles às vezes empregavam uma justiça dura, mas também traziam remédios, ferramentas e contato com o mundo exterior. Agora a aldeia estava sofrendo – sem escola para as crianças, sem oportunidades de emprego e com alta incidência de malária, tuberculose, doenças de pele e mortalidade infantil. Se Suwari fosse mais acessível, o povo de Giblin poderia ter vendido sua bela floresta para madeireiras explorarem. Devido à sua localização, entretanto, Suwari está depositando suas esperanças na trilha Kapa Kapa. Talvez ela traga alguns taubada com dinheiro.

Após anos de propaganda, a trilha Kokoda, na qual os australianos lutaram contra os japonses, hoje atrai 2000 trekkers por ano para Papua-Nova Guiné. O World Wildlife Fund e a Administração da Trilha Kokoda uniram forças para transformar a trilha em um modelo de ecoturismo sustentável. Embora tenha havido alguns problemas – erosão, acúmulo de sedimentos, desmatamento para obter lenha – e a administração se preocupe com a perda de identidade cultural entre os povos de Kokoda, ela tem sido um sucesso. Um novo projeto planeja que os guias sejam treinados em conhecimentos de expedição, inglês, história, cuidados ambientais e a promoção da cultura, arquitetura e o artesanato nativos.

Giblin não está sabendo de nada disso, mas já tem seus planos para Kapa Kapa. Sua aldeia vai construir uma casa de hóspedes, os jovens vão ganhar dinheiro trabalhando como carregadores, as mulheres vão vender frutas e legumes, os aldeões vão levar os trekkers em expedições de observação de pássaros e vão usar roupas tribais tradicionais para cantar e dançar. A questão é, os taubada virão?

Giblin tenta nos convencer a ficar mais um dia. É temporada de acasalamento das aves-do-paraíso, e logo os galantes e chamativos machos estarão dançando em seus poleiros nas árvores, cortejando as fêmeas. Apesar da chance de ver um dos pássaros mais raros do mundo ser tentadora, seguimos adiante.

GEORGE DEIXOU A TODOS PREOCUPADOS. Ele desenvolveu uma perigosa ulceração na pele de ambas as pernas. Apesar da dor, ele insiste em tentar completar os três dias restantes da trilha, mas precisamos tirá-lo da selva rápido. Jack também não está lá grande coisa. Seus pés estão rachados e sangrando. O joelho de Cal está lhe dando problemas. Lee está pálido e cansado demais (será o começo de malária?). Na prática, estou andando com uma perna só. Somente Dave, Samu e Philipp estão segurando as pontas, mas se a trilha fizer jus à sua reputação, a vez deles vai chegar mais cedo ou mais tarde.

O problema com a selva é que freqüentemente não dá para ver nada além de mais selva. Mas no 14º dia, após lutar contra as fortes correntezas do rio Musa e contra as encostas vulcânicas escorregadias dos 1.680 metros do monte Lamington – que entrou em erupção em 1951, matando 3.000 pessoas –, chegamos ao rio Girua. As nuvens se abriram e demos uma olhada no vale do rio, obtendo assim a primeira vista do território que atravessamos. À nossa frente, as planícies costeiras se estendem ao norte sob um forte sol tropical. Apesar do pior já ter passado, daqui a trilha corta campos de mato kunai, da altura de nossa cabeça e afiado como uma faca, serpenteando ao redor do rio. Não será fácil, mas o fim está próximo.

Dois dias depois, após 16 dias de selva, chegamos a Buna.

A Kapa Kapa, que rebatizamos de trilha da Montanha Fantasma, é, conclui Lee “a Kokoda bombada de esteróides”. Para os soldados cansados e centenas de nova-guineanos que serviram como carregadores e batedores para o Exército, o final da trilha foi o começo de um longo pesadelo. Quando chegaram a Buna, tiveram que se meter em pântanos de águas negras e árvores emaranhadas e em uma batalha que o General MacArthur descreveu como uma “colisão de frente, sangrenta e esmagadora”.

Os agentes de turismo de Papua-Nova Guiné me disseram que esperam promover nossa história e, em vista do nosso sucesso, transformar a rota em algo como uma trilha histórica nacional. O World Wildlife Fund tem planos para incorporar a trilha da Montanha Fantasma no modelo de conservação e turismo da cordilheira Owen Stanley.

De sua parte, os veteranos da 2a Guerra não conseguem imaginar que alguém queira atravessar Papua-Nova Guiné a pé. “Tá brincando?”, disse-me Stanley Jastrzembski, membro da 32ª Divisão. “Prefiro levar um tiro do inimigo antes de voltar pra aquelas montanhas”.

Mas nenhum de nós se arrependeu.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2007)