Ataque soviético


ALICATE: O esforço so suíço Cédric Lacht lhe rendeu a medalha de bronze no boulder de Avilés

Por Mario Mele

O QUARTETO BRASILEIRO formado por André “Belê” Berezoski, César Grosso, Felipe Camargo e Janine Cardoso teve uma bela participação na nona edição do Campeonato Mundial de Escalada, disputado entre os dias 17 e 23 de setembro em Avilés, município do principado das Astúrias, norte da Espanha. Mas foi a Rússia que ficou no topo do quadro de medalhas da competição, que, junto com a Copa do Mundo (leia quadro), é o evento mais importante da escalada esportiva.

Foram cinco conquistas para os russos, duas de ouro e três de bronze. O país da vodka só não papou a categoria dificuldade, a que mais atrai a atenção da imprensa e do público. O escalador russo Dmitry Sharafutdinov se tornou campeão mundial na geral graças a uma combinação de bons resultados em todas as categorias: ele levou o ouro na boulder, foi o décimo colocado na velocidade e ficou em 47º na dificuldade.

Já os atletas do país-sede se destacaram na categoria dificuldade, com a dobradinha do imbatível do ano, Ramón Julian Puigblanque (ouro), e de Patxi Usobiaga (prata). Além de exímios escaladores de indoor, os dois estão acostumados a subir os picos na região da prova, que guarda paredões de até 2.600 de altitude, com extensas vias, algumas abertas ainda na década de 1920.

Dentro do ginásio da competição – em paredes e boulderes coloridos que pareciam peças gigantes de Legos – os brasileiros fizeram uma surpreendente participação, mesmo sem terem colocado as mãos em medalhas. Quem se deu melhor foi Felipinho, que teve o resultado mais expressivo de um sul-americano num mundial. O menino de apenas 16 anos ficou em 29º lugar, entre os 120 inscritos. “Foi meu primeiro mundial na categoria adulto. Escalar, competir e trocar informações com os melhores escaladores do planeta foi um grande aprendizado”, conta Felipe, que desembarcou em Avilés sem maiores pretensões. “Fui sem ter cobrança, apenas para ganhar experiência, mas voltei muito feliz com o meu desempenho”, comemora.

Nos boulderes, o paulista César Grosso mandou melhor entre os brasileiros. Cada competidor tinha cinco minutos para tentar um projeto por quantas vezes os braços deixassem. Por apenas uma ascensão não completada, Cesinha não passou às semifinais e terminou em XXª na colocação na geral.

Dmitry, o russo campeão, impressionou nos blocos. Mesmo tendo postado no www.8a.nu (site da comunidade escaladora) que estava treinando apenas projetos grau V10 – graduação relativamente fácil para um profissional – o cara grudou como uma aranha nas microgarras dos boulderes e ficou de ponta-cabeça para vencer os negativos, mostrando que tem braços “intijoláveis” e não dando chances aos derrotados.

Entre as mulheres o show não foi menos brilhante. O ginásio parou para assistir à final da categoria dificuldade, protagonizada pela austríaca Angela Eiter e pela belga Muriel Sarkany. Elas subiram pela mesma via da final masculina, exceto por duas agarras que foram acrescentadas para compensar a estatura mais baixa das meninas em relação aos homens. A galera estava tão concentrada que dava para ouvir uma mosca voando enquanto as duas travaram a disputa mais competitiva do mundial desse ano. Angela, destaque nas últimas competições internacionais, superou a veterana Muriel, que acabara de voltar à boa forma depois de ter sido um dos principais nomes nos anos 90. As escaladoras chegaram mais alto do que muitos homens que estavam nas finais da modalidade dificuldade.

O mundial é a competição das competições internacionais porque reúne os três melhores escaladores de cada país (de cada modalidade). As nações européias costumam apoiar os atletas por meio de suas federações, suporte que no Brasil é um quesito que ainda não saiu do berço. “Minha ida ao mundial foi acertada um mês antes, o que comprometeu muito meu desempenho”, explica Janine. “Eram mais de setenta escaladoras do mundo inteiro que se prepararam durante um ano para buscar o pico de performance neste campeonato”, conta. Os russos, por exemplo, foram bem neste ano por causa do trabalho focado que fizeram, como, por exemplo, a formação de uma equipe específica para cada modalidade (velocidade, boulder e dificuldade). As equipes com menos estrutura, como o Brasil, receberam uma ajuda de custo de 500 euros para estarem no mundial.

Mas mesmo com toda a dificuldade financeira, Cesinha, Belê, Felipe e Janine mostraram que são capazes de competir entre os melhores do mundo. “Precisamos estar mais junto dos gringos para acumular experiência. E para isso precisamos de patrocínio”, clama Felipe, que tem o apoio apenas da marca Snake. Quem sabe as coisas não melhoram até o próximo mundial em Grindewald, na Suíça, em 2009.


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Depois da Espanha, elite da escalada enfrenta-se em paredes belgas

Uma semana depois do Campeonato Mundial, os melhores escaladores do mundo voltaram a se encontrar na etapa da Copa do Mundo em Puurs, cidade ao sul da Bélgica. A Copa do Mundo é um circuito anual dividido em dez etapas que passam pela Ásia e Europa e reúnem atletas “indoor” do planeta.

Em Puurs, a oitava etapa, os brasileiros conseguiram o feito inédito de passar às semifinais. Ao final da etapa, o brasileiro César Grosso ficou em 20º e obteve o melhor desempenho de um atleta sul-americano em Copas do Mundo. André “Belê” (23o), Felipe Camargo (25o) e Janine Cardoso também estiveram presentes. Entre as mulheres, Janine, que em 2006 conseguiu a incrível 12ª colocação, este ano foi a 27ª. Os espanhóis Ramón Julian Puigblanque e Patxi Usobiaga repetiram o feito do Campeonato Mundial e levaram, respectivamente, ouro e prata.

A penúltima etapa da Copa aconteceu dia 14 de outubro no Japão, depois de quinze anos que este país não sediava o evento. Dessa vez, quem levou a melhor foi tcheco Tomás Mrázek; a dupla espanhola teve que se contentar com os 2º (Ramón) e 3º (Patxi) lugares. Ramón passou a liderar o ranking da Copa do Mundo e não pretende perder o título de 2007 na última e decisiva etapa, que rola em novembro na França.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de novembro de 2007)