Poder do vento


CATAVENTOS: Turbinas eólicas no litoral de Samso

Por Florence Williams
Fotos Nick Bonne

DO ALTO DE UM POSTE DE 50 METROS QUE SE ERGUE NA PEQUENA ILHA de Samsø, pertencente à Dinamarca, o vento é forte de arrancar os cabelos. Depois de subir uma escada de 140 degraus, me vejo agarrada ao corrimão no lado de dentro da sala do motor – um espaço do tamanho de uma van no topo de um moinho de vento que contém uma série de geradores em forma de turbina. Com o apertar de um botão, o teto se abre como em um filme de James Bond, revelando o céu sem nuvens, interrompido somente pela rotação regular das três pás de hélice finas e brancas de 27 metros.

A plataforma vibrante causa a mesma sensação e faz o mesmo barulho de um avião prestes a alçar vôo, com a diferença que neste caso toda energia cinética vai para uma caixa de dez toneladas que está ao meu lado – e também para o meu cabelo. É emocionante como pilotar uma moto Harley-Davidson através de um furacão. Quase tenho vontade de cantar uma música do Bruce Springsteen. Esse frio que sinto na base da minha espinha é o padrão climático que vem dos mares do Norte e Báltico: ventos de 36 km/h, convertidos em 463 quilowatts de eletricidade. É o bastante para fornecer energia para 600 casas neste exato momento.

E a vista é linda também. Consigo ver os campos de milho e abóboras, as vaquinhas ruminando o pasto entre os girassóis, as pistas de bicicleta, o fluxo sossegado do tráfego, as tradicionais casas de madeira e tijolos, incluindo a do orgulhoso fazendeiro que é dono desta turbina. Daqui de cima, Samsø – um pedacinho de terra a uns 20 km da península dinamarquesa – parece um paraíso de engenharia natural e social. Ao sul ficam mais dois moinhos de vento; ao nordeste, mais oito, como tachinhas em um mapa militar, e a cerca de 3,5 km da costa, há mais dez.

As turbinas terrestres fornecem energia suficiente para a ilha toda (que tem o dobro do tamanho da ilha de Santo Amaro, ou Guarujá, no litoral paulista) e seus 4.200 habitantes. A eletricidade limpa gerada pelas turbinas no mar é apenas um tempero a mais; vendida para o continente, ela mais que compensa o dióxido de carbono que Samsø lança na atmosfera pelo uso de “energia suja” como o petróleo, que move seus carros e algumas de suas fornalhas. Na verdade, Samsø passou a última década se tornando um paraíso ecológico, usando energia solar, eólica, biocombustíveis e tecnologias renováveis para satisfazer suas necessidades energéticas. A ilha chegou até mesmo a ultrapassar a linha da “neutralidade de carbono”, o desejado objetivo ambientalista de zerar a produção de CO2, o gás de efeito estufa que é o maior responsável pelo aquecimento global.

Agora, além de sua fama de ser a terra das novas batatas, Samsø também tem a distinção de ser o lugar mais carbono-negativo no planeta.


POLICULTURA: O fazendeiro de leite, abóboras e vento Jorgen Tranberg com seu cão, Vaks

É UM ALÍVIO ESTAR NESTA ILHA VERDE, uma zona com CO2 equilibrado, na qual, para variar, meus hábitos diários não contribuem para as mudanças climáticas. Vim para a Dinamarca determinada a ser uma viajante de carbono ultrabaixo, mas passei os primeiros dias em Copenhague, onde tive que me esforçar para tal. Andei por toda parte com uma bicicleta dobrável Dahon e calculei a descarga de CO2 de cada quilômetro de transporte público para saber quantas árvores devia plantar ou quantos créditos de energia limpa teria de comprar quando voltasse para casa, para compensar minhas transgressões carbônicas. O meu maior sacrifício foi passar três noites dormindo em um quarto com 33 outras pessoas em um albergue ecológico em Copenhague chamado Sleep-in Green Hostel, que quer dizer Albergue Verde Para Dormir. Eu apelidei o lugar de Albergue Verde Não-Dá-Para-Dormir. Fora que os beliches rangiam e as garotas do Texas andavam com suas botas às cinco da madrugada (e deixavam grandes frascos de produtos de cabelo que não se encaixavam em nenhuma das muitas latas de lixo reciclável). Foi ótimo para meu balanço planetário: eletricidade solar, sucos orgânicos, lâmpadas econômicas e desperdício mínimo.

Para ir ainda mais fundo no programa, fui atrás de dicas de uma guru local do carbono, Bente Hessellund Andersen, conhecida por seus educados discursos sobre o clima dirigidos a líderes europeus não-ecológicos. Ambientalista de longa data, ela é arrumadinha e bonita, uma mãe suburbana que não dirige um SUV. Nem mesmo um carro ela tem. “Fico triste, muito triste, quando ouço jovens dizendo que precisam de um carro, já que são os filhos deles que vão sofrer com o aquecimento global”, me disse ela no meio de uma tempestade torrencial em um bar próximo a Tivoli Gardens. Estávamos ambas completamente encharcadas, já que chegamos, naturalmente, de bicicleta.

Cada dinamarquês produz em média 13 toneladas de dióxido de carbono por ano, contou Andersen (ela produz menos que isso). Cada norte-americano produz cerca de 20. “Chamamos de ‘estilo de vida norte-americano’ quando comemos muita carne”, lamentou, para em seguida explicar as regras sagradas da vida de baixo carbono, enumerando uma lista que fazia o McDonald’s parecer o sétimo círculo do inferno: seja vegetariano, coma alimentos produzidos na região e dê preferência a orgânicos (pois seu cultivo gasta menos pesticidas e fertilizantes carregados com combustíveis fósseis e seu transporte, menos gasolina). Se estiver a fim de levar a coisa a sério, coma sua comida fria ou, se precisar dela quente, mantenha a panela tampada. “E, como turista, compre produtos locais”, acrescentou. Acho que ela não sereferia ao meu mais recente souvenir: uma caneta de plástico com gel dentro e um navio viking flutuando nele.

Mas os maiores emissores de carbono, continuou Andersen, são o transporte e as casas. Juntos, contribuem com 60 a 80% dos rastros de CO2 de uma pessoa. Eu estava indo bem, comendo cenoura crua, me hospedando em um albergue e andando de bicicleta, mas os aviões e trens que peguei fizeram algum estrago. Andersen me indicou alguns calculadores de carbono na internet para que eu descobrisse meu débito de transporte e me disse para consultar um relatório sobre emissões de CO2 associadas a alimentos com o apetitoso nome de Eating Oil (Comendo Óleo). Ele me ajudaria a determinar a quantidade de gases de efeito estufa lançada para fazer meu mojito com limão de 12 dólares que tomei na outra noite em um restaurante chamado Pussy Galore’s Flying Circus. Eu devia ter bebido uma água.

Em Samsø, por outro lado, pude parar de fazer cálculos e relaxar. Algumas ilhas ganham uma aura mágica graças às suas águas com propriedades curativas ou suas deliciosas e suculentas frutas. A aura de Samsø vem do encantador modo como seus habitantes se esforçam para conseguir cumprir com suas cotas de carbono determinadas pelo Protocolo de Kyoto. Funciona deste jeito: se você usa uma fonte suja de energia, que é o que a maioria de nós precisa usar, é necessário compensar de algum jeito. Ilhas, nações ou cidadãos podem tomar medidas como plantar árvores para compensar o dióxido de carbono que acrescentam à atmosfera. Também podem produzir energia limpa para outros usarem, evitando assim emissões adicionais de gases de efeito estufa. Com um número suficiente de medidas como estas, é possível – pelo menos em teoria – tornar-se neutro ou até mesmo negativo em carbono. As turbinas de vento de Samsø, por exemplo, produzem cerca de 105 milhões de quilowatts/hora de eletricidade por ano, mas a ilha só precisa de um quarto disto, deixando um excesso de 77 milhões de quilowatts/hora que vai para a rede de energia da Dinamarca. Enquanto isso, o setor de transporte movido a petróleo de Samsø usa o equivalente a 53 milhões de quilowatts/hora por ano, por isso os habitantes da ilha podem se considerar cosmicamente livres, e com folga.

Resumindo: Samsø está 140% carbono-negativa, enquanto virtualmente todo o resto do universo – exceto bolsões isolados em algumas comunidades e a Estação Espacial Internacional, movida a energia solar – é carbono-positivo a ponto de a emissão total de CO2 na atmosfera ser de 27 bilhões de toneladas por ano (o Afeganistão e o Chade estão entre as nações com a menor emissão per capita, enquanto os EUA e a China são os que mais lançam gases – quase metade do total do planeta).

Algum dia, Samsø espera usar seu excesso de energia para fazer hidrogênio ou carregar baterias de lítio para mover seus automóveis. Enquanto isso, pego carona para uma pequena viagem de carro (cinco quilômetros) na chuva e depois como um belo bife. Mesmo a carne tendo provavelmente vindo da Argentina, não me sinto culpada. O envio da energia limpa de Samsø para a rede elétrica da Dinamarca significa que aquele tanto de eletricidade não precisa ser produzida em alguma usina termelétrica a carvão. Passa o bife, por favor.


O CAMINHO: A estrada que leva a Langor, na costa leste de Samso

JØRGEN TRANBERG É UM FAZENDEIRO DE DENTES TORTOS que cria gado leiteiro e planta abóboras. Sua mais recente plantação é a turbina de um megawatt que escalei. Quando o conheci, estava dirigindo um trator carregado de feno. “Não sou ambientalista”, explica, batendo a cinza do seu cigarro. Estacionada na rua está sua lancha Drago Fiesta, então não é surpresa quando ele diz que os negócios vão bem.

Quase todo mundo em Samsø, de um jeito ou de outro, ganha dinheiro com o vento. As turbinas pertencem a investidores particulares como Tranberg, ao governo ou a cooperativas que compraram quotas para financiar sua construção. O processo é democrático, num estilo comum na Dinamarca; as quotas custam 360 dólares cada.

Tranberg, por sua vez, pediu um empréstimo para comprar seu moinho de vento de 1 milhão de dólares, há seis anos, mas o governo garantiu um preço acima do mercado pela energia gerada. E o vento, que sopra por aqui quase o ano todo, provou ser um amigo ainda melhor do que ele e outros moradores locais acreditaram que seria. Os investidores tiveram retorno de 8%, o que dá mais ou menos uns 100 mil dólares por turbina terrestre. A de Tranberg já pagou seu investimento. “É renda o bastante para eu nunca mais ter de trabalhar, mas eu gosto de trabalhar”, conta. “Além do mais”, acrescenta, falando grosso para um cara de tamanco, “não dá para ficar jogando no ar toda essa merda que sai do carvão. Já tem muita merda no ar”.

O conto de fadas em que abóboras são transformadas em turbinas é muito repetido na ilha, principalmente no ecomuseu da principal cidade local, Tranebjerg. Nele, em meio a moedas vikings e bombons de chocolate em forma de batata na loja de souvenir, há pôsteres explicando a história do experimento de Samsø: como, em 1997, o governo ecologicamente correto e a Agência de Energia Dinamarquesa lançaram um concurso para selecionar a ilha com o melhor plano para se tornar auto-sustentável em energia até 2008; como Samsø ganhou e desde então investiu 70 milhões de dólares no projeto; e como o dinheiro europeu ajudou a subsidiar o esforço.

O resultado tem sido impressionante. Estima-se que, entre 1997 e 2005, Samsø reduziu as emissões de poluentes que contribuem para o aquecimento global, como dióxido de carbono, dióxido de enxofre e óxido nitroso em 142%, 71% e 41%, respectivamente. Hoje, 100% dos moradores usam eletricidade ecológica, e 70% das residências são aquecidas pelo vento, pelo sol ou por sistemas de biomassa, incluindo enormes fornalhas em localizações centrais que queimam palha. A palha é considerada neutra em carbono porque é um subproduto de safras como a da alfafa, que ajudam a absorver o CO2 da atmosfera – da mesma maneira que as árvores fazem. A palha é queimada em fornos superquentes e supereficientes. Além disso, as cinzas são coletadas e espalhadas nos campos para fertilizar o próximo ciclo. As vacas comem a alfafa, produzindo assim um leite delicioso, e então a palha vai para a fornalha. É uma coisa bem escandinava.

Estou hospedada alguns quilômetros adiante na estrada, com outro criador de gado leiteiro, Erik Andersen, e sua esposa, Lise, na cidadezinha de Besser. Na casa dos 60 anos, vivem com o cachorro deles, um border collie chamado Jacko, em uma simples e bela casa de reboco. Andersen, que ordenhou vacas a vida inteira, pegou a febre dos combustíveis renováveis depois que Samsø ganhou o concurso de energia. Instalou 18 metros quadrados de painéis solares no teto de seu celeiro, que fornecem toda sua energia e quase todo seu aquecimento e água quente de abril a outubro. No resto do ano ele recolhe e corta a madeira que sobra em suas terras para alimentar sua fornalha de biomassa. Ele também resolveu cultivar canola para fazer biodiesel em casa.

Depois de me servir aeblekage, um bolo de maçã assado com um creme do outro mundo de tão gostoso, Andersen exibe seu medidor de voltagem. “Gosto de ver o medidor se movendo para trás”, conta. Ele é alto e seu cabelo grisalho exibe um corte a escovinha. Todo dia ele usa macacão e botas altas, e não é um homem de muitas palavras. “É interessante fazer sua própria energia”, comenta.

Depois ele me leva para a garagem para mostrar sua mais nova aquisição: uma prensa de canola. As sementes negras e amendoadas são jogadas na máquina, que as espreme bem. De uma saída vem uma massa cilíndrica verde e de outra um óleo amarelo. Andersen dá a massa nutritiva para suas vacas para não precisar importar ração de soja. Ele então filtra e derrama o óleo direto nos seus dois tratores e no seu Passat vermelho.

“O que vamos fazer quando acabar o petróleo? Você precisa se preparar”, diz. Ao deixar de comprar petróleo, que custa 6,38 dólares o galão por aqui, ele sente que está satisfazendo seu lado independente.

“Experimente”, pede, com um sorriso maroto. Ele quer que eu coma a gasolina dele. Tudo bem. Derramo um pouco no dedo e experimento o gosto. É bom – leve e sem gosto forte, como azeite e salada juntos.


MATÉRIA-PRIMA: Soren Hermansen num campo de capim-elefante, usado como fonte de energia

EU NÃO SOU A ÚNICA TURISTA DE ENERGIA EM SAMSØ. Cerca de 2 mil pessoas visitam o lugar todo ano para ver as turbinas. A ilha tornou-se o local de treinamento de peritos da Tailândia, China, Europa e Estados Unidos, incluindo um grupo da Universidade de Virgínia. A demanda é tão grande que a Prefeitura está ajudando a construir um centro de conferências (a partir de materiais bio-sustentáveis e na forma de um palacete viking) para acomodar os econerds que vêm aprender os segredos da ilha.

Na semana da minha visita também estão presentes uma delegação da Irlanda e outra da Escócia. Assistimos um ex-fazendeiro que plantava legumes chamado Søren Hermansen fazer uma apresentação de PowerPoint em uma velha mansão à beira-mar, ao som das ondas. Após uma breve demonstração de um carro de brinquedo movido a hidrogênio – ele funciona aos trancos –, vamos para fora. A bela vista é interrompida por um navio petroleiro russo passando, com um destino que com certeza não é Samsø.

Se esta é a Ilha da Fantasia da ecologia, então Hermansen é seu sr. Hoarke. Mas, em vez de ternos brancos, ele usa calça e jaqueta jeans, e não é difícil imaginá-lo usando um elmo com chifres. Seus ancestrais provavelmente usaram um destes, pois sua família vive em Samsø há pelo menos dez gerações. Parte milagreiro, parte anfitrião, ele dirige o Escritório de Energia de Samsø, apoiado pela Europa, e faz parte do projeto de energia renovável desde o começo. Músico meio período – ele toca baixo em uma banda com o apropriado nome de The Generators – Hermansen conquistou a confiança do público ao longo de uma década de reuniões, viagens e cerimônias de corte de laços.

Além de orquestrar o desenvolvimento das usinas centralizadas de aquecimento de Samsø, que aquecem mil residências com eficiência, ele convenceu centenas de aposentados a colocar sistemas de energia renovável subsidiados pelo governo em seus lares. Nesse meio-tempo, entre outros projetos, ele vem reunindo os fazendeiros em uma cooperativa de cultivo de canola e supervisionando um subsídio da União Européia para instalar uma usina experimental de produção de hidrogênio para abastecer veículos. Hermansen está determinado a estender o sonho verde ao transporte, o único setor ainda sujo. “O sonho é que os postos de gasolina na ilha forneçam só óleo vegetal”, conta.

Depois de um dia de visita, a delegação irlandesa está embasbacada. “Esses caras estão anos-luz à nossa frente”, diz Eugene Houlihan, que trabalha para uma cooperativa de materiais de construção em Inis Oírr. Ele sacode sua bela cabeça. “Não temos a menor idéia do que fazer, por isso estamos aqui para aprender como aplicar este conhecimento”, explica. “Estamos com vergonha depois de ouvir os dinamarqueses. Jesus.”

“Mas, ei”, digo a eles quando nos sentamos em um pub com vista para o belo porto, “pelo menos a Irlanda assinou o Protocolo de Kyoto, enquanto os Estados Unidos não conseguem nem aceitar um limite para as emissões de gases de efeito estufa”.

“É verdade”, ela admite, relaxando um pouco. Mas então Anthony McCarthy, um consultor de energia de County Wexford, entra na conversa: “Se os norte-americanos levarem a sério a energia alternativa, eles vão colocar todo mundo no chinelo”. Ele olha para o fundo de sua cerveja. “Essa é a beleza dos Estados Unidos.”

DEPOIS QUE TERMINARAM DE INVADIR O NORTE DA EUROPA, os dedicados dinamarqueses voltaram-se à construção de navios, primeiro de madeira, depois de aço. Agora estão usando o mesmo método de montagem com metal e rebites para fazer os moinhos de vento para a Vestas, uma das maiores fabricantes de turbinas do mundo. Aqui, afinal de contas, é a terra natal do Lego; os dinamarqueses são organizados, racionais e fáceis de juntar. Os que têm maior rendimento pagam imposto de renda de 60%, ganhando em troca universidades gratuitas, serviço médico gratuito e um ótimo queijo por um preço muito baixo.

Mas como eles ficaram tão bons em poupar carbono? Em Copenhague, perguntei ao homem que devia saber a resposta: o presidente da Lego, Mads Øvlisen, que também faz parte do Conselho do Pacto Global, recém-criado pela ONU, e usa um Citroën elétrico para ir ao trabalho. Após uma rápida explicação sobre os vikings – “Os dinamarqueses acreditam que podem mudar o mundo e, portanto, precisam mudar o mundo” –, Øvlisen diz que a capacidade da Dinamarca de enxergar longe vem de seu passado marítimo. Isso e sua tradição de justiça social fizeram da sustentabilidade algo muito desejável. “Somos um país tribal”, conta. “E isso motiva a inovação e a adaptação.”

A geopolítica também desempenhou um papel. Em 1973, a OPEC (sigla em inglês para Organização dos Países Exportadores de Petróleo) impôs um embargo do petróleo aos EUA e aos Países Baixos por causa de seu apoio a Israel na guerra contra a Síria e o Egito, e quase quadruplicou o preço do petróleo para todo o resto do mundo. Os EUA na época importavam cerca de 35% do petróleo que consumiam; a Dinamarca, mais de 90%. Bastante conscientes de sua vulnerabilidade, os dinamarqueses passaram os 30 anos seguintes pensando em como assegurar um futuro de independência energética, e isso sem poder usar energia nuclear, proibida pelo Parlamento em 1982. Incrivelmente, agora a Dinamarca é 150% auto-suficiente. Exportadora de energia – principalmente petróleo e gás natural do mar do Norte –, ela também vende energia eólica para seus vizinhos.

A reação norte-americana ao embargo, em comparação, foi muito mais uma birra do tipo “Petróleo barato é nosso direito de nascença”. No final dos anos 1970 e início dos 80, sejamos justos, os EUA deram início a algumas iniciativas de energia alternativa, com descontos de impostos e financiamento federal para combustíveis renováveis, e por um breve momento a Califórnia se tornou líder da energia do vento. Mas, durante a era Reagan, os subsídios federais e estaduais secaram, impossibilitando o vento e o sol de competirem com o petróleo e o carvão. Hoje em dia, os EUA importam quase o dobro de petróleo que importavam em 1973 – cerca de 60% do que consome. Energia eólica é responsável por menos de 1% do total da eletricidade do país.

Os Estados Unidos podem mudar isso, se quiserem, acreditam os observadores. “Este país é capaz de dormir por muito tempo”, comenta o ex-chefe da CIA, James Woolsey, que agora é um especialista em segurança de energia com mentalidade ecológica. “Mas, quando ele acorda, as coisas acontecem bem rápido, e é isso que vamos ver nos próximos anos, com uma crescente coalizão de amantes de árvores, bons samaritanos, espertalhões sovinas, evangélicos, empreendedores capitalistas e Willie Nelson.” E completa: “Tecnologias de energia renovável podem chegar antes do que as pessoas estão esperando”.


LAR, VERDE LAR: Casas "neutras" em Langor

NO MEU ÚLTIMO DIA EM SAMSØ, ANDEI DE BICICLETA POR TODA A ILHA. Com suas gramas ondulantes e ondas tranqüilas, posso entender por que Valdemar, o Vitorioso deu o lugar para sua nova rainha como um presente após as núpcias em 1214. Hoje, carneiros pastam felizes sob a rede fotovoltaica de uma usina de aquecimento solar. Passando por alguns girassóis, visitei alguns fazendeiros que criam porcos orgânicos e perfeitos tomates vermelhos. Na partida para o continente, a balsa passa por uma cadeia de moinhos de vento, com suas graciosas hélices fazendo um balé aquático mal sincronizado.

Cedo demais, estou de volta à cidade positiva em carbono de Copenhague. Meu balanço pessoal de CO2 está de volta, infelizmente. Vou ficar mais de duas toneladas no vermelho, segundo o eco-empresário Shea Gunther, co-fundador da Renewable Choice Energy, uma firma de Boulder, no Colorado, que, por 65 dólares vai comprar energia eólica dos EUA para eu cumprir minha quota por causa da viagem (contagem final: os 17.270 km do meu vôo ida e volta de Seattle para Copenhague, mais escalas em aeroportos, gerou 1.957 quilos de CO2; minhas viagens de trem, mais 23 quilos; e meu laptop e celular me custaram mais quatro quilos. E isso tudo sem contar o mojito). Por isso, na minha última noite na Dinamarca, preciso mesmo voltar para o infernalmente correto Albergue Verde Nem-Pense-em-Dormir.

Mas não consigo encarar mais 66 olhos no quarto. Meus dias em Samsø foram repletos de prazeres sem culpa e do que os dinamarqueses chamam de hygge, ou conforto. Chego à cidade já à noite. Está tarde e estou com fome. Sigo de bicicleta na direção do albergue, mas passo por um chalé charmosamente estranho chamado Hotel Kong Arthur. Suas lâmpadas incandescentes, evidentemente nada eficientes, emitem uma luz atraente e convidativa. Tem uma armadura e macios tapetes na entrada e mobília decorada com flores-de-lis. Como posso resistir? Não tem como. E o café-da-manhã é incluso! Com banheiro individual!

Reclamo para mim mesma que essa é exatamente a razão pela qual os governos deveriam assumir a responsabilidade e apoiar o desenvolvimento de energias limpas: para que hedonistas cansados e imperfeitos como eu não tenham que tomar decisões desagradáveis todos os dias, quando tudo o que queremos é uma cama quente e uma tigela de granola. Com uma porção de peito de peru. E uma xícara de café importado quente. Hummm…

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2007)