Na velocidade do vento


CATAPULTA: Kauli Seadi decola na praia do Guincho, em Portugal

Por César Calejon
Fotos por John Carter

DESDE QUE, AOS 18 ANOS, SE TORNOU O MAIS JOVEM COMPETIDOR a faturar uma etapa do PWA, circuito mundial de windsurf, ao vencer em 2001 a categoria Freestyle (estilo livre) disputada em Fuerteventura, nas Ilhas Canárias, Kauli Seadi costuma deixar os jurados perplexos e os veteranos de 30 e poucos anos um tanto ressabiados – para não dizer com dor de cotovelo.

Nascido em Florianópolis no dia 20 de dezembro de 1982, Kauli vem se destacando pelo estilo e radicalidade desde que iniciou a sua carreira de windsurfista. “Comecei a treinar quando tinha uns 12 anos de idade e me profissionalizei em 1999, após conquistar o bi-campeonato Overall Junior do Circuito Brasileiro de Windsurf”, lembra Kauli, que atualmente reside em Ibiraquera, praia ao sul de Florianópolis, considerada um dos melhores picos do Brasil para velejar. A trajetória do velejador catarinense – campeão do circuito mundial na modalidade Wave (velejar nas ondas) em 2005 e atual líder do ranking nesta mesma categoria – vem sendo festejada pela técnica e também por outra razão: seu bom humor, característica rara entre profissionais deste esporte.

Kauli mudou o jeito de se fazer manobras com uma prancha e uma vela. Escala ondas enormes e executa manobras nunca antes vistas no windsurf. Dá vários giros, cambalhotas e saltos com a prancha e parece voar sobre as águas. O que mais chama a atenção da imprensa especializada é que Kauli vai aonde ninguém tem coragem de ir e busca exatamente o ponto mais crítico das ondas para iniciar os movimentos. “O Kauli apareceu com esse estilo de puro surf, atacando o lip da onda. Ele é o tipo de velejador que eu tenho prazer em patrocinar”, afirma o windsurfista norte-americano Robby Naish, oito vezes campeão mundial e considerado por muitos a maior lenda do esporte.

Aliar este talento a doses diárias e extensivas de treino foi uma das estratégias usadas por Kauli para deixar de ser uma revelação e tornar-se um dos competidores mais impetuosos do circuito mundial. “Sempre me esforcei muito pra realizar os meus sonhos. Chego a treinar seis horas por dia, todos os dias, aqui em Ibiraquera ou onde eu estiver. Também faço ioga, alongamento, musculação e tenho um cuidado especial com a alimentação”, conta o atleta, que montou uma rampa especial para praticar aéreos em Florianópolis. “Este foi um projeto meu e do Rufino, um grande amigo. Construímos a rampa aqui na Lagoa da Conceição, para poder treinar e nos divertir”.


LESEIRA: O catarinense sai direto da cama para checar as ondas

ALÉM DE ESTAR ABSOLUTAMENTE TREINADO para enfrentar condições adversas no mar, como ondas grandes e sessões prolongadas, o windsurfista, principalmente o profissional do esporte, precisa conhecer bem o seu equipamento de trabalho. “O windsurf tem muito equipamento. No circuito mundial, então, você tem que estar preparado para todos os tipos de condições. Viajo com cinco, seis, até sete pranchas e muitas velas – desde a que tem 3 m2 até velas de 5,4 m2. Sempre tenho que carregar duas de cada tamanho ou mais, para o caso de uma rasgar, quebrar o mastro ou algo assim. É bastante coisa”, diz ele.

Não bastassem as pranchas, Kauli passou os últimos meses viajando com uma “bagagem” extra: uma equipe de filmagem. Em parceria com a produtora catarinense Cristal Action, ele vai lançar ainda este ano o seu segundo DVD. “Esta nova produção se chama Boys in the House e mostra um pouco do tour profissional e dos atletas que nele competem, além da eterna busca por lugares que ofereçam ondas e ventos perfeitos para velejar. Esperamos o mesmo bom resultado que obtivemos com o primeiro filme”, acrescenta Kauli.

Repetir o feito do primeiro documentário – batizado de The Litlle House (A Casinha), uma referência ao lugar onde Kauli morava quando iniciou seus treinos nas ondas, e lançado no ano passado – significa distribuir 122 mil cópias entre Brasil, Europa e Japão. “As vendas realmente superaram todas as nossas expectativas. Para o Boys in the House já temos o mesmo número de cópias encomendadas e pretendemos ultrapassar esta marca”, explica Martin Carvalho, diretor do filme e proprietário da Cristal Action Filmes.

Ação é o que não falta nestas duas produções: manobras aéreas, ondas grandes ou apenas um velejo clássico durante um fim de tarde ensolarado. “No último mês de março, surfei em Jaws [nome das ondas gigante que atingem a baía de Peahi, em Mauí, no Havaí, durante o inverno no hemisfério norte] e as ondas estavam com cerca de 22 pés (aproximadamente 8 metros). Foi adrenalina total. Aquela onda tem uma velocidade bizarra, não tem nada a ver com nenhuma outra que eu já tenha dropado. O lip joga muito rápido e tem muita água se movendo com a onda. Erros são severamente punidos em Jaws e é preciso raça para encarar estas condições”, conta Kauli, que também é reconhecido por executar movimentos tecnicamente difíceis. “Eu gosto muito do Goiter, que é um aéreo com giro na vertical, quando você fica de cabeça pra baixo. Tem o Air Taka também, que é o mesmo movimento, mas na horizontal. Agora insano mesmo é o Push Forward: dois loopings na mesma manobra. Primeiro para trás e depois para a frente. Essa requer muito treino e perseverança”. Tanto as ondas de Jaws como essas manobras cabeludas estão no DVD.

É com este arsenal de truques que o brasileiro que saiu de Florianópolis levado pelo vento vai em busca de repetir o feito inédito de 2005. “Quero conquistar o bicampeonato mundial do PWA Wave este ano. Subi três vezes ao pódio nesta temporada, como segundo colocado em todas, mas estou liderando o ranking e vou batalhar muito para terminar 2007 em primeiro”, afirma Kauli, que apesar dos bons resultados demonstra reconhecer também o valor das derrotas. “Acho que de alguma forma aprendemos com ambas, vitórias e derrotas. É preciso ser humilde na hora da vitória, mas a derrota também exige muita humildade, pois não é fácil reconhecer a supremacia do adversário naquele momento”.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2007)