Explode coração


FUGA: Samuel Ferraz pedala forte para escapar da concorrência

Por Mario Mele
Fotos Alexandre Cappi

“COMO EU QUERIA ESTAR NO SEU LUGAR!”, disse um atleta amador à equipe ao fotoógrafo da GO OUTSIDE, enquanto empurrava sua bike morro acima num dos trechos mais difíceis da primeira etapa regional do XTerra Brasil, que aconteceu em Angra dos Reis (RJ), no dia 1º de abril. E dava para entender a agonia do atleta: até então, ele já havia nadado 1,5 quilômetro, estava nos instantes finais de um pedal cascudo de 28 quilômetros e ainda faltavam nove quilômetros de corrida sob um escaldante sol do meio-dia. Se quisesse cruzar o pórtico de chegada, teria que tirar forças do além.

Um pouco mais em forma estava o brasiliense Alexandre Manzan, que concluiu a prova em 2h22min, dez minutos a menos do que o segundo colocado, o carioca Eduardo Gonzales. Manzan, que tem experiência para dar e vender quando o assunto é triathlon e ainda se arrisca em corridas de aventura, voou baixo no circuito montado dentro do resort Portobello. “Esse tipo de prova é explosão, diferente de uma corrida de aventura”, explicou minutos antes de dar as primeiras braçadas no mar superazul de Angra.

Mas quem primeiro saiu da água foi o santista Eduardo Vilarinho, auxiliado pelo empurrão moral da namorada e também atleta Carolina Hess, que estava lá como torcedora. Mais à frente, já longe do incentivo da amada e bastante desgastado pelo calor, Duda Bley, como é mais conhecido, perdeu a ponta antes da metade do trecho de pedal e caiu para a quarta colocação, sua posição até o final, com um tempo total de 2h36min. Em terceiro ficou o carioca Raul Furtado, três minutos mais rápido que Duda.


DO FIM AO COMEÇO: atletas encaram o trecho final da corrida

ALGUNS COMPETIDORES MAIS AFOBADINHOS, que não acreditaram no tamanho da encrenca da mountain bike, protagonizaram cenas memoráveis em cima das magrelas. As macabras passagens por rios de pedras soltas, as trilhas estreitas com imensas raízes saltadas, as subidas esburacadas e downhills foram palco de atropelos, vôos espetaculares por cima da bike e um tombo épico, barranco abaixo, que mobilizou a ajuda de outros atletas.

Na bike, Manzan mostrou porque mereceu a vitória ao ser supercauteloso: enquanto alguns malucos teimavam em vencer a fera a qualquer preço, Manzan não se importou em carregar a bicicleta nas costas nos momentos mais tensos. Por conta disso, somado a um quê de sorte, ele economizou o tempo e os ralados dos tombos e não teve nenhum pneu furado, pedal quebrado ou corrente arrebentada, imprevistos comuns na ala dos aflitos.

Outra sorte de Manzan foi a atuação frustrante dos prós Alexandre Ribeiro e Rodrigo Altafini, que eram a aposta da vez. Enquanto a nossa equipe de reportagem aguardava o líder Duda passar num dos trechos mais árduos de bike, eis que surgem Alexandre e Rodrigo, só que no sentido contrário do percurso! Por um vacilo dos fiscais sonolentos ou dos atletas desatentos, o fato é que, ao perceber a confusão, a dupla teve que fazer um atalho forçado, o que não é permitido pelo regulamento (todos os atletas devem completar o mesmo percurso). Para consertar a situação, a organização obrigou os dois a fazerem uma parada de três minutos, o que os desmotivou. Ambos abandonaram a prova logo em seguida.

Superada a bike, só faltavam para os 163 atletas mais nove quilômetros de corrida, embalada por um calor de quase 40 graus. A esta altura, o aeroporto do resort, que serviu de percurso para os trechos de bike e corrida, mais parecia um campo de (re)pouso: era difícil ver alguém que não se arrastava.

Carla Prada, a primeira mulher a completar o Xterra Angra, precisou de alguns sacos de gelo sobre a perna para amenizar as dores, depois de 3h17min de batalha, vencida mesmo depois de uma febre. “Até pensei em não vir”, contou, com cara de dever cumprido. Curiosamente, a segunda colocada entre as mulheres também não tinha planos de participar do evento. Sabrina Koester Gobbo, que chegou oito minutos depois da amiga Carla, teve a bike roubada meses antes e só participou por insistência da campeão, que lhe emprestou uma magrela. Isto que é competição amigável!


VICE: Sabrina Gobbo, segunda colocada na elite feminina

O negócio pegou

A prova em Angra dos Reis, também chamada de “versão extra”, foi a primeira etapa brasileira do XTerra Global Tour, um circuito pioneiro de triathlon cross country realizado em 11 países diferentes. Apesar de não fazer parte do calendário oficial da União Internacional de Triathlon (ITU), o Global Tour é referência quando o assunto é cross country desde a sua estréia, em 1996. A etapa de Angra serviu como aperitivo para o XTerra Brasil, a prova principal, que acontece dia 25 de agosto. Pelo terceiro ano consecutivo, a seletiva brasileira acontece em Ilhabela, litoral norte de São Paulo. A competição vale pontos na disputa por uma vaga no mundial do XTerra, que acontece na ilha havaiana de Maui, dia 28 de outubro.

Por causa do sucesso do XTerra, outras competições similares surgiram nos últimos anos, como o XTrial, com etapas no sul do Brasil; o Triathlon de Aventura Kallpa Mayu, na Patagônia chilena; o circuito Bunge Ecosport de Triathlon Terra e o Triathlon Cross, que integra a Copa Brasil Fit de Triathlon. Nos Estados Unidos e na Europa, dezenas de outras provas acontecem semanalmente. Isso tudo porque trocar a bicicleta de estrada pela mountain biking e a corrida em asfalto pela trilha caiu no gosto de atletas de várias modalidades, apaixonados por um esporte que une o triathlon tradicional com a corrida de aventura.


(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2007)