Por Debora Rocha
Em julho de 2001 o casal Grace Downey e Robert Ager tomou a decisão mais difícil (e mais radical) de suas vidas: embarcar, dali a seis meses, numa volta ao mundo, que duraria três anos. Além de ambos serem professores de educação física, eles tinham em comum a paixão pelas aventuras e viagens. Ela, brasileira e escoteira desde pimpolha, já tinha encarado algumas expedições ao longo dos seus 30 anos. Ele, um inglês mochileiro e trekkeiro, hoje com 42 anos, conheceu Grace no Brasil em 1998 e desde então não se desgrudaram mais. Foi assim que em janeiro de 2002 a dupla subiu num Land Rover 1999, batizada de Ballo (o urso grandão e desajeitado do desenho Mogli) e conheceu, de carro e a pé, mais de 100 lugares alucinantes do planeta, como a Costa Rica, o Círculo Polar Ártico, a cidade de Praga, o monte Kilimanjaro e outros. Abaixo, as delícias e os perrengues da mega-aventura, que virou o livro Chalenging Your Dreams (Desafie Os Seus Sonhos).
GO OUTSIDE: Como surgiu a idéia de dar a volta ao mundo?
ROB: Eu sempre gostei de viajar, mas a Grace tinha mais experiência em grandes expedições. Eu era mochileiro, mas de viagens curtas. A idéia de dar uma volta ao mundo sempre esteve na minha cabeça.
GRACE: A volta era uma idéia que ambos tínhamos e descobrimos isso logo que nos conhecemos. Quando completamos dois anos de namoro, decidimos colocar o projeto em prática. Era hora de desafiar o nosso sonho. Foi um grande teste como casal. Passar 24 horas juntos, dentro de um carro, é uma convivência absurda. No fim nos saímos bem e só fortalecemos a nossa relação.
Como vocês conseguiram a grana para viajar?
ROB: A Grace vendeu o carro. Eu não tinha carro nem casa para vender, então me desfiz da televisão, eletrodomésticos, tudo.
GRACE: O plano inicial era viajar por três anos, mas só tínhamos dinheiro para um. A idéia era rodar um ano pelas Américas e depois ficar três meses na Inglaterra trabalhando. Como Rob é inglês, poderíamos ficar na casa da família dele. Depois da Inglaterra, iríamos também trabalhar na Austrália para juntar a grana para o último ano da viagem. Na Inglaterra deu tudo certo, mas eu não consegui o visto de trabalho para a Austrália. Ficamos sem grana nenhuma no fim da viagem.
Quanto custou a expedição? O que foi mais caro?
GRACE: O transporte do carro por navio, para atravessar o oceano, é o mais caro. Ainda no Brasil, calculamos mais ou menos quanto gastaríamos por dia e chegamos a 40 dólares, incluindo frete, diesel, comida e gastos extras. No primeiro ano gastamos 45 dólares por dia, mas nos outros dois gastamos mais. Tirando uma média, foram 60 dólares por dia. Não é um absurdo. O total desses três anos de estrada é menos do que um casal consome instalado numa cidade, com uma vida tradicional. O investimento inicial, cerca de 70 mil reais, é mais ou menos o preço de um apartamento.
Como foi o preparo do carro?
ROB: Um mecânico amigo nosso nos ajudou dando algumas dicas, como instalar um tanque extra. Projetamos alguns armários para a parte de trás do carro, que um marceneiro fez para nós. Mantivemos os bancos originais, inclusive o traseiro, para recebermos “visitas”, o que acabou acontecendo e foi ótimo. Mudamos o suficiente para termos uma vida prática e agradável dentro do automóvel.
GRACE: Também teve a barraca, que adaptamos no teto do carro, para evitar a aproximação de animais, além de ser mais confortável e seguro.
Vocês praticaram algum esporte durante a expedição?
GRACE: Somos professores de educação física e os esportes de aventura eram um dos focos da nossa expedição. Mas não tínhamos muitos recursos financeiros e essas trips custam caro. Fizemos várias caminhadas por parques nacionais e optamos por algumas práticas imperdíveis, como mergulhar na Austrália e descer uma tirolesa na Costa Rica. Não levamos bike por causa do peso e não chegamos ao topo do Kilimanjaro, na África, por falta de grana. Subimos um trecho do Aconcágua, até 4.200 metros.
Vocês já saíram do Brasil com a idéia de escrever o livro?
ROB: Não. A gente queria mesmo era viajar. Mas, durante a trip caiu a ficha, e nos demos conta de que tínhamos em mãos um baita acervo fotográfico e muita informação. No caminho, visitamos escolas e demos palestras sobre a viagem, mas percebemos que a melhor maneira de nos aproximar das pessoas para contar a nossa experiência é publicando o livro. Um dos nossos objetivos com a publicação é inspirar as pessoas a desafiarem seus sonhos, quais sejam eles.
Qual o roteiro do livro?
ROB: O livro é um diário fotográfico, com todos os lugares que conhecemos e as histórias mais curiosas vividas nesses três anos de viagem. São mais de 300 páginas e 600 fotos coloridas. Uma coisa legal é que ele é repleto de dicas para quem deseja viajar como a gente. Fizemos questão de compartilhar as nossas experiências e ajudar quem está pensando em seguir o mesmo roteiro.
Qual foi o lugar que vocês mais gostaram?
GRACE: A África, sem dúvida. O estilo de vida das pessoas combina exatamente com o estilo da nossa viagem. Só não pudemos conhecer todo o continente por causa das guerras e das péssimas condições das estradas. Mas, tivemos o mérito de atravessar o deserto do Saara, um dos melhores e mais tensos momentos do nosso tour. A primeira parte foi tranqüila, já que tínhamos a companhia de outros dois carros, com pessoas que conhecemos na Mauritânia (país da África Ocidental, que faz divisa com o Saara). Já o trecho final fizemos sozinhos, contando somente com o GPS. Éramos apenas nós naquela imensidão, durante cinco dias de travessia. Não dá pra descrever o sentimento que isso inspira.
E qual foi o pior perrengue?
ROB: Os problemas mecânicos do carro. Mas como não tínhamos restrição de tempo, quando quebrava alguma peça, não ficávamos desesperados pra consertar logo. Outra coisa chata foi a polícia rodoviária, principalmente dos países da América Latina. Mesmo com a documentação em dia e tudo certo com o carro, eles insistiam em nos parar, normalmente para descolar uma grana de propina.
GRACE: Nunca demos dinheiro para nenhum deles, mas era um saco esperar horas até sermos liberados. Por incrível que pareça, esse foi o pior dos perrengues. Todo o resto fazia parte da aventura.
Depois de três anos, vocês já estavam com vontade de voltar para o Brasil?
GRACE: No final já estávamos sem dinheiro e não tinha como não encerrar a viagem. Descemos direto a costa leste da Austrália, por exemplo, sem parar para conhecer nada. Passamos batidos pelos points onde se pratica esportes aquáticos e por muitas outras aventuras que a Austrália oferece.
É difícil voltar a pertencer a um único lugar?
GRACE: Bastante! Tem dias que dá um desespero para viajar e cair de novo na estrada.
ROB: Mas não tem como. Precisamos recuperar o caixa, concluir o projeto do livro e aí sim pensar numa nova expedição.
Acesse o site www.challengingyourdreams.com para mais informações sobre o livro Challanging Your Dreams.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2007)
MARROCOS: Deserto do Saara
ÁFRICA: Rio Zambeze
ACONCÁGUA: Grace e Rob a caminho da Plaza Francia