Fotos por Thiebaut Raphael
Todo esporte tem sua prova mítica, da qual atletas profissionais passam a vida sonhando em participar – e cujos vencedores entram para uma seleta galeria de deuses da modalidade. É assim com o Tour de France no ciclismo ou o Pipeline Masters, a etapa mais importante do WCT, o mundial de surfe.
No universo do caiaque em corredeiras, nada se compara à Green River Race, a maior e mais importante prova do gênero, que desde 1995 acontece anualmente nas corredeiras über radicais do rio que dá nome à competição, localizado na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Espécie de Meca dos amantes do caiaquismo, para onde convergem os atletas mais destemidos de todas as partes do planeta, o Green River é mais do que apenas uma corrida – é, digamos, uma cerimônia anual em celebração ao esporte. Participar dessa prova e ganhar a camisa de número 1 não é tarefa fácil, já que a maior parte do evento acontece em corredeiras de classe 5 – a classificação das descidas vai de 1 a 6, sendo que a última é considerada praticamente intransponível.
A 11ª edição do Green River superou as expectativas dos organizadores ao reunir 135 atletas inscritos e mais de 600 espectadores. A surpresa ficou por conta da vitória de Pat Keller, jovem representante da Carolina do Norte de apenas 20 anos. Nascido em Asheville, Keller mostrou que a tenra idade não foi barreira para tirar o título de Tommy Hilleke, 28, campeão das últimas três edições. Isso em um campeonato cheio de estrelas do caiaque, entre elas Jason Hole, 32, outra lenda que conquistou a camiseta nº 1 em três ocasiões desde a criação da corrida.
O talentoso Keller, que mora nas proximidades do rio e costuma participar de várias expedições de caiaque mundo afora, não apenas venceu a prova, como se consagrou campeão nas duas categorias da corrida, a long e a short boat (caiaque longo e curto). Foi o primeiro homem a abocanhar os dois prêmios na história do Green River.
O Brasil esteve presente no Green River deste ano com a perfomance de Pedro Oliva Criscuolo, que participou na categoria short boat. Pedrinho, como é conhecido, mora atualmente na Califórnia e ficou com a 54ª posição no ranking final. Foi sua estréia na competição. “Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a impressionante quantidade de pessoas que caminharam mais de uma hora para poder assistir de perto aos canoístas desafiando as perigosas águas do rio”, diz Pedro. “É realmente uma cena sensacional de ver, ainda mais quando se tem por perto uma natureza tão exuberante.”
Pedro foi um dos primeiros a largar em sua categoria, em que os participantes saem um atrás do outro com uma diferença de apenas 20 segundos. O atleta brasileiro perdeu preciosos segundos ao parar para ajudar um outro competidor que estava preso nas pedras – para garantir a segurança dos caiaquistas, faz parte do regulamento que todo atleta deve ajudar quem estiver com problemas a sua frente, mesmo que isso lhe custe várias posições. “É uma regra que preza a ética do esporte, de cada um ter muito respeito pela vida do outro canoísta”, afirma. “Vi um atleta em apuros, parei, resgatei seus equipamentos o mais rápido que pude e segui em frente com gás total… Mas nisso já havia perdido muito tempo. Sem problemas. Ano que vem tem mais.”
Um dos momentos mais memoráveis da prova foi quando todos os participantes formaram um gigantesco círculo com os caiaques em pé, com o bico para cima. Os caiaques menores ficam no interior do círculo, deitados no chão. A roda é organizada de acordo com uma ordem de chamada, que segue a classificação do ano anterior.
Depois que o círculo está formado, o mestre-de-cerimônias reforça as últimas instruções e relembra as normas de segurança e a importância da ajuda mútua entre os canoístas. Todos ali sabem que se trata de um rio perigosíssimo e que a vida dos atletas vale mais do que um prêmio. Por momentos assim é que o Green River é uma competição inesquecível e fascinante.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de dezembro de 2006)
CONFRATERNIZAÇÃO: Antes de a prova começar, os atletas se reúnem para celebrar o esporte
"MADEIRA": Corredeiras de nível V fazem da Green Race um desafio dificílimo