Homem-bússola


ERUPÇÃO: Luiz procura o caminho durante o Desafio dos Vulcões

Por Cassio Waki
Foto por David Santos Jíunior

A paixão pela natureza começou com as pescarias com o pai em São Miguel do Arcanjo, interior de São Paulo. Mas foi em 1986, ao entrar para o exército brasileiro, que Luiz Antônio Barbosa, 39 anos, descobriu que tinha facilidade em ler mapas e se localizar no meio do mato. Entrou para as corridas de orientação e foi campeão brasileiro por quatro anos consecutivos.

Em 2000, estreou em nível competitivo em corridas de aventura, sem nunca ter pedalado. Ganhou diversos títulos nacionais com as equipes Quasar/Lontra e Mamelucos e participou do campeonato mundial no Canadá, em 2004. Hoje, oficialmente sem equipe e morando no quartel de Tabatinga, no Amazonas, cidade a sete horas de barco da capital Manaus, Luiz foi convidado a disputar o Desafio dos Vulcões, na Patagônia, entre os dias 29 de janeiro e 6 de fevereiro, com a equipe Kailash Trópicos. E mais uma vez mandou bem. Junto aos companheiros Pablo Bucciarelli, Luis Góes e Gabriela de Carvalho, ficaram na 15ª posição – os brasileiros melhores colocados –, com exatos cinco dias de prova. Os campeões foram os Uruguaios da Antibalas, com 85 horas e 5 minutos, seguidos dos americanos do Team Sole, com 92 horas e 15 minutos. De sua casa no Amazonas, Luiz, cinco quilos mais magro e ainda se recuperando do desgaste dos Vulcões, nos deu a seguinte entrevista.

Go Outside: Como foi a formação da equipe?

Luiz: Fui convidado pelo Pablo. A Gabi sempre foi uma adversária muito forte, pois originalmente ela compete pela equipe Curtlo/Lobo Guará. E já havia trabalhado com o Góes em eventos de aventura e sabia da experiência dele. Engraçado que nunca havíamos corrido juntos antes, só como adversários.


Como é formar um grupo entrosado sem nunca ter corrido com eles?

Para dificultar ainda mais, moro em Tabatinga, na fronteira do Peru e da Colômbia, e nem treinei com eles, que moram em São Paulo. O que foi fundamnetal para dar certo é que nos respeitamos bastante. Durante toda a prova tomávamos conta um do outro, vendo se cada um tinha se alimentado, se hidratado, se estava se sentindo bem, se tinha algum machucado, se estava com sono. Aliás, nos respeitamos tanto que ninguém puxou o ritmo muito forte e, quando cruzamos a linha de chegada, estava todo mundo inteiro. Talvez, se tivéssemos puxado um pouco mais poderíamos chegar numa posição melhor.

Vocês tiveram algum momento de dificuldade ou desentendimento?

Essa foi minha primeira corrida de aventura em que não rolou um estresse sequer – a gente até ria bastante. E foram cinco dias de prova. Logo no começo, o Góes contou uma piada: “Vocês sabem o que uma mula disse pra outra?”. “Vamu lá!”. Pronto, descontraiu o clima. A gente lembrava disso e ria. Também começaram a me chamar de Shrek e ficavam me perguntando: “Já chegamos? Já chegamos?”, como o Burro faz no filme. Isso deixava um clima bacana e fazia com que qualquer dor fosse esquecida, nem que por um tempinho.

Você participou do Ecomotion Pro, mas parece que sua performance não foi das melhores. Como lidar com isso e partir para uma outra prova, como essa dos Vulcões?

Realmente, no Ecomotion Pro eu não estava bem fisicamente. Em Tabatinga não há locais de treino tão bons como eu tinha em Itu, em São Paulo. Há duas academias aqui que, se desmontadas, não formam uma de lá. E há pouquíssimas subidas. Além disso, sou o único a praticar corrida de aventura por aqui e treinar sozinho é bem mais difícil. Assimilei isso após o Ecomotion e me concentrei em treinos de força para o ‘Volcanes’. Deu certo.

O que os “Vulcões” têm de tão atrativo que nenhuma outra prova que você disputou tem?

É um dos lugares mais bonitos que conheci. Relevo, vegetação, lagos, geleiras, vulcões, montanhas, rios com águas transparentes… Teve um trekking em que subimos um vulcão e pude apreciar uma das vistas mais bonitas da minha vida. Além disso, fisicamente é uma das provas mais difíceis de que já participei. Muito sobe-e-desce, e uma oscilação de temperatura muito grande. À noite faz um frio de quase 5 graus negativos e durante o dia um calor de 35 graus. Teve equipe que virou o duck e, se não fosse resgatada por outras equipes que passavam ali, teriam problemas sérios de hipotermia. E é preciso se atentar aos mapas, que não estão atualizados, o que dificulta muito quando temos que fazer navegação noturna. Aliás, não dá pra fazê-la pelo mapa, tem que ser no “achômetro”.

Como você foi parar na Amazônia?

Sempre tive vontade de conhecê-la. Já estou há um ano aqui, trabalhando na administração do Hospital Militar de Guarnição de Tabatinga. Tenho mais um ano. É um Brasil bem diferente. Do outro lado da avenida principal é a Colômbia. E se atravessarmos o rio Solimões, temos o Peru. O fuso horário é de três horas e é engraçado ver que a novela das oito passa às cinco da tarde. Apesar de não ideal para treinar, para mim é uma alegria muito grande poder atender as comunidades da região indo de bike por algumas trilhas e duck pelo rio Solimões.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2006)