Costa quente

Por Stefani Jackenthal

ÀS 10 DA MANHÃ DE UM SÁBADO DE JANEIRO, SOB UM SOL ESCALDANTE, 48 competidores vindos de 10 países, armados de mochilas de hidratação e de muita vontade de encarar seus limites, saíram em disparada deixando para trás a linha de largada na praia de Manuel Antonia, no litoral centro-Pacífico da Costa Rica.

Correndo sobre areias macias e densas, o grupo instantaneamente se dispersou. Os agricultores locais Ronaldo Tores, 36 e Juan Carlos Zuniga, 42, segundo colocado na prova em 2005, puxavam o ritmo na frente. Em seu encalço estavam Adam Chase, 40, um experiente ultramaratonista e advogado fiscal do Colorado, USA, e Claire Johnson, 29, londrina que encarava sua primeira corrida de longuíssima distância.

A primeira etapa, de 33 km, foi da praia para o asfalto, do asfalto para as estradas de cascalho, até levar os corredores para dentro da selva em ebulição. “Nunca estive numa montanha tão escorregadia e íngreme”, disse Mark Matyazic, maratonista e triatleta da Califórnia, USA, sobre a lamacenta subida que tiveram que enfrentar ao saírem de um mangue. “Levei quase uma hora para vencê-la e fiquei totalmente coberto de lama, já que caí mais do que algumas vezes”.

A segunda edição da Coastal Challenge, ultramaratona expedicionária dividida em etapas, desceu o litoral oeste da Costa Rica, de Quepos a Carate, cruzando montanhas recortadas, trilhas estreitas, selvas exuberantes, praias desertas e estradas íngremes em cascalho, terra e até asfalto. Mais do que as irregularidades e a variedade de terrenos, o maior inimigo dos competidores, vindos de dez países, foi o calor.

AO CONTRÁRIO DE PROVAS AUTO-SUFICIENTES COMO A MARATONA DES SABLES (250 km), no Marrocos, e a Augrabies Kalahari Extreme Marathon (250 km), na África do Sul, em que os corredores têm de carregar consigo todo seu equipamento e alimentação, no Coastal Challenge os competidores correm “leves” – e mais rápido. A organização transporta os equipamentos e suprimentos diariamente para a próxima linha de chegada e oferecia água, isotônicos e lanches nos postos de controle (PCs) espalhados pelo percurso – assim, os competidores podiam encarar as trilhas levando somente aquilo de que iam necessitar durante o dia. “Eu aproveitei muito as frutas e comidas nos PCs”, disse Johnson, que incluiu a corrida numa visita de três semanas à prima que mora na Costa Rica. “Sete dias de competição já é assustador o suficiente; não posso imaginar ter de fazer isso carregando todos os meus suprimentos”.

Johnson terminou a primeira etapa em terceiro lugar na classificação geral, 35 minutos depois do líder Tores, um corredor que compete há quase 20 anos, que acelerou para a linha de chegada em Santo Domingo em 3h30m. “O percurso era lindo”, disse ele sorrindoe comemorando a vitória. “Terminar em primeiro hoje é importante para mim e para a Costa Rica”, declarou depois de recuperar o fôlego. Chase chegou em segundo, em 3h55m.

O estágio seguinte – um dos mais duros da prova, com 45 km em montanhas costeiras – começou às 5:45 da manhã. A corrida inicial logo foi reduzida a uma caminhada rápida pela subida pedregosa e de queimar as pernas rumo à cadeia de montanhas de Filacostera. Depois de alcançarem os visuais impressionantes no alto, eles desabaram por uma trilha estreita, em single trek, até o primeiro PC, onde puderam repor seus fluidos antes de cair numa estrada poeirenta e quente. “Estamos acostumados com neve e temperaturas abaxo de zero. Para nós esse calor é massacrante”, disse Tom Ripley, 57, Seattle, Washington USA, que participou sete vezes do Iditasports, uma competição de vários dias através das tundras nevadas do Alasca.

“Tive que andar a maior parte do dia para evitar uma hipertermia”. O dia terminou com uma segunda (e igualmente árdua) subida pela floresta, seguida de uma descida de triturar as coxas até a cidade praiana de Domincalito, uma das mecas do surf costarriquenho. “Não temos montanhas como essa em Londres”, desabafou Johnson, mais uma vez a primeira entre as mulheres. “Não me lembro de ter ficado com as coxas tão doloridas em toda minha vida”.

No terceiro dia, Tores e Zuniga lideraram a perseguição morro cima até a cachoeira de Nauyaca. Enquanto alguns corredores mergulhavam nas águas cristalinas e geladas, outros escalavam as rochas escorregadias num esforço desesperado para manter os pés secos. “A água parecia deliciosa”, disse Johnson. “Mas meus pés têm ficado tão molhados o dia inteiro que achei que seria demais molhá-los intencionalmente”. Ela optou pelas pedras, assim como Isabella de la Houssaye, 3o lugar entre as mulheres, cujos pés estavam em frangalhos. “Eles estão vermelhos, inchados e infectados”, ela disse. “Tudo o que quero é conseguir terminar todas as etapas e, se tiver sorte, manter minha classificação geral”.

Mais à frente, as poucas árvores que pipocavam na extensa área de plantações davam proteção momentânea aos competidores, suados e esbaforidos sob o calor de mais de 30 graus. Acostumados às condições tropicais, Tores e Zuniga ficaram em primeiro e segundo. Johnson, Matyazic e Chase fecharam os top five.

O trote de 11 km ao longo da praia de Ventanas, no quarto dia, foi um descanso bem-vindo, permitindo aos corredores ressuscitarem para a etapa de 50 km do dia seguinte – a mais longa da prova. Os competidores puderam curtir a areia firme, a brisa do mar e o visual: nos dois últimos quilômetros, o percurso passava na crista de penhascos de 50 metros de altura que caíam direto no oceano Pacífico. “Foi ótimo abrir distância na primeira metade”, diz de la Houssaye, 41, triatleta de Ironman de Princeton, New Jersey, USA, que veio ao Coastal Challenge com seu marido – que também participou da prova –, seus cinco filhos e duas babás.

Taí outra diferença entre esta e outras ultramaratonas: a Coastal Challenge oferece uma alternativa aventureira para familiares de competidores que querem curtir rolês de arvorismo, passeios a cavalo e rolês de caiaque enquanto os competidores correm o dia inteiro. À noite, todos se encontram para o jantar (também providenciado pela organização) e trocar histórias. “Só pude vir porque meu filho, Josiah, pôde vir comigo”, disse Stacey Moller, 34, de Golden, Colorado, USA. A mãe de Stacey veio cuidar do neto, passear pela Costa Rica e torcer pela filha.

“TENHO BOLHAS ENTRE MEUS DEDOS DO PÉ E NOS CALCANHARES”, lamentava Moller ao deixar o acampamento, ansiosa, às 4:30 da manhã seguinte, para a mais difícil das etapas. Depois de uma rápida viagem de ônibus e de cruzarem o rio Sierpe num barco, os competidores lançaram-se num longo dia de corrida, que começou numa trilha de quadriciclos entre as densas florestas de mangue e as montanhas salientes. Macacos gritavam de cima das árvores conforme os corredores percorriam as longas montanhas e escolhiam com cuidado o caminho morro abaixo, pelo terreno ondulado e erodido. O sol da manhã aqueceu as coisas rapidamente, fazendo com que o primeiro pelotão se conformasse com um ritmo mais conservador. Ao chegarem ao PC 2, no estuário de Guerra Estuary, o percurso subia à área da baía de Drake, onde os competidores acamparam pertinho da brisa oceânica. Apesar de cruzarem a linha de chegada juntos, Tores ainda mantinha uma hora de vantagem em relação a Zuniga no tempo acumulado.

Os 38 km do dia seguinte, a sexta etapa, ao longo das praias inabitadas do Corcovado National Park, uma das jóias ecológicas da Costa Rica, foi crucial para o resultado final, já que o último dia seria de 16 km de corrida na praia. “Estou feliz com minha corrida”, disse Tores, “mas vencer é muito importante, então continuo a fazer força todos os dias”. Competidores lançaram-se para a última etapa, abrindo caminho para um trecho de costeira escorregadia seguida de 12 km de praia inclinada. “A areia era funda e tinha um ângulo esquisito”, lembra Matyazic, “mas minha maior preocupação era não me perder”. Depois do PC 1, na praia de San Josecito, o percurso se contorcia entre trilhas e seções de praia aparentemente intermináveis até a chegada no Sirena Ranger Station, no coração do Corcovado National Park. Tores e Zuniga chegaram juntos em 5:44, Matyazic doze minutos depois e Johnson na próxima meia hora.

Com a classificação final praticamente definida, a última etapa foi de 16 km de curtição, deixando o Corcovado National Park e seguindo pela costa até a chegada em Carate, na ponta sul da península de Osa, oito graus ao norte do Equador. No caminho, a água doce de inúmeros riachos caía em várias cascatas diretamente no mar do Pacífico. Tores e Johnson venceram em suas respectivas categorias, cada um recebendo um prêmio de cinco mil dólares. Vinte e dois corredores completaram todo o percurso e todos, sem exceção, tiveram muito o que comemorar na festa de premiação.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de março de 2006)