Por Cassio Waki OS CORREDORES ECOLÓGICOS, TAMBÉM CONHECIDOS COMO CORREDORES DA BIODIVERSIDADE, representam uma das mais promissoras estratégias de conservação e preservação das florestas. O processo contínuo de eliminação, fragmentação e isolamento de florestas pode resultar na diminuição e extinção de espécies (principalmente daquelas que são endêmicas de uma região) e no isolamento aquelas que permanecem nas “ilhas” remanescentes de mata. Para evitar isso, os corredores ecológicos têm como proposta unir áreas de floresta que estejam fragmentadas.
O grande diferencial do projeto é que todas as ações colocadas em prática são originárias de quem vive o dia-a-dia nas áreas afetadas. Esse novo conceito teve início em 1998 e, após diversas etapas, chegou a 2006 – como previsto – em seu estágio mais importante. Os próximos quatro anos serão dedicados a implementar as ações discutidas e planejadas.
A Amazônia e a Mata Atlântica – um dos sete hotspots mundias, ou regiões biologicamente mais ricas e ameaçadas do planeta – foram escolhidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para colocar em prática o programa no Brasil. O projeto tem apoio financeiro do Fundo Fiduciário para Florestas Tropicais, do Banco Mundial, do Grupo de Bancos KFW (Alemanha) e União Européia.
O MMA, em parceria com os estados envolvidos, órgãos institucionais e organizações não governamentais (ONGs) promoveu diversas oficinas em que as pessoas das comunidades discutiram suas principais reivindicações, necessidades e dificuldades para que os corredores fossem criados. As comunidades se organizaram então em associações ou cooperativas, que são coordenadas por um Comitê de Gestão. Nele, as ONGs podem ter uma participação administrativa, monitorando a verba destinada a cada ação estabelecida em conjunto com as Unidades de Coordenação Estaduais. Cada corredor possui coordenações dentro do MMA.
São elas que correm atrás de toda a infra-estrutura que os planejamentos exigem, desde combustível para barcos a convênios com ONGs interessadas em participar. “Acredito que seja a grande salvação da Amazônia”, afirma Kleber Bechara, que participou das oficinas no Baixo Rio Negro, região que integra o Corredor Central da Amazônia. “O que faz acreditar no projeto é que as decisões vêm da comunidade e não do governo. É ela que vive as dificuldades de seu dia-a-dia e, discutindo em conjunto, pode chegar a uma solução mais real para enfrentar o problema atual e se preparar para outros”.
Para que isso aconteça, o programa planeja melhorar as condições de fiscalização e conscientização ambiental, desenvolver o ecoturismo, capacitar líderes comunitários, preservar e recuperar a fauna e a flora constantemente ameaçadas. Uma das principais estratégias para a criação dos corredores ecológicos é a de se elaborar compensações financeiras para proprietários de terras que invistam na conservação da vegetação. Desta forma, os corredores representam novos instrumentos econômicos que podem custar menos para a sociedade e fazer efetivamente mais pelo meio ambiente. Em regiões tropicais, onde o plantio pode ser feito em sistemas de agrossilvicultura – em que árvores são cultivadas em consórcio com culturas agrícolas e/ou criação animal, o que propicia, entre outras vantagens, a recuperação da fertilidade dos solos, o fornecimento de adubos verdes, o controle de ervas daninhas e a proteção da biodiversidade de bacias hidrográficas –, os proprietários rurais não precisam necessariamente deixar de cultivar suas terras para serem compensados por serviços ambientais.
A idéia parece agradar tanto que já surgiram corredores em regiões como o cerrado, o Pantanal e até outros na própria Amazônia e Mata Atlântica, sempre tendo em vista a voz da comunidade. Apesar de terem o mesmo objetivo e seguirem a mesma estratégia, os corredores ecológicos brasileiros diferem em alguns aspectos:
Corredor Central da Amazônia
Tamanho: 40 milhões de hectares (pouco maior que a área da Alemanha)
Terras indígenas: 63
Áreas de conservação: 23
Estados envolvidos: Amazonas
População: 1,4 milhão
De acordo com a coordenação do MMA, a Floresta Amazônica possui 98% de sua mata intacta, portanto o grande objetivo do programa aqui é preservar a área, escolhida por apresentar pouca intervenção do homem. Uma das grandes ameaças da floresta são as fronteiras agrícolas – latifundiários que compram diversos pequenos sítios para formar uma grande área desmatada e, assim, criar gado e plantar a soja. “O objetivo é preparar a região para que enfrente as dificuldades com mais estrutura”, afirma Victor de Oliveira, coordenador do corredor.
Os 40 milhões de hectares foram divididos em seis áreas, sendo que em cada uma delas foram realizadas três oficinas. “Ainda estamos bem no começo das ações, portanto, não temos dados estatísticos. Porém, podemos perceber o grande envolvimento da população”, afirma Márcio Amorim, gerente executivo do corredor.
Na região do Baixo Rio Negro, a mais avançada do corredor, as oficinas estabeleceram um “Acordo de Pesca” para evitar conflito entre pescadores de subsistência, esportivos e industriais. As três classes se reuniram para formalizar um zoneamento dos rios, determinando locais específicos para cada uma delas exercer sua função. “Foi um trabalho de ordenamento e conscientização. Desde então não houve mais entraves entre eles”, diz Márcio.
A fiscalização também é uma das ações prioritárias. Além de ter recebido do MMA equipamentos como barcos “voadeiras” e “flutuantes”, está sendo feito um treinamento específico com os fiscais para capacitá-los. Além da questão da pesca e da extração da madeira, o grande desafio é capacitar a população dos 5 milhões de hectares do mini-corredor do Baixo Rio Negro. “Ela que terá de gerenciar e manter toda sua biodiversidade”, diz Amorim.
Corredor Central da Mata Atlântica
Tamanho: 8,5 milhões de hectares (pouco maior que a área da Áustria)
Terras indígenas: 14
Áreas de conservação: 77
Estados envolvidos: Espírito Santo e Bahia
População: 6,5 milhões
Se a Amazônia ainda tem uma grande porcentagem de sua floresta intacta, não se pode dizer o mesmo da Mata Atlântica, que tem somente 7% de sua mata original. O corredor, que compreende o sul do estado da Bahia e o estado do Espírito Santo, tem por missão restaurar o que for possível de sua vegetação, conectando áreas fragmentadas. “O caso da Mata Atlântica é bem diferente da Amazônia, pois entre locais de fauna e flora já há cidades, estradas e indústrias”, afirma Roberto de Lima, coordenador na região da Mata Atlântica. “Para cada caso, deve-se encontrar um método. Se houver uma indústria entre um fragmento e outro, é necessário conscientizá-la de como agir, de acordo com as necessidades do corredor”.
No total, o corredor da região sudeste possui cerca de 8,5 milhões de hectares e está dividido em 11 áreas, sendo cinco na Bahia e seis no território capixaba. As ações mais avançadas estão no sul do Espírito Santo, numa área de 7.800 hectares que compreende três grandes regiões: Burarama, Pacotuba e Cafundó. Esse corredor vai interligar os fragmentos florestais da Reserva Particular do Patrimônio Natural do Cafundó com os da Floresta Nacional de Pacotuba e as nascentes do distrito de Burarama por meio do aumento da cobertura vegetal, pesquisas científicas, atividades de ecoturismo, agroecologia e produção de mudas de espécies nativas.
Além dos atributos biológicos, o projeto também visa desenvolver sua base histórico-cultural, formada por afro-descendentes da comunidade quilombola de Monte Alegre e a de descendentes italianos de Burarama. Ambas formaram o “Bicho do Mato”, grupo de condutores de ecoturismo e agentes de meio ambiente. Após oficina de capacitação, os 25 integrantes já revitalizaram quatro dos principais trekkings da região. Um deles é a Trilha do Escravo Adão, que parte de uma senzala, passa pela floresta de Pacotuba e chega à cidade de Monte Alegre. “As comunidades se uniram para valorizar a região. Além do ecoturismo, os quilombolas resgataram algumas de suas manifestações culturais como a dança do Caxambu e um festival de cozinha afro”, diz Jayme Henriques, técnico em meio ambiente do corredor. “O grande objetivo deles é tornar a região um pólo de turismo do estado”. O grupo também receberá treinamento para formar uma brigada de incêndio e participar do plantio de vegetação nativa.
Os resultados ainda não podem ser medidos, pois as ações ainda estão no início. Por enquanto, o jeito é acompanhar esses quatro anos de trabalho de cada corredor. Ou, se você curtiu a idéia, participar.
Mais informações:
www.mma.gov.br
www.ibama.gov.br
www.conservation.org.br
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2006)
PARQUE NACIONAL DO JAÚ: Voadeira percorre o rio
Fotos por Expedição Katerre Ecoturismo