Por Hal Aspen e Andréa Estevam
Foto por Robert Laberge / Getty Images
Trinta e três anos. Um título de campeão do mundo. Seis vitórias no Tour de France. Uma queda-de-braço (bem sucedida) com um câncer que lhe deixava menos de 40% de chances de sobrevida. Três filhos. Mais de 10 milhões de dólares em contratos de patrocínio (Trek, Nike, Oakley, Discovery Channel e Powerbar, para citar só os maiores). Uma namorada roqueira famosa (Sheryl Crow). A vida de Lance Armstrong é tão acelerada quanto seus sprints nas temidas montanhas dos Alpes franceses.
A carreira esportiva de Lance começou em Plano, no Texas, onde ele ganhou sua primeira prova de triathlon, aos 13 anos. Aos 16, ele já era um triatleta profissional. Daí para o ciclismo, foi uma questão de vocação. Aos 25, Lance já era um dos melhores ciclistas do mundo, com um título mundial e várias etapas do Tour de France no currículo. Ele parecia invencível e seu futuro era brilhante. Aí veio o diagnóstico do câncer, que começara nos testículos e já tinha se espalhado para os pulmões, abdome e cérebro. Foi preciso duas cirurgias (uma delas no cérebro) e meses de quimioterapia para controlar a praga. Entre uma consulta médica e outra, ele criou a Lance Armstrong Foundation, que já arrecadou mais de 15 milhões de dólares para o tratamento e prevenção de câncer. Hoje, mais de 40 milhões de pessoas usam a pulseira amarela que é símbolo da campanha.
De volta aos treinos em 1998, bastou um ano de treino para Lance “papar” o Tour ’99 pela equipe United States Postal Service. O resto da história todo mundo conhece; o americano venceu os Tours de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 e tornou-se o primeiro ciclista da história a ter cinco vitórias na prova mais famosa e mais difícil do mundo. Não que ninguém tenha tentado vencê-lo. Rivais como o alemão Jan Ullrich, o italiano Ivan Basso, o espanhol Iban Mayo e Cazaquistão Alexandre Vinokourov pedalaram, e muito, para alcançar Lance. Mas nenhum conseguiu bater a força, a determinação, a estratégia e, acima de tudo, a mente do Tourminator.
Este mês, a dois meses de completar 34 anos, Lance vai levar todas essas armas para a largada do Tour de France, na tentativa de arrematar sua sétima vitória. Depois, garante, vai se aposentar. Entre um e outro treino para o Tour 2005, nas montanhas ao redor de Los Angeles, conversamos com o ciclista do século.
Você tem certeza que está pronto para se aposentar?
Sei que haverá momentos em que vai ser duro. Mas é isso – minha despedida será na Champs-Elysées.
Ano passado o Tour foi uma espécie de auge em todos os sentidos.
O sexto título tinha um lugar em minha mente, meu coração, minha alma. De certa maneira eu achava que era impossível ganhar seis vezes. Se ciclistas como Eddie Merckx e Miguel Indurain (ambos pentacampeões do Tour) não conseguiram, como eu conseguiria? Eu tinha receio que alguma coisa estranha aparecesse do além e, sei lá, enfiasse uma faca no meu pneu. Foi muito especial vencer meu sexto Tour.
E agora, como você se sente indo para o sétimo?
Eu tento não pensar nos primeiros seis e focar só neste Tour. Penso em ganhar, em dar a vitória para minha equipe e meus patrocinadores, ver a alegria em seus rostos. Eles realmente amam aquela corrida.
Como você se sentiria se perdesse?
Hoje eu tenho mais medo de perder do que alegria de ganhar. Não quero perder. Não quero decepcionar meus companheiros de equipe e meus fãs. Não quero me decepcionar. É uma corrida difícil, longa e sofrida. Se eu treinar duro, se tudo acontecer como planejado na minha preparação física e mesmo assim eu perder, bem, terei sido vencido por alguém melhor que eu. O esporte é assim.
O que você acha do percurso deste ano?
Somente três chegadas em subida, só um contra-relógio longo – não me parece muito duro. Há outros dias de montanha, mas não são tão difíceis. Há Courchevel (etapa 10), que é uma subida dura, e grandes montanhas antes dela. Daí há Pla-d’Adet (etapa 15), que eu venci em 2001, que também é um dia duro. Depois é usar toda a experiência, tecnologia e trabalho duro no contra-relógio longo. Abaixar a cabeça e pedalar.
Se você fosse o todo-poderoso do ciclismo, como faria para livrar o Tour da sombra do uso de doping?
Na minha opinião, o controle que existe no Tour não poderia ser melhor. O vencedor de cada etapa é testado diariamente. Três ou quatro ciclistas são testados por sorteio. Em certos dias, os três primeiros são testados. Se não me engano, são 10 ou 15 testes por dia. E agora eles fazem não só o de urina, mas também o de sangue. O que poderia ser diferente são os controles fora das provas, os testes-surpresa – essa é a melhor maneira de dissuadir quem está tentado a se dopar. Bater na porta do atleta e fazer o teste. Eu fiz quatro testes-surpresa nesta temporada. Acredito que as drogas que aumentam a performance funcionam. Mas elas não funcionam tão bem quanto o trabalho duro, e eu sou a prova disso.
Como você gostaria de ser lembrado?
Sinceramente, não me preocupo em deixar um legado. Não digo isso por mal – é só que eu acho que seria extremamente arrogante fazer minhas coisas pensando nisso. Não é por esse motivo que eu levanto da cama toda manhã. Levanto para treinar forte e vencer outra competição de bike. Se daqui a 50 anos eles derem meu nome a uma rua ou me fizerem uma estátua, beleza.
Qual a diferença entre o Lance de hoje e o Lance que venceu seu primeiro Tour de France, em 1999?
Sou um atleta mais velho e, como se sabe, não ficamos mais fortes conforme envelhecemos. Mas ficamos mais sábios, mais pacientes. Melhoramos as táticas, as estratégias. Acho que sou um líder de equipe melhor, mais capaz de lidar com a pressão da corrida, especialmente quando ela vai mal. Provavelmente eu era mais agressivo quando jovem. Mas o ciclista que sou hoje ainda pode ser muito agressivo quando necessário. Posso atacar da mesma maneira que há dez anos. O gene ainda está aqui.
Você ainda pensa muito no câncer?
Lógico. Não diariamente, porque me sinto saudável e forte. Mas essa doença é muito sacana. Eu tenho a sensação de que se eu disser que não tenho respeito por ela, era vai ouvir e vir me pegar…
Alguma vontade de voltar ao triathlon, depois de se aposentar do Tour?
Eu VOU fazer um triathlon, e ele se chama Luke, Grace e Isabelle (nomes dos três filhos de Lance). Esses serão meus três esportes, e já está ótimo. Minha prioridade será estar com eles o máximo que puder. Depois deles, não existe um ranking de prioridades, mas quero voltar a trabalhar muito na causa do câncer. Tenho contratos de longo prazo com a Discovery Channel, Nike e Trek e certamente estarei envolvido com a minha equipe atual para sempre. Mas há várias outras coisas que quero fazer, como andar de moto no meu rancho. Quero descer o rio Pedernales remando até o lago Travis, aí ligar para alguém e dizer “Ei, você pode vir me buscar?”. Tenho vários planos bobos como esses. Quero construir uma parede de escalada em casa. Hoje, não posso brincar numa parede de escalada porque isso me traria músculos nos braços. Talvez eu até me candidate a governador. Passei com Sheryl (Crow, a cantora, namorada de Lance) na frente da casa do governador do Texas e isso me passou pela cabeça.
Mas você não parece um cara que conseguiria ficar só curtido férias…
É verdade… mas não estou falando de fazer essas coisas por 20 anos, mas só o suficiente para sair do esporte, relaxar, descobrir onde estou em minha vida, onde meus filhos estão em suas vidas. Que viagens eu quero ou não quero fazer. Talvez ir pra Austrália e pra Malásia, conhecer uns lugares diferentes. Mas eu preciso de projetos, de trabalho. Preciso estar sempre construindo ou criando algo. Senão, fico louco.
Você está se divertindo com o treinamento para a sétima vitória? Está sendo mais legal por ser o último Tour?
Sim. Em cima de minha bike, pedalando e suando feito um louco, no meu máximo. Não há ninguém na estrada, só um ou outro carro passa. Hoje foi engraçado: um cara de bike veio da direção oposta. Ele estava vibrando, mexendo os braços, gritando, eu achei que ele ia pular da bike e jogar ela no chão. Foi inacreditável. Parecia que ele tinha ganhado uma etapa do Tour ou algo parecido. Ele estava olhando pra mim, me mandando uma energia incrível. Cara, eu cheguei no próximo cânion e queimei o asfalto.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de julho de 2005)