Os brasileiros Moeses Fiamoncini e Juarez Soares relatam o que viram e viveram na temporada de 2019 no Everest
Por Thaís Valverde
O Monte Everest foi a segunda montanha do projeto do alpinista Moeses Fiamoncini de escalar todas as 14 montanhas acima dos 8.000 m de altitude, localizadas na cordilheira do Himalaia e do Karakoran, na Ásia. Mas foi a primeira em que ele lidou tão de perto com a morte.
O paranaense de 39 anos quis escalar o Lhotse (8.516 m), a quarta montanha mais alta do mundo, e em seguida o Everest (8.848 m) sem o uso de oxigênio suplementar e sherpas – isto é, carregando todos os equipamentos da expedição. Moeses fez a expedição com o alpinista chileno Juan Pablo Mohr e o espanhol Sergi Mingote. Os três tinham o mesmo objetivo de escalar o Everest e o Monte Lhotse sem oxigênio. Moeses e Juan Pablo chegaram ao cume no Everest no dia 23 por volta das 20h30 do horário local. No entanto, Moeses não conseguiu finalizar seu desafio e precisou utilizar oxigênio suplementar a partir de 8.300 m de altitude.
“Fizemos o ataque ao cume em 15 horas, o que normalmente a pessoas fazem entre 9 e 12 horas com o uso de oxigênio e sherpas. Mesmo depois de começar a utilizar o oxigênio suplementar, mantive o ritmo do meu colega chileno, que foi o único dos três que conseguiu chegar ao cume sem o apoio do oxigênio suplementar”, relata o brasileiro.
Moeses Fiamoncini (à esquerda) no cume do Everest junto com Juan Pablo Mohr:
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Foi durante a descida do Lhotse que Moeses se deparou com um pedido de socorro de uma mulher russa e um homem búlgaro desacordado que estavam dentro de uma barraca. Os dois não tinham seguro de vida e imploraram a eles que ajudassem a resgatá-los. “Nós estávamos em três para salvar duas pessoas a 7.740 metros. Tentamos ao máximo levar o alpinista, mas tivemos que deixá-lo já morto na montanha e conseguimos levar a russa até o acampamento”. O búlgaro, segundo brasileiro, estava tentando fazer uma ascensão rápida ao Everest.
Moeses perdeu dois alpinistas de seu grupo, que somava 15 pessoas — um irlandês e um indiano. “Eles morreram no campo quatro. Foram quase dois meses de convivência, criamos um laço de amizade.”
Pelo menos 11 pessoas morreram nesta temporada de escaladas no Everest, montanha que fica na fronteira entre o Nepal e o Tibete. “Quem faz uma alta montanha como o Everest, sabe do risco que está assumindo”. Para Moeses, o Everest está muito comercial e pessoas sem experiências, que “comparam uma montanha de 5 mil metros com a uma de 8 mil, não têm preparo técnico e psicológico para encarar algo assim”. “Uma expedição como esta exige basicamente 70% de preparo psicológico, 20% físico e 10% é o clima”, explica o alpinista, que enfrentou ventos de 65 km/h, temperaturas negativas bem abaixo dos 20 graus e tempestades de neve.
Neste momento, Moeses está em Kathmandu, capital do Nepal, para um período de descanso para daqui 15 dias partir para uma expedição ao K2, a segunda montanha mais alta do mundo, de 8.611 m. No ano passado, ele foi um dos brasileiros que chegou ao Manasalu, de 8.156 metros e famosa por ter muitas avalanches. O alpinista está em busca de patrocinadores para o apoiarem o seu projeto de se tornar o primeiro brasileiro a completar as 14 montanhas de mais de 8 mil metros.
Everest lotado?
Em 2019 foram emitidas 381 permissões pelo governo do Nepal para alpinistas subirem o Everest. Além disso, é preciso levar em conta que cada alpinista normalmente tem mais três profissionais o acompanhando. “No acampamento base chegou a ter cerca de 1.500 pessoas. Era uma pequena cidade a 5.364 metros de altitude”, disse Juarez Gustavo Soares, empresário do Espirito Santo de 48 anos que também escalou a montanha nesta temporada.
Além disso, houve curtas janelas meteorológicas para que os alpinistas tentassem o cume. Só no dia 22 de maio, mais de 200 alpinistas partiram para o topo. Um deles era Juarez, que tentou ir em período mais cedo para evitar multidões, mas não escapou do ‘engarrafamento’ na descida. “No dia 22 de maio, às 03:11, bati a mão na pedra mais alta do cume do Everest. Na volta, enfrentamos dificuldades com o excesso de pessoas entre o cume e o cume Sul, que são trechos muito expostos e perigosos, e envolvem riscos de acidentes”, conta Juarez.
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Para o capixaba, embora este ano tenha tido um número maior de alpinistas, é preciso lembrar que a temporada ocorre uma vez por ano, entre abril e maio, e “todo mundo que tem o sonho ou a motivação só tem esse período”. Juarez se apaixonou por montanhas aos 30 anos de idade e antes do Everest já havia conquistado cinco dos sete cumes das montanhas mais altas de cada continente (Kilimanjaro em 2002, Aconcágua em 2004, Elbrus em 2008, Vinson em 2011 e Carstensz em 2013). Em 2014 ele esteve no Denali, mas devido ao mau tempo não chegou ao cume.
Cemitério de barracas e alpinistas
Os dejetos e o lixo são atualmente um problema ambiental no pico mais alto do mundo. Na temporada passada, os carregadores que trabalham no Everest retiraram quase 13 toneladas de lixo humano – o peso equivalente a dois elefantes adultos – do acampamento base para um local de despejo próximo, de acordo com o Comitê de Controle de Poluição de Sagarmatha (SPCC).
O terremoto de 2015 foi um momento crucial para o acúmulo de lixo na montanha. Expedições foram forçadas a deixar barracas, comida, fogões e quase tudo o mais para trás quando ambos os governos fecharam seus respectivos lados do Everest.
“No campo 4 (Colo Sul), há um cemitério de barracas de outras temporadas, e bastante lixo jogada pelo chão. Infelizmente é natural que tenha essa concentração, consequência de temporadas anteriores”, afirma Juarez.
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Para o empresário, as multas que o governo do Nepal está aplicando às expedições que não coletarem o lixo, pode ajudar a equilibrar o lixo produzido de uma expedição com o deixado por uma anterior. “É logico que nos campos mais altos é difícil fiscalizar isso, mas é possível nos mais baixos”. O Nepal pede uma fiança de 4.000 dólares (15.600 reais) por expedição, que reembolsa se cada alpinista do grupo trouxer de volta pelo menos oito quilos de dejetos. No lado tibetano da montanha, menos frequentado, as autoridades exigem a mesma quantidade e impõem multa de 100 dólares (390 reais) por quilo faltante.
Os corpos na rota do cume já fazem parte da paisagem da expedição. Juarez mesmo cruzou com dois. “Tivemos a infelicidade de cruzar com duas pessoas nesta temporada e é um choque muito grande, mas que não impacta a escalada em si. No entanto, dá uma sensação ruim, um questionamento de quem era aquela pessoa, qual era o sonho dela e o que aconteceu”. Estima-se que há mais de 200 corpos espalhados pela montanha em várias rotas. Alguns estão enterrados em fendas profundas.
Juarez encarou 60 dias de expedição e um acidente que quase colocou fim no seu sonho. O momento mais crítico de sua expedição foi quando escorregou e caiu no último ciclo de aclimatação e machucou a lombar e duas costelas. O empresário teve que voltar ao acampamento base e fazer um intenso trabalho recuperação. “É tanta coisa que poderia ter dado errado, que chegar ao cume do Everest é uma sensação de humildade, de gratidão à Deus e a montanha por ter me permitido chegar até lá. Volto uma pessoa melhor, com mais compreensão sobre as pessoas, a vida, e do meu tamanho perante a tudo isso.”