Por Fernando Maluf*
REVISTA HARDCORE
Dizer que foi campeão não bastaria para descrever a trajetória de Italo Ferreira em Bells Beach. O dia foi cheio de histórias: Steph também foi campeã em uma final de roer unhas contra Tati Weston-Webb; Mick Fanning se aposentou do circuito mundial; Bells Beach, de repente, começou a parecer uma onda melhor para goofies, com ajuda dos terceiros colocados Gabriel Medina e Caroline Marks – além de Italo e Tati, é claro.
Mas Italo engoliu o campeonato. Jantou. Destruiu. Arrebentou. Que palavras faltam ainda? Único entre os homens a passar da casa dos nove pontos. Dono da melhor nota individual – 9,17 na semi contra Gabriel. Dono da segunda melhor nota individual – 9,03 nas quartas contra Zeke Lau. Da terceira também – 8,83, também nas quartas. Dono da melhor média – 17,86 contra o pobre Zeke. Dono da segunda melhor média também – 16,60 contra Filipe Toledo. Campeão absoluto.
O primeiro troféu de Italo não poderia ser mais especial: o troféu mais antigo, o mais querido. O mais tradicional. Com uma dominação impressionante. Venceu Filipe. Venceu Medina. Italo surfou na última bateria de Mick Fanning no surf profissional. E venceu.
Em Margaret River, Italo vai usar, pela primeira vez, a camisa amarela. Ele lidera o circuito ao lado de Julian Wilson, ambos com uma vitória e um 13º lugar.
MAIS BRASILEIROS, POR FAVOR
Sem ufanismos: a melhor bateria do round 3 foi entre dois brasileiros: Filipe e Italo. A segunda melhor também: entre Panda e Medina. Pegou a dica?
O começo do dia teve notas e baterias mornas. Quem acendeu a luz de novo foi a tempestade mais duradoura da história. Italo e Medina, cada um em sua bateria, pareciam surfar em outra categoria. Isso já foi dito antes, certo? Sobre Ítalo e Filipinho. Este era provavelmente o único regular capaz de rivalizar com os goofies brasileiros. Mas ele não chegou ao último dia.
Italo fez a melhor manobra do evento contra Zeke Lau: emendou quase de cabeça para baixo uma junção cabulosa e despencou junto com a bomba de uns seis pés de altura. Foi a primeira vez que alguém atingiu a casa dos nove pontos. O havaiano não tentou sua tática da idade da pedra contra o potiguar. Se poupou da humilhação de dar voltas no adversário e ainda tomar uma combinação vexatória.
MEDINA DEMOROU MUITO para pegar sua primeira onda contra Frederico Morais. Cenas antigas vinham à cabeça: a pior de todas foi a derrota na final da França para Keanu Asing, que pegou uma atrás da outra enquanto o brasileiro esperou uma boa que nunca veio.
Então Medina pegou uma. A primeira manobra foi um alívio. Pancada certeira. A segunda manobra foi algo bizarro. Jogou água em uma altura inacreditável. Italo era o melhor do evento, mas aquilo tinha que meter medo em alguém.
Daí pra frente, o brasileiro se encontrou e se soltou. Kikas ainda pegou uma boa no final, um pouco bem-avaliada demais, diriam alguns, o que acabou falsificando o placar para menos de um ponto de diferença entre os dois.
RECADINHO EM PORTUGUÊS PARA CONSOLAR
Silvana Lima terminou desapontada sua bateria. Não necessariamente pela derrota para Tati Weston-Webb – que, afinal, tinha a maior nota do feminino até então e era um dos destaques. Mas por não ter tido chances de dar seu melhor.
Acabou escolhendo mal as ondas e tomou prejuízo em suas negociações com as geniosas sessões de Bells, que ora engordam, ora sobem, ora aceleram e fecham. Tati acertou na seleção de ondas e na linha de surf – mais um backside muito bem encaixado por ali.
Carimbou sua vaga na final e, mesmo com a bandeirinha havaiana no ombro, mandou um recado em português fluente pra consolar nossa pátria amada.
NA SEGUNDA SEMI, um show de surf de Caroline Marks e Steph Gilmore. A rookie tinha a melhor nota mas nenhum back-up. Steph liderava e tinha prioridade quando deixou Marks pegar uma boa. Pareceu um erro de principiante. Virada da americana. Na sequência, sozinha, Steph pega a que vinha esperando. Maior, mais bem formada. Nota nove. Erro de principante de Steph? Conta outra.
O CALIFORNIANO MAIS FELIZ
Você pode não gostar do surf de Pat Gudauskas, mas precisa admitir que o cara é gente boa e é difícil torcer contra. Também funciona ao contrário: Pat Gudauskas é um cara muito gente boa, mas precisamos admitir que seu surf não é o mais agradável.
Pat está de parabéns, pois conseguiu cravar um ataque muito radical ao mesmo tempo em que tinha suas fragilidades expostas de um jeito que, dizem, Bells é especialista em fazer: patina entre as sessões, a prancha balança que chega a dar aflição, não tem lá a melhor conexão entre uma manobra e outra e por aí vai.
Pat venceu Michel Bourez nas quartas com justiça. Na semi, sua segunda onda tinha potencial para um excelente score. Mas sabe aquela sensação de que ele ia cair da prancha em toda manobra que fazia? Na primeira manobra dessa onda, que ia ser provavelmente a melhor de frontside do torneio, a sensação se concretizou e todo mundo suspirou aliviado: Pat caiu da prancha quando despencava de volta à base.
Ainda teve uma onda subvalorizada ao expor suas deficiências mais uma vez, depois de duas excelentes manobras. De qualquer forma, não viraria contra Mick, que a essa altura já havia costurado sessão atrás de sessão com uma elegância meio constrangedora e tinha duas ótimas notas.
E foi isso para ele.
EM 2006, UM DOS MELHORES mares da história recente do campeonato de Bells, Occy chegou à semi e deu seu canto do cisne na elite. Parko e Kelly fizeram uma final histórica e quem completou a semifinal da edição mais-sensacional-de-todos-os-tempos-daquela-semana foi… Luke Stedman. Ótimo resultado – o melhor da carreira – para Luke e Pat.
A BATERIA MAIS AGUARDADA
Medina e Italo faziam os ataques dos regulares parecerem insossos, inócuos, fracos. Invertendo o lado e a característica da onda, era algo parecido com a época em que Kelly e Andy dominavam os tubos para a esquerda e faziam pipocar teorias de que o backside era favorecido em Fiji ou Teahupoo, pois ficava-se mais deep, dava pra usar todo o corpo pra atrasar na onda, etc, etc.
Acho que a resposta é mais simples nos dois casos – e tem mais a ver com os surfistas do que com as ondas. Neste caso, os dois surfistas que se enfrentariam na segunda semifinal, também conhecida como a bateria mais aguardada de 2018 até agora (finais não contam).
Dessa vez, Italo não abriu com uma nota absurda. Medina foi melhor nas primeiras trocas e ficou com a liderança. Sem prioridade, tomou o bloque do amigo na melhor da bateria. O potiguar moeu a onda sem dó para passar dos nove pontos outra vez. Dominou o restante do duelo. Gabriel ainda tentou um aéreo surpresa no final, sem sucesso.
MEDINA FEZ O MELHO RESULTADO de sua carreira em Bells. O começo do ano pareceu difícil em um momento. Depois da derrota para Mikey Wright em Snapper, houve quem dissesse que o surf do campeão de 2014 tinha ficado previsível demais para o novo sistema de avaliação das ondas. Na onda que menos favorece seu surf – teoricamente – em todo o circuito, a resposta de Gabriel a quem ainda quer duvidar de seu talento foi brutal.
“AMARELA, É? EU ADORO AMARELO!”
Um dos momentos mais legais do surf é quando soa a buzina final da bateria e o surfista que fez a última onda fica na areia, aguardando os juízes decidirem se sua nota foi ou não suficiente para uma virada sensacional.
Tati Weston-Webb fez o que pode na final e não ficou muito surpresa quando ouviu, no pé da escada, olhando para seu namorado, Jessé Mendes, que não virou na última onda. O mar tinha piorado um pouco e não houve nenhuma sessão muito crítica em sua tentativa final, embora tenha surfado a onda até a areia.
Foi um dos destaques do campeonato e perdeu da mulher mais vitoriosa do circuito por menos de três décimos num mar complicado. E o ano está só começando. O suficiente para segurar um sorriso no rosto até o final da premiação
Steph Gilmore está mais do que acostumada a vencer etapas e ser a primeira do ranking. Ainda assim fingiu surpresa quando ouviu de Rosie Hodge que ganhava a liderança com o título em Bells.
– Como você se sente sabendo que vai usar a camisa amarela na próxima etapa, Steph?
– Amarela, é? Ah, eu adoro amarelo!
ITALO, FANNING E O QUE JÁ É HISTÓRIA
Dava pra se perguntar, vendo as manobras que o Italo completava, se ele não estava com o pé colado na prancha. Não lembrava de tê-lo visto cair em nenhuma onda no campeonato inteiro.
Já pensava em chamadas questionando as enciclopédias vivas do surf brasileiro sobre o ineditismo do fato, caso fosse real. Mas ele me salvou do pequeno trabalho de rever todo seu campeonato quando caiu na finalização de seu primeiro score na final. E, de quebra, causou um receio grande. Não, Italo Não faz isso.
Ele não fez, é claro. Viu Mick passar na frente, mas se virou pra arrancar notas nas ondas que já não tinham aquelas paredes enormes de onde ele tinha se acostumado a cair feito um tijolo – e aterrissar feito um gato.
Perto do fim, em vez de tomar pressão do australiano, Italo respirou aliviado ao tirar a melhor nota da final quando nem tinha a prioridade.
O abraço dos dois, a poucos segundos do final, é um momento que já entrou para a história. Junto com toda esta edição do Rip Curl Pro Bells Beach.
Quem diz que a etapa é chata e pede sua saída do circuito vai ter que se contentar em ver o mito crescer ainda mais. Pelo menos até a próxima edição.
*Matéria publicada originalmente no site da Revista Hardcore