Carismático, boa pinta, inteligente e um monstro em cima da bike, o bicampeão mundial de ciclismo de estrada Peter Sagan pode nunca ganhar um Tour de France, mas é a esperança que faltava para salvar esse esporte marcado por escândalos de doping. BILL GIFFORD trocou uma ideia com o eslovaco, que parece uma criança gigante quando faz o que mais ama na vida: pedalar
Fotos de Brian Guido
PETER SAGAN ESTÁ atrasado, e a multidão parece ficar cada vez mais apreensiva. Cerca de 50 crianças, com idades entre 7 e 13 anos, estão com os olhos colados em uma brilhante fileira de mountain bikes da marca Specialized, novinhas e prestes a serem suas – quando e se Peter aparecer. Pequenas discussões podem ser ouvidas à medida que os pais da garotada tentam impedir que os filhos pulem sobre as bicicletas de cor rosa e laranja.
É novembro de 2016, e Sagan se encontra no sul da Califórnia (EUA) para ser o anfitrião de uma exclusiva pedalada beneficente. Duzentos fãs desembolsaram uma boa grana – US$ 3.000 por cabeça – para passar o fim de semana pedalando e papeando com o eslovaco de 27 anos, duas vezes campeão mundial e o mais próximo de ser uma “celebridade ciclística” desde a época de… você sabe quem. A pedalada ajudará a ONG Boys and Girls of America, incluindo essa doação de bikes para merecedoras crianças locais. Mas agora a estrela do ciclismo e seu séquito de adoradores foram – sem autorização – para algum lugar do Westlake Village Inn, um hotel enorme com pequenos lagos, pontes e até mesmo um vinhedo.
Passando o olho desesperadamente pelo horizonte, a mestra de cerimônias, uma jovem com camiseta da Boys and Girls, agarra o microfone e tenta uma tática de distração. “Peter! Peter! Peter!”, ela entoa. Algumas crianças e alguns pais se juntam a ela, mas a missão de fazer Peter aparecer acaba falhando.
A mestra de cerimônias muda de estratégia e faz uma pergunta básica: “Levante a mão quem pode contar aqui quem é Peter”.
Depois de um incômodo silêncio, um garotinho se manifesta: “É um cara que compete com a sua própria bike!”.
“Isso!”, diz a jovem, um pouco mais calma.
Uma menina entra na conversa: “Ele é Peter Pan!”, que é uma resposta ainda melhor, como veremos em breve.
BEM QUE OS RIVAIS de Sagan gostariam que ele se atrasasse com mais frequência, principalmente na hora de pedalar até a linha de chegada. Ao longo dos últimos dois anos, tem sido ele quem costuma esperar pelos demais – e durante esse processo, o eslovaco vem se estabelecendo como o ciclista mais interessante e divertido da sua geração. Sagan venceu o campeonato mundial de ciclismo de estrada em Richmond, na Virgínia (EUA), em setembro de 2015, atacando na última subida e deixando seus perseguidores para trás na descida. E pedalou forte também em 2016, ganhando duas das chamadas provas “Clássicas de Primavera” (a Gent-Wevelgem e o Tour de Flanders), e depois vestindo por três dias a jersey amarela de líder do Tour de France – no qual venceu três etapas e levou para casa sua quinta jersey verde, a de melhor sprintista. Se ele ganhar a camisa verde de novo em 2017, empatará com o recorde do ciclista alemão Erik Zabel.
Por si só isso tudo já teria rendido um ano extraordinário para qualquer atleta, mas Sagan ainda não havia acabado sua temporada. Nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, ele deu um tempo do ciclismo de estrada para competir no mountain bike – porque “era mais divertido”, em uma declaração tipicamente “saganiana”. No circuito carioca, ele começou em último lugar e foi abrindo caminho até os líderes quando, na segunda volta, seu pneu furou, fazendo com que ficasse de fora da disputa. Várias semanas depois, em Doha, no Qatar, ele conquistou seu segundo título mundial na estrada, superando um pelotão lotado com os melhores sprintistas, em um percurso bastante plano e quente. Foi um feito formidável: apenas cinco outros ciclistas venceram dois mundiais seguidos. “Tudo é meio que apenas uma loteria”, diz Sagan, de maneira bem descontraída, encolhendo os ombros.
Quase mais ninguém vê as coisas dessa forma. “Ele é um ciclista único, daqueles que aparecem apenas uma vez em toda uma geração”, afirma seu rival Mark Cavendish, sprintista britânico pouco dado a elogios. “Ele está fazendo com que todos nos sintamos principiantes.” Outros o comparam com a lenda belga Eddy Merckx, amplamente considerado o ciclista mais completo de todos os tempos. Como Sagan, Eddy Merckx era um atleta versátil que venceu muitas competições de um dia só, mas que também levou a melhor na classificação geral do Tour de France cinco vezes – objetivo que pode não estar ao alcance de Sagan. Como ele é relativamente grande – pesa cerca de 80 kg –, sua única fraqueza são as subidas longas, essenciais para ganhar uma competição em etapas, com muitos trechos de montanha, como o Tour.
Mesmo assim, Sagan tem enchido de empolgação um esporte que vem precisando desesperadamente de alegria nos últimos anos. Quando ele não está ganhando alguma prova, pode ser visto alegrando multidões no YouTube, com empinadas de bike com uma mão só e outras loucuras de improviso (entre elas, pedalar sua magrela até o rack de um carro). Em seu vídeo mais popular, ele e a esposa, Kate, fazem uma paródia de “You’re the One That I Want”, o grande número final do filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina. “Somos atores”, disse Sagan durante o Tour de France do ano passado, depois que ele e o britânico Chris Froome, vencedor da prova, conseguiram realizar uma audaciosa escapada em uma etapa de sprint. “Não, somos artistas.”
Na mídia, ele é conhecido por seus “saganismos” muitas vezes tão enigmáticos quanto um ditado zen-budista, resultado de uma mente excêntrica e de um inglês um tanto truncado:
“Tour é Tour”.
“Para cima. Para baixo. Eu gosto disso.”
“Vou pensar sobre amanhã amanhã.”
E o melhor de tudo é que, com Sagan, nunca houve nenhuma insinuação ou rumor sobre doping. No entanto, quando eu chamei a atenção para isso falando com o seu agente e com o seu assessor de comunicação, ambos disseram, em uníssono: “Pelo menos até agora!”.
UM DIA ANTES da pedalada beneficente na Califórnia, eu dirigi até Malibu para entrevistar o campeão. Ele tinha acabado de voltar de duas semanas em Bora Bora, na Polinésia Francesa, as férias mais longas que tirou em anos, e está bronzeado e aparentemente relax, com sua característica juba castanho-clara à la Gisele Bündchen – que ele não corta há mais de dois anos. Ele e Kate estão hospedados em uma moderna casa californiana, com vista para o mar, a cerca de 45 minutos de Westlake Village. Da cozinha murmuram liquidificadores e mixers, porque Sagan está aqui para gravar vídeos promocionais para um novo patrocinador, a marca de suplementos Osmo Nutrition. Há uma elegante piscina, madeira clara por todo lado, móveis modernos e arte contemporânea nas paredes. Sagan está jogado no sofá, realmente parecendo estar em casa.
“Ele ama vir para a América”, conta Ted King, antigo companheiro de equipe de Sagan. “Ele gosta da mentalidade americana.” Sagan treina em lugares com altitude perto de Lake Tahoe e de Park City, em Utah, e tem uma queda especial pelo restaurante IHOP (International House of Pancakes) e por carros caros esportivos. Um par de anos atrás, depois de assinar contrato com a equipe Tinkoff-Saxo, supostamente por um valor entre US$ 4,4 milhões e US$ 6,5 milhões ao ano, ele começou a procurar uma réplica do carro chamado The General Lee em The Dukesof Hazzard (no Brasil batizada de Os Gatões). A série de televisão, produzida entre 1979 e 1984, aparentemente ainda faz sucesso na Eslováquia.
A celebridade-ciclista acabou se decidindo por um Dodge Charger, pintado de cinza, com um potente motor. Sagan ainda estava tentando descobrir como registrá-lo legalmente na Europa – para seguir os padrões conscientes de emissão de poluentes –, por isso o automóvel permanecia ilhado na Califórnia.
Durante as competições, ele pedala como os caras da série dirigiam: com cavalos de pau e acrobacias que enchem os corações dos outros ciclistas de medo e fascinação. Na prova Paris-Roubaix de 2016, a principal clássica de primavera, ele saltou o suíço Fabian Cancellara, outra estrela da bike, após uma queda.
“Suas técnicas de pilotagem são únicas”, diz Jonathan Vaughters, fundador e diretor-geral da equipe norte-americana Cannondale-Drapac. “Ele tem uma percepção rara da situação e um equilíbrio que nenhum outro ciclista possui.”
No começo da temporada passada, Sagan apareceu para competir com algo a mais, que ninguém do pelotão ousara exibir: pernas peludas. Se ele estava menosprezando uma das tradições de “asseio” mais sagradas do ciclismo ou sendo meramente desleixado, é o que todo mundo se perguntou na época.
No começo desta manhã, em Malibu, ele subiu e desceu a íngreme rampa de entrada da garagem montado em sua nova Specialized Roubaix preta e vermelha, enquanto um fotógrafo registrava a cena. Seus agentes o observavam nervosos, enquanto ele tenta uma empinada sem mãos e depois se equilibra em um pequeno parapeito sobre a piscina. Manobras como essas o tornaram uma anomalia bem-vinda em um esporte que até então parecia dominado por ciborgues depilados que seguem normas rígidas de treino, nutrição e conduta. Ted King lembra de uma desolada pedalada durante uma temporada de treinos na Itália, na primavera de 2011, quando os dois estavam na equipe Liquigas-Cannondale. Enquanto o grupo sofria em uma subida difícil, Ted viu Sagan empinando a bike sem nenhuma das mãos no guidão montanha acima. “Ele parecia um urso de circo”, lembra. Uma pedalada duríssima e tensa de repente ficou divertida. Desde então as empinadas se tornaram a manobra característica de Sagan.
Neste momento, Sagan descansa em um sofá da sala de estar, olhando para o seu entrevistador. Muitos ciclistas profissionais parecem gatos de rua famintos de tão magros e frágeis. Com 1,83 metro de altura e dono de uma invejável musculatura, Sagan mais parece um leão. “Ele está sempre observando, como um predador”, diz seu amigo Scott Tedro, diretor executivo da Sho-Air, companhia de fretes para feiras de negócios que patrocinou equipes de Sagan no passado.
Ele dá relativamente poucas entrevistas, apesar de seus conhecidos perfis nas mídias sociais e no YouTube (tivemos que mexer muitos pauzinhos para conseguir esta entrevista). Na Europa, ele é assediado por jornalistas implorando por reportagens; seu rosto estampa outdoors e aparece em comerciais de TV. Uma revista do Reino Unido especializada na indústria do esporte o ranqueou recentemente como o 26o atleta mais “vendável” do mundo, à frente, por exemplo, da superestrela do futebol Lionel Messi. Nos Estados Unidos, sua fama é mais limitada: na primeira noite do evento beneficente, um dos seguranças pediu para ver sua pulseira que concedia direito de entrada aos participantes.
Apesar de todas as palhaçadas de Sagan em cima do selim, o adorável e excêntrico ciclista prova ser surpreendentemente reservado quanto à sua vida pessoal. Talvez seja por causa da fama e riqueza repentinas; talvez ele esteja cansado de responder as mesmas perguntas repetidas vezes. Quando perguntei sobre suas férias, um tema moleza de responder, ele virou para o seu agente, perplexo. “A entrevista será sobre minhas férias?”, disparou, em italiano.
PETER SAGAN ERA desconhecido até 2008, quando apareceu nos campeonatos mundiais júnior de mountain bike em Val di Sole, na Itália, e superou os outros competidores por uma diferença esmagadora de até um minuto e meio. Fred Dreier, editor da revista Velo News, lembra de tentar entrevistá-lo depois da prova, o que provou ser difícil, uma vez que o eslovaco não falava nada de inglês. Fred ficou impressionado com o físico definido do jovem campeão.
“Os outros ciclistas da competição pareciam típicos garotos, com caras de bebê e pernas finas”, lembra Fred. “Mas lá estava Peter Sagan. Grande, corpulento. Com músculos das pernas salientes e enormes veias descendo pelas panturrilhas, ele já era um homem. Tinha 18 anos, mas parecia que iria entrar em um boteco, pedir uma cerveja e esbofetear alguém.”
Nascido dois meses depois da queda do Muro de Berlim, Sagan cresceu em Zilina, uma cidade industrial de cerca de 85 mil habitantes no país que agora é a Eslováquia. Seu pai, Lubomir, trabalhou como barman e abriu uma pequena mercearia depois do fim do comunismo. Peter, o mais novo de cinco filhos, foi criado em parte por sua irmã mais velha, enquanto os pais trabalhavam ininterruptamente. Quando as grandes redes de supermercados europeias começaram a chegar também ao leste do continente, seu empreendedor pai fechou a loja e abriu uma pizzaria.
Sagan era muito audaz na escola. Um dia, no jardim de infância, ele escapou da escola e voltou sozinho para casa, uma jornada de quase 2 km. “Ele estava sempre questionando tudo e nunca ficava satisfeito com uma resposta tipo: ‘Você é jovem demais para isso’”, diz Kate. “Ele estava sempre ultrapassando e expandindo seus limites.”
Quando Peter tinha 8 anos, seu irmão Juraj (pronuncia-se “Iurai”) começou a fazer mountain bike, e o menino seguiu o exemplo. Juraj era 13 meses mais velho, e os dois perceberam bem rápido que seus primeiros adversários seriam eles mesmos. Peter pedalava sobretudo por diversão; vencer era algo que simplesmente acontecia durante o processo. Ele ganhou uma competição com uma bicicleta comprada em uma loja de departamentos que pegou emprestada da irmã. Aventurou-se em circuitos de downhill assim como no ciclismo de pista, desenvolvendo as técnicas de pilotagem e de estratégia que lhe ajudariam mais tarde nas competições como profissional. A família toda viajou ao redor do Leste Europeu, indo a eventos na Polônia, Hungria e República Tcheca. Depois da vitória de Peter no campeonato mundial de mountain bike e de seu 2º lugar na modalidade ciclocross, as equipes profissionais perceberam que ali existia um enorme potencial.
“Lembro de vê-lo na Paris-Nice de 2010 e pensar: ‘Meu Deus, quem é esse novato que está destruindo todo mundo?’”, conta Ted King. “Em sua estreia como profissional, no Tour Down Under, prova por etapas disputada na Austrália, ele ficou conhecido ao deixar o norte-americano Lance Armstrong para trás em uma montanha. Ele continuou sua ascensão seis semanas depois, vencendo duas etapas da Paris-Nice, uma competição por etapas notoriamente difícil que rola no começo da temporada, embora tenha acabado com um monte de pontos no braço por causa de acidentes.” Dois anos mais tarde, ele conquistou a primeira etapa de seu primeiro Tour de France (e a terceira, e a sexta – o suficiente para garantir a jersey verde de melhor sprintista).
Sagan venceu com aparente facilidade, geralmente de surpresa e quase sempre sem a ajuda dos colegas de time. Ele quase nunca chega com companheiros de equipe no fim de uma grande competição; prefere grudar nas rodas de outros favoritos e esperar o momento certo para atacar. “A maioria dos caras do pelotão tem medo dele e de suas habilidades”, disse Chris Froome à agência de notícias Associated Press. “Ele pode fazer qualquer coisa. Escolhe quando quer estar no grupo de escapados (que se desgrudam do pelotão principal) e como quer pedalar até a linha de chegada.”
Em algumas vezes, ele fez seus fãs lembrarem que ainda era praticamente um adolescente – como quando, em março de 2013, apertou a bunda de uma das garotas do pódio de uma prova diante das câmeras. Sagan se desculpou quase em seguida e comprou flores para a moça uma semana depois, porém a revolta que a atitude provocou no Twitter durou vários dias. Que ele também tenha sido gravado autografando o peito de uma fã tampouco ajudou muito.
Sagan amadureceu bastante desde então, em parte graças à Kate, que ele conheceu algumas semanas depois do acidente do beliscão. Ela também é da Eslováquia, loira, de traços delicados e, o que é importante, quase três anos mais velha. O pai e o irmão dela eram construtores e trabalharam na casa de Sagan em Zilina. O casal se casou lá há um ano e meio. Sagan vestiu um traje tradicional eslovaco e, para dar um pouco de emoção à cena, pedalou uma bicicleta pendurada em um cabo a mais de três metros do chão.
Exceto para passar férias, os Sagans raramente vão para o seu país natal. Não que eles não queiram; eles simplesmente não podem. Peter é um herói nacional e fica rodeado de gente onde quer que vá. Fizeram até uma peça de comédia sobre ele, chamada Tourminator, que ficou em cartaz durante anos em sua cidade.
“Na Eslováquia, é muita gente – o que é excessivo”, diz ele. A casa dos Sagans – no deslumbrante principado de Mônaco – é estranhamente calma. Eles viajam a maior parte do tempo, nômades do esporte global. Foram para Bora Bora direto do campeonato mundial no Qatar. Quando voltaram para Mônaco, tinham passado mais de seis semanas fora de casa, circum-navegando o mundo. Observando os olhos verdes de Sagan, tenho a sensação de que ele está profundamente cansado.
QUANDO SAGAN pegar o avião de volta para casa, será para encarar um conjunto de responsabilidades inteiramente novas. Ele liderará uma nova equipe, depois de dois anos difíceis na Saxo-Tinkoff, onde sofreu sob a inconstante direção do banqueiro russo e/ou amante do ciclismo e/ou tirano Oleg Tinkov. Quando Sagan falhou ao não conquistar nenhuma etapa do Tour de France para a equipe, em 2015 – chegando em 2º ou 3º absurdas sete vezes e arrastando uma maré de dois anos sem ganhar –, Tinkov esbravejou que desejava diminuir o salário do atleta.
Desmoralizado, Sagan começou a negociar uma transferência no meio da temporada. Uma das primeiras equipes que ele abordou foi a norte-americana Cannondale-Garmin (agora Cannondale-Drapac), que poderia pagar apenas a metade do que ele ganhava na Tinkoff. Sagan estava interessado de qualquer jeito. “Eu perguntei para ele: ‘Você realmente vai romper o maior contrato do ciclismo?’”, lembra Jonathan. “Ele respondeu: ‘Eu amo pedalar minha bike. Não me importa quanto me paguem por isso’.” O acordo acabou não se formalizando.
Sagan aborda esse assunto indiretamente. “Você tem épocas boas e épocas ruins. Você também tem maluquices de vez em quando”, diz ele, em seu inglês meio macarrônico. “Tem muito a ver com as pessoas que estão ao seu redor. Se você tem sempre pessoas negativas em volta, isso é ruim.” E acrescenta: “É como eu vejo a vida”.
Sua nova equipe, a Bora-Hansgrohe, gira sobretudo ao redor dele (e, como sempre, inclui seu irmão Juraj). Isso é novo, dada sua preferência por se lançar sozinho durante os momentos que antecedem grandes sprints. Embora Sagan goste de ter companheiros de equipe, ele diz que ainda prefere se movimentar em solitário, o que se ajusta ao seu temperamento e lhe dá a vantagem do fator surpresa. “Eles podem fazer a estratégia”, diz ele sobre os rivais. “Eu só tenho que segui-los.” Ted King analisa o craque: “Ele lidera com certo tipo de humildade. É impressionante. Você quer trabalhar para o cara. Mas ele não está gritando ordens para cima de você”.
Entretanto Sagan também sabe que, em seu segundo ano com a jersey com listas do arco-íris de campeão mundial, ele será um homem marcado. Não será fácil realizar seus tradicionais ataques surpresas. O que se tornou verdade nas Clássicas de Primavera de 2017, quando Sagan se viu limitado pelas táticas negativas das equipes rivais, que pareciam estar pedalando mais para fazê-lo perder que para eles mesmos ganharem. Ele conquistou um apertado 2º lugar na Milão-San Remo, uma decepcionante 27a colocação no Tour de Flanders, depois de um tombo peculiar, e ficou bem longe do pódio na Paris-Roubaix, na qual esperava subir ao lugar máximo do pódio.
Será que ele chegará a ganhar o Tour de France? Ele duvida. É um ciclista potente, bom pedalando forte em subidas curtas e inclinadas, que depois deixa os rivais para trás a caminho da linha de chegada. Manda bem em competições de um dia com poucas subidas. No entanto, se o percurso do Tour não for muito montanhoso e outras estratégias se encaixarem – como escapar nas fugas, ganhar tempo em relação aos escaladores e pedalar bem na etapa de contrarrelógio –, tudo é possível. “Depende do destino, eu nunca tomei decisão nenhuma”, diz Sagan. “A vida me trouxe até aqui, até este ponto onde estou agora.”
NO DIA SEGUINTE, Sagan lidera um pelotão de cerca de 400 ciclistas de estrada (incluindo os participantes pagantes e vários pipocas). No topo da primeira longa escalada, o grupo para em um food truck especializado em cafés, e o campeão é cercado por fãs norte-americanos. Ele posa para uma selfie depois de outra, sem deixar de sorrir em nenhum momento. Parece estar realmente curtindo tudo isso.
Na subida seguinte, rodeado de ciclistas em forma do sul da Califórnia, ele fala para o grupo continuar sem ele. É difícil dizer se ele está tirando uma onda ou não, mas fala: “Estou voltando de três semanas de férias sem bike! Continuem sem mim!”. Apesar do fato de serem ciclistas hipercompetitivos, ninguém se aproveita da oportunidade para deixar o campeão do mundo para trás.
Na tarde seguinte, a maioria dos convidados já havia feito as malas e partido quando as crianças começaram a chegar à praça. A ocasião provou ser uma excelente chance de ver Sagan em seu hábitat natural. “Ele tem tipo dois lados, eu acho”, Kate me disse. “Uma é a criança grande que existe dentro dele, e a outra é uma pessoa muito responsável.”
Hoje, no evento beneficente, a pessoa responsável disse para a criança grande aparecer, o que ela faz, embora tenha chegado um pouco atrasada e parecendo ligeiramente encabulada. Suas sapatilhas fazem clac-clac quando ele caminha pelo cimento em direção à fileira de bicicletas. As crianças avançam um passo à frente, e ele dá a cada uma delas uma bike novinha, com um capacete pendurado. Uma por uma, elas sobem no selim, seus pais fecham seus capacetes e elas partem para um passeio pelos arredores; surpreendentemente, ninguém cai.
Peter monta em sua própria mountain bike e desliza para dentro do mar redemoinhante de crianças. Pouco depois elas se aglomeram ao redor de Sagan, enquanto ele salta e empina sua magrela, mostrando manobras como se fosse mais uma criança, apenas um pouco maior que as outras. Peter Pan parece mais feliz agora que durante todo o fim de semana.
* Matéria publicada originalmente na Go Outside 142, de julho de 2017