“Superação” e “recomeço” são os temas centrais do livro Púrpura – escrito pelo jornalista Pedro Cirne de Albuquerque e ilustrado pelo artista Mário César. A obra reúne oito histórias em formato HQ, todas inspiradas na avó de Pedro, Dona Lúcia, que em 1952 descobriu que tinha púrpura (uma doença autoimune que deixa manchas avermelhadas na pele) e que, segundo os médicos, teria pouco tempo de vida.
Dona Lúcia, que era luso-brasileira nascida em São Paulo, chegou a receber uma extrema-unção em Angola, onde morava naquela época, e outra em Lisboa, para onde se mudou em seguida. Contrariando todas as expectativas, no entanto, ela ainda viveria por mais 63 anos – morreu em 2015, aos 93 anos. Teve tempo de conhecer outros países até voltar ao Brasil, onde, durante décadas, dividiu suas belas histórias de vida com o neto. “O livro tem a ver com o ‘espírito de recomeço’ dela, o que para mim é uma lição linda e difícil”, diz Pedro, que teve a sutileza de criar diferentes personagens em cada narrativa para viverem essas situações. “Cada um lida com o recomeço de sua maneira”, explica. “A única personagem que aparece duas vezes é Lídia, uma portuguesa que está na primeira história, que se passa em Portugal, e na última, em Angola.” Na entrevista a seguir, Pedro fala mais sobre este trabalho e sua paixão por histórias em quadrinho.
Alguma das histórias de Púrpura mexeu mais com você?
Pedro Cirne: Acho que a última, em que a Lídia está deixando de olhar para o passado e se volta ao presente.
Qual a sua relação com HQs?
Sou leitor e colecionador de quadrinhos, além de estudioso do tema – leio muitos livros teóricos a respeito. Escrevi sobre HQs por anos para o jornal Folha de São Paulo e tenho uma coleção de mais de 15 mil exemplares. Recentemente, terminei de escrever outro roteiro de quadrinhos. Mas também escrevo romances, tento sempre “manter um pé em cada canoa”.
Antes de escrever Púrpura, você viajou para Angola para tentar entender um pouco mais da realidade de sua avó. O que descobriu lá?
Acho que entendi o lado aventureiro dela: depois de ter morado no interior de Angola, ela se mudou para Portugal, e depois de um tempo regressou ao Brasil, de navio. Minha avó seguia sempre em frente, parecia não ter medo do desconhecido. Um destemor admirável, na minha opinião.
A palavra “Púrpura” tem diferentes significados. O quanto você aprendeu sobre ela? Isso refletiu, de alguma forma, nas histórias do livro?
Pesquisei um pouco sobre “púrpura” sim: há o animal, há a cor e há o sentido de nobreza que era muito usado no Império Romano. O governo norte-americano também dá a medalha Purple Heart como reconhecimento militar. No livro, há uma história sobre um homem que é vítima da guerra e que gostaria de ser condecorado com a Purple Heart pela sua bravura. A história não é sobre a medalha em si, mas sobre levar a guerra consigo e ir adiante. Em outra, um rapaz tímido conhece pessoalmente a mulher com quem só falava virtualmente. Ela estuda a púrpura, o animal. A história também não é sobre o animal em si, é sobre o encontro dos dois, mas o animal está lá.
* Resenha publicada originalmente na seção Cultura da revista Go Outside 139, abril de 2017