Para tentar reverter a terrível poluição dos oceanos, algumas iniciativas buscam limpar os mares de plásticos e outras sujeiras que ameaçam nossas águas
Por Fernanda Beck
MUITA GENTE TEM consciência de que a floresta amazônica vem sendo gravemente devastada pelo homem, que a seca fica cada vez pior no Sertão brasileiro e que as mudanças climáticas impactam com força as regiões polares. Porém em geral os muitos problemas enfrentados pelos oceanos não ocupam tanto espaço nos debates leigos sobre meio ambiente. “Para a maioria das pessoas, o mar é um tapetão azul. Seus problemas ficam escondidos nas profundezas, longe dos nossos olhos”, diz o biólogo Ariel Scheffer, presidente da Associação Mar Brasil, que luta pela proteção do ambiente marítimo e costeiro no país. “A maior parte da biodiversidade da Terra está no mar”, explica o biólogo. Por enquanto. “Cercade 70% das espécies de peixes utilizadas para consumo humano já sofreram com a pesca predatória além do limite do sustentável”, diz Ariel.
Tão ou mais grave que a pesca predatória é a poluição das águas, tanto por agentes orgânicos, que chegam ao mar por meio dos sistemas de esgoto, quanto inorgânicos. Entre eles, o plástico é o vilão número 1. Triste símbolo disso é a famosa “ilha de plástico” do oceano Pacífico; na verdade, apenas a ponta de um mal cheiroso iceberg. “O que vemos ali é um aglomerado de pedaços grandes e inteiros. Mas os oceanos estão dominados por uma sopa de plástico, com pedaços menores e partículas flutuantes”, explica Ariel. Além de prejudicar a vida marinha e destruir ecossistemas, as partículas acabam sendo ingeridas pelos peixes.
De acordo com um estudo publicado no começo de 2016 pela Fundação Ellen MacArthur, do Reino Unido, a produção mundial de plásticos aumentou em cerca de 20 vezes desde 1964, alcançando 311 milhões de toneladas anuais em 2014. Este número deve dobrar novamente nas próximas duas décadas, e quase quadruplicar até 2050. E apenas 5% disso tudo é reciclado; 40% acabam em lixões e aproximadamente um terço termina no mar. O estudo ainda divulgou a assustadora projeção de que, até 2050, haverá mais plásticos do que peixes nos mares. “A longo prazo, a solução é a educação da população sobre a questão”, opina Ariel. É necessário mudar nosso padrão de consumo de objetos de plástico, eliminando-o completamente em alguns lugares e usando-o com consciência em outros, investindo em reuso e reciclagem, além de melhorar o processo de descarte.
Mas há esperança imediata. Apesar de não terem a envergadura necessária para combater o problema em escala global, algumas iniciativas, como as descritas a seguir, estão buscando soluções criativas para lidar com a situação. “São projetos válidos, pois buscam novos caminhos, tecnologias e aperfeiçoamento para um problema que precisa ser combatido com urgência”, afirma Ariel.
SEABIN
“Se existem cestos de lixo na terra, por que não no mar?” Foi com essa indagação que o australiano Andrew Turton começou a pensar no SeaBin, projeto que criou com seu amigo e conterrâneo Pete Ceglinski. Crescendo como surfistas na costa da Austrália, os dois se sentiam incomodados com a quantidade de lixo que encontravam no mar e nas praias de seu país. “Não há nada pior do que estar na água e se ver cercado por lixo”, diz Pete. Decidiram tentar a sorte com uma ideia simples, porém corajosa: um cesto que recolhe a sujeira e devolve a água ao mar, funcionando como um filtro de partículas sólidas – quase um aspirador de pó marinho. Antes de se dedicar à empreitada de limpeza dos mares, Pete trabalhava como designer de produtos. “Meu trabalho era fazer produtos de plástico. Depois de algum tempo, percebi que não precisamos daquilo que eu fazia. Então parei”, conta.
O SeaBin funciona acoplado a uma bomba, que promove o fluxo da água para dentro do cesto. Os cestos foram pensados para serem usados em marinas, o que facilita o fornecimento de energia e a troca do reservatório, um grande saco feito de fibras ecológicas. “Trabalhamos com construção de barcos e reparamos que as marinas estavam sempre cheias de sujeira”, diz Pete. “A situação sempre é pior perto da fonte, que no caso da poluição marinha somos nós mesmos. Por isso começar nosso projeto em marinas fazia sentido”, explica.
A iniciativa já tem três anos e começa a ser comercializado este ano de 2017, após um período de testes com alguns protótipos. “Não somos uma organização sem fins lucrativos, nosso objetivo é ter um negócio ao mesmo tempo ecológico e rentável”, diz Pete. Os fabricantes do SeaBin indicam dois cestos por marina, mas a eficiência depende do tamanho do lugar. Cada cesto filtra 1.500 litros de água por hora, retirando cerca de 1,5 kg de lixo do mar por dia.
AZULITA
Há quase 15 anos, os norte-americanos Lainie e Mike Gioviale começaram a viajar para o estado costeiro de Guerrero, no sudoeste do México, para aproveitar as ondas locais para surfar. No entanto uma coisa sempre os incomodava: a quantidade de lixo que inevitavelmente “enfeitava” as praias e o mar da região. Decididos a fazer alguma coisa para melhorar a situação, o casal resolveu organizar mutirões de limpeza envolvendo a população local na recuperação das praias. A cada temporada, um novo mutirão acontecia. “Mas no ano seguinte, quando voltávamos, parecia que todo o esforço havia sido em vão, pois víamos novamente a mesma quantidade absurda de lixo no mar e na areia”, conta Lainie. A dupla decidiu então apelar para uma técnica quase infalível: o incentivo financeiro. “Começamos a pagar 2,5 pesos mexicanos por quilo de plástico recolhido, e a partir daí os resultados começaram a melhorar muito”, conta Lainie.
Com um modelo de negócio sustentável, a Azulita revende o plástico que recebe em sua planta em Guerreros por 5 pesos por kg, valor que mal cobre os custos da operação. Atualmente recolhem cerca de 10 toneladas de plástico por mês das praias mexicanas, e todo o material é repassado para centros de reciclagem. O projeto está entrando em seu terceiro ano de funcionamento e já conta com seis funcionários. “Além de colaborarmos com a limpeza do oceano, construímos um negócio que já emprega algumas pessoas e ajuda várias outras, o que é bastante significativo em Guerrero, um dos estados mais pobres do México”, explica Lainie.
BYFUSION
Apesar de ser uma ação positiva, reciclar plástico não é uma solução definitiva – nem suficiente – para os problemas que a poluição causada pelo material traz para o planeta. Na maioria das vezes, o plástico reciclado é usado na confecção de novos utensílios, que também acabam sendo descartados e poluindo a natureza. Pensando nesse ciclo, a empresa norte-americana ByFusion criou um método de reaproveitamento que dá um destino mais definitivo ao plástico reciclado: transformar o lixo recolhido em tijolos, utilizados na construção civil.
O processo se dá a partir de uma máquina criada pelo engenheiro neozelandês Peter Lewis, que hoje é um dos principais coordenadores do projeto, baseado nos EUA. Sua ideia de reciclagem é inovadora em muitos pontos: em geral apenas três dos sete tipos existentes de plástico são facilmente reciclados, porém a máquina de Pete não faz distinção entre os materiais – todos são bem-vindos para virar tijolos. Também não é necessário lavar o material antes de inseri-lo na máquina. Além disso, a estrutura toda é modular, podendo ser facilmente montada e desmontada, cabendo dentro de um container de caminhão e facilitando tanto seu transporte por terra quanto por navios.
O material obtido depois do processo foi batizado de RePlast, e é multicolorido, devido aos diferentes itens que entram em sua composição. O produto pode ser utilizado como um tijolo comum e depois receber uma camada de adobe por cima, ganhando acabamento visual idêntico aos tradicionais. De acordo com o site do projeto, as primeiras máquinas devem começar a ser vendidas em breve nos EUA, para depois alcançarem o mercado mundial. Em julho, a ByFusion aderiu à campanha 1% for the Planet, cujos participantes doam 1% de seu lucro anual para organizações sem fins lucrativos que trabalham pela conservação do meio ambiente.