A grande beleza

RIP Graham Dickinson (Foto: Sami Wilenius)

Aos 28 anos de idade, o canadense Graham Dickinson era considerado um dos melhores pilotos de wingsuit da atualidade. Falando sempre em tom ponderado sobre os riscos, ele foi recentemente mais uma vítima fatal de seu esporte.

No fim de janeiro, enquanto participava do China Grand Prix (um evento internacional chancelado pela World Winsuit League, WWL), com a presença de alguns dos melhores atletas do mundo, ele se acidentou durante um voo pela montanha Tiamen, no Parque Nacional da Floresta de Zhangjiajie.

O canadense, que tinha aberto mais de cem pontos de decolagem pelo mundo, e que em 2016 havia terminado o mesmo evento com a medalha de bronze, protagonizou vídeos extremos de wingsuit que se tornaram virais. A seguir, publicamos uma entrevista que ele concedeu à revista Go Outside em dezembro de 2015. Mais abaixo, você assiste a um vídeo produzido pelo WWL, um dos vários produzidos em sua homenagem.

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Sem gravidade
O base jumper canadense Graham Dickinson, um dos grandes praticantes de wingsuit da atualidade, garante que seu esporte pode, sim, ser muito seguro

Por Mario Mele

EM SETEMBRO, QUANDO O WINGSUIT saía de uma das maiores turbulências de sua história, com uma sequência de acidentes fatais envolvendo nomes consagrados do esporte (o norte-americano Dean Potter morreu em maio, o canadense Gabriel Hubert em junho e o brasileiro Fernando Gonçalves em julho), o canadense Graham Dickinson, de 27 anos, decretou o fim do luto com um vídeo insano. Nele, Graham salta com sua roupa de wingsuit – aquelas que parecem um macacão com asas de morcego – do topo do Monte Le Brévent (2.525 metros de altitude), na França. De repente faz uma longa curva para a direita, em que passa lambendo um rochedo e, em seguida, pega a esquerda para acessar uma trilha estreita, por dentro de uma floresta, onde desvia freneticamente de árvores e rochas. O cara estava a mais de 180 km/h e, apesar de preciso nas manobras, deixa a impressão de ter desafiado a morte. “Tentei dar um perdido em meu amigo com um voo agressivo, mas a perícia dele é algo incomparável”, justificou o canadense, referindo-se ao italiano Dario Zanon, que ficou “na cola” de Graham, filmando toda a façanha.

Dario é um dos melhores cinegrafistas de wingsuit da atualidade e se esquivou de cada obstáculo para manter o amigo no enquadramento. O vídeo viralizou, com um milhão de visualizações no Youtube e centenas de milhares de compartilhamentos em redes sociais. Claro que, para o público em geral, o wingsuit não deixou de ser o mesmo “esporte suicida” de sempre. Entretanto muita gente passou a acreditar que o homem pode realmente voar com a mesma agilidade de um pássaro.

“Conforme você pratica, fica cada vez mais fácil”, garante Graham. Até hoje, ele é um dos poucos pilotos profissionais dispostos a ensinar o wingsuit em nível avançado. E o principal motivo é por acreditar que seu esporte pode – e deve – ser praticado em total segurança. Graham começou no paraquedismo aos 18 anos e, aos 21, seu irmão mais velho, que já era base jumper, o levou para saltar de uma antena. Foi um caminho sem volta. Graham já comandou seu paraquedas cerca de cinco mil vezes – um quinto disso em saltos de base jump. E até hoje leva a sério a primeira recomendação dada pelo irmão: “Segurança em primeiro lugar”.

“Não suporto mais ver mortes no meu esporte devido ao baixo nível de conhecimento técnico de quem pratica”, diz Graham. “Por isso, tento passar experiências e conhecimentos aos meus alunos, para que nada aconteça com eles.” A seguir, ele fala um pouco mais sobre sua experiência com os saltos e sobre como vê o wingsuit.

Primeiro voo
“A caminho de meu primeiro salto de paraquedas, achei que eu fosse morrer no avião por causa da altitude. Depois que aceitei a morte, saltei. Foi tudo muito divertido e fiquei feliz quando o paraquedas abriu.”

Inspiração
“O primeiro vídeo de base jump que vi foi A Year in the Life, com o [base jumper norte-americano] Jeb Corliss. Eu tinha 14 anos de idade, mas este filme é, até hoje, um dos melhores já produzidos.”

Primeira regra de sobrevivência
“Hidratação máxima e fadiga mínima.”

Ponto de vista
“O wingsuit pode ser muito seguro, só depende de você. Hoje vejo várias pessoas confusas em relação às mortes nesse esporte. Mas voar de wingsuit é como pilotar motos: você pode tornar isso superperigoso ou extremamente seguro.”

Câmera, ação
“Às vezes, o cinegrafista é mais hábil do que o cara que está sendo filmado. Por isso, sempre que assisto a um vídeo de wingsuit, tento ver o quão bom é o cameraman. Eles costumam ser ‘ok’, porém alguns deles são os melhores nesse esporte.”

Evolução
“Amo o wingsuit porque nessa modalidade há pouquíssimas regras a se seguir. Você pode ser livre e puro o quanto quiser. Para mim, não há melhor jeito de desfrutar a verdadeira beleza deste mundo.”

Medo
“De ter obrigação.”

Corrida de wingsuit
“Competições são saudáveis para o esporte, além de seguras e divertidas. Quando penso em Ayrton Senna e sua incrível história no automobilismo, meu coração acelera.”

Doideira
“É difícil dizer quem fez a coisa mais insana no wingsuit até hoje. Provavelmente foi o [britânico] Gary Connery, com sua aterrissagem sobre as caixas de papelão, sem abrir o paraquedas.”

https://www.youtube.com/watch?v=33TYlTl23K8