Aula de triathlon

TREINO DE LUXO: Alan correndo a meia maratona do Rio de Janeiro, em maio deste ano - prova que ele terminou em 1h20min22 (Foto: Cortesia Alan Siqueira)

Depois de ser apontado na adolescência como uma grande promessa do triathlon brasileiro, Alan Siqueira volta às disputas e se torna campeão mundial na categoria amadora mais acirrada

Por Mario Mele

PARA O PARANAENSE Alan Siqueira, vencer uma prova de triathlon tem muito a ver com “saber administrar a pressão”, mais até do que apenas estar bem treinado. “Depois que você conhece seu potencial, vira um jogo de estratégia”, diz. “É necessário impedir fugas e atacar na hora certa”, explica ele, que em setembro, em Cozumel, no México, consagrou-se campeão mundial de sprint triathlon por apenas três segundos de diferença.

ATÉ O TRIUNFO: Alan puxa o pelotão no mundial de triathlon em Cozumel, no México (Foto: Cortesia Alan Siqueira)

Foi somente nos últimos metros da prova (750 metros de natação, 20 km de ciclismo e 5 km de corrida) que Alan decidiu acelerar ainda mais o ritmo, conseguindo deixar para trás quatro atletas mexicanos e dois de Macau, na China – além do capixaba Leonardo Rodrigues.
Alan, que fez 35 anos em novembro, compete na categoria 35-39 anos, uma das mais disputadas entre esses amadores que levam o esporte tão a sério quanto um profissional. “Em Cozumel, os três segundos que eu consegui abrir do mexicano Israel De La Cruz, vice-campeão, foi a vitória mais apertada do evento, entre profissionais e amadores de todos os gêneros e idade”, diz.

Na disputa no México Alan também descobriu que pode mandar bem em provas escaldantes. Ele lembra que a largada atrasou mais de meia hora e, dessa forma, a corrida – geralmente a etapa decisiva em provas de triathlon – rolou lá pelas 11h, quando a temperatura já estava acima dos 30ºC. “Eu sou do sul do Brasil, prefiro um clima mais ameno, por isso essa foi mais uma superação.”

RESOLUÇÃO: Alan no Triathlon do Exército (Vila Velha, ES), de 2014, quando decidiu voltar de vez às competições (Fotos: Cortesia Alan Siqueira)

Nascido em Londrina (PR), Alan começou a nadar aos 7 anos por recomendação médica contra a bronquite. Aos 8 anos já tinha rotina de atleta, com cronograma de treinos e competições. E era só um pré-adolescente quando o esporte ficou ainda mais sério, ao ingressar em uma equipe de alto rendimento. “Aos 17 anos, o Oscar Erichsen, meu então técnico e referência da educação física no Brasil, foi bem sincero comigo, falando que eu nadava bem, porém tinha limitações. Aí ele me perguntou: ‘Por que então não experimenta o triathlon?’.”

Alan, que já tinha uma base forte de treinos por conta da natação e também já corria bem, acatou a recomendação. Antes de completar 18 anos, passou a ser treinado por Homero Cachel, pioneiro na preparação de triatletas de alta performance no Brasil. Devido às excelentes colocações em competições no Paraná e em Santa Catarina, chegou a ser apontado como uma grande revelação do triathlon no país. Mas em 2003 passou no vestibular de educação física e mudou o foco. Seu esporte virou a musculação.

A volta ao triathlon se deu em 2013. No ano seguinte, ainda pesadão, tomou um tombo de bike e sofreu uma lesão grave no ombro. “Tive uma ruptura do acrômio-clavicular. Naquela época, pensei que jamais conseguiria completar uma prova de triathlon novamente, já que minha natação ficou bem comprometida”, lembra. Mas em 2014 surpreendeu-se com a própria recuperação: em Vila Velha (ES), foi vice-campeão da última etapa da Copa Brasil de Sprint Triathlon e não demorou para conseguir uma vaga para o mundial.

Hoje, além de desfrutar do auge, ele quase não acredita na constante melhora em seu rendimento. “Estou mais rápido a cada ano. E pretendo permanecer no topo por mais uns três, pelo menos”, garante Alan, que a seguir revela suas armas – que também podem ser as suas.

FINAL FELIZ: Alan cruzando a linha de chegada do Triathlon do Exército, em 2014 (Foto: Cortesia Alan Siqueira)

Otimize seu tempo (e seu treino)
“Eu escolhi o sprint triathlon, cujas distâncias são mais curtas, por conta da minha rotina de trabalho, de umas 15 horas diárias. Sou professor da academia Cia. Atlética de Ribeirão Preto (SP), onde moro, e também dou aulas em uma assessoria esportiva. Não conseguiria otimizar meu treino focando em Ironman, por exemplo, pois acordo às 5h30 e vou dormir à meia noite todos os dias. Por isso prefiro treinos de qualidade, com um dia de descanso a cada dois dias de atividade física intensa (de volume médio ou baixo). Tive um técnico que sempre falava: ‘Não vence o mais resistente, mas sim o mais rápido e que suporta a fadiga’.”

Não menospreze a natação
“Triatletas costumam focar mais em treinos de corrida, porém a natação me dá segurança em competições. Nado todos os dias, fazendo treinos de qualidade de vo2 e tolerância a lactato. No mundial em Cozumel, minha natação foi muito boa. Saí da água logo atrás do Leonardo [Rodrigues], que é um excelente nadador, e nem tive que acelerar nos primeiros quilômetros do pedal para alcançar o pelotão. Isso me deu confiança, passei a acreditar mais na vitória.”

Sem fuga
“No mundial, é permitido pegar vácuo durante o ciclismo. Meus treinos então foram voltados para eu fazer muita força só no início do pedal, para alcançar o pelotão. Depois, vira um jogo de estratégia: você tem que olhar para o lado e saber quem são seus verdadeiros adversários. Se você permitir a fuga de algum deles, por exemplo, pode ficar difícil alcançá-lo depois. Minha corrida foi muito forte. No último quilômetro, todos aceleraram bastante o ritmo, levando a disputa até os últimos metros. A luta também era grande para suportar o calor e a umidade.”

Amador profissional
“Eu sou professor de educação física e conheço triatletas em minha categoria que são bombeiros, engenheiros… Nós, amadores, como o próprio nome diz, não vivemos do esporte, mas temos custos com inscrição, hospedagem, transporte, alimentação… Portanto acho que meu título pode ajudar a quebrar alguns paradigmas de patrocinadores. Marcas que até então não acreditavam na divulgação através do esporte amador vão começar a pensar diferente. Já estão me procurando, e acho que isso é um sinal de que as coisas estão mudando.”

Cuidado com as férias
“Meu objetivo é dominar a categoria, por isso não posso ficar sem treinar até a próxima temporada. Foi exatamente esse o erro que cometi no ano passado. Engordei, tive fascite plantar, só consegui voltar mesmo em julho. Acho importante estabelecer desafios intermediários. Neste ano, ainda vou competir o Challenge e um Ironman 70.3. Serão desafios pessoais, porém importantes para eu me manter na ativa, treinando.”

 

>> Tempo, tempo, tempo
Alan foi campeão mundial de sprint triathlon com o tempo de 1h00min39s, com as seguintes parciais:

> Natação (750m) – 9min48s
> Ciclismo (20km) – 30min03s
> Corrida (5km) – 17min59s