Pássaro raro

NA BEIRADA: O russo Valery Rozov se aproxima do ponto de decolagem, perto do cume do Cho Oyu, nos Himalaias (Foto: Red Bull Content Pool)

O russo Valery Rozov rompe uma nova barreira dos esportes extremos ao escalar e saltar do Cho Oyu, sexto maior pico do mundo

Por Bruno Romano

NENHUM DOS MAIS DE 9.000 saltos de Valery Rozov chega à altura de sua mais recente missão. No começo de outubro, este base jumper russo de 52 anos finalizou, pelos ares, uma dura expedição de três semanas pelo Cho Oyu, sexta maior montanha do planeta (8.201 metros), saltando de wingsuit lá do alto. O pulo no ar rarefeito e congelante dos Himalaias, a 7.700 metros de altitude (onde achou o melhor local para o feito), é um novo recorde mundial – e um dos maiores feitos da modalidade que Valery prefere chamar de “base climbing”, a união de base jump com escalada. Ao juntar voos extremos com escaladas a montanhas míticas, o russo tem conseguido colocar o esporte em um patamar inédito e extremamente elevado, em todos os sentidos.

DESTEMIDO: Valery Rozov se aquece em frente a uma das barracas de sua expedição ao Cho Oyu para saltar de base jump e voar de wingsuit. Nas fotos abaio, mais cenas da viagem (Todas as fotos: Red Bull Content Pool)

Desde 1993, quando decidiu levar a vida se lançando de aviões, Valery vem trilhando um caminho de bem-sucedidas conquistas. Foram dois títulos mundiais de paraquedismo, em 1999 e 2003, e um europeu, em 2002, além de um ouro no torneio de skysurfing nos X-Games de 1998. Tão rápido quanto seu corpo caia dos céus, sua fama subia. Porém ele logo percebeu que saltos inusitados faziam mais o seu estilo. Foi assim que o russo ajustou a direção da carreira em 2004, quando embarcou em um helicóptero com um macacão de wingsuit e pousou no vulcão ativo de Mutnovski, em seu país natal. O feito lhe deu popularidade e atraiu outros grandes projetos e novos patrocínios. Em outras palavras, Valery passou de base jumper técnico e corajoso à nova “lenda” do assunto, como costuma ser chamado. No melhor estilo outsider, no entanto, ele garante que não está nem aí para isso: “Nunca tive apego pela fama. Também não dou a mínima sobre como me chamam”.

Suas ações, porém, continuam consolidando a notoriedade do atleta. Em 2008, ele foi o primeiro a saltar de wingsuit do monte Elbrus, maior pico da Europa, com 5.642 metros. Em 2015, também foi pioneiro ao escalar e se jogar do Kilimanjaro, o “topo” da África (5.895 metros). Mas sua nova façanha é tão difícil de imaginar como descrever. O próprio Valery não encontra fácil as palavras que definem a sensação. “Posso dizer que estou contente por ter tido força e determinação para fazer isso. Eu simplesmente me sinto feliz”, arrisca.

Do sonho para a realidade no Cho Oyu se passaram dois anos. Período marcado pelo desenvolvimento de um novo modelo de wingsuit (o Vampire Alpine, da Phonix-Fly), além de inúmeros saltos e diversas “baladas” em alta montanha. Não custa lembrar que o mesmo Valery já era o detentor do recorde em altitude do esporte. Em 2013, ele se atirou do alto do Changtse, no lado tibetano (ou a face norte) do monte Everest. Entre projetos e reais tentativas anteriores, foi o mais perto que alguém conseguiu saltar do topo do mundo.

Seu retorno recente ao Himalaia revelou-se ainda mais extremo e desafiador. Para chegar ao ponto de salto no Cho Oyu e despencar por 90 segundos em queda livre e mais dois minutos pairando no ar, o russo encarou 21 dias de jornada na montanha. O mau tempo e o excesso de neve frustraram a primeira investida da equipe, que contava com guias locais e profissionais que documentavam a aventura. Todos foram obrigados a esticar o tempo previsto de subida em uma semana. Mas a capacidade de suportar os perrengues de uma escalada desse porte, explica Valery, está diretamente ligada com o pioneirismo e o sucesso da empreitada nos ares. “É tudo uma questão de treino apropriado”, resume. “Projetos como esse pedem treinamento em montanhas de verdade, só assim você entende pelo que vai passar e como deve se vestir e se portar. Sem essas experiências, o salto no Cho Oyu é impossível, mesmo se você for um excelente base jumper.”

O novo feito, tão inédito e arriscado como bem-sucedido, chama ainda mais atenção em uma temporada bastante trágica para o esporte. Ícones da modalidade, como o brasileiro Fernando Brito e o ítalo-norueguês Alexander Polli, nos deixaram em 2016, imediatamente após acidentes fatais de wingsuit. Contagens de fóruns especializadas chegam a 25 mortes pelo mundo, entre janeiro e o fim de outubro. “Tento minimizar os riscos. Pode soar inocente ou tolo, mas é verdade”, diz Valery. “Fora isso, é preciso aceitar que você não é especial nem diferente de ninguém e que ‘merdas’ podem acontecer com qualquer um”, completa. Sua ligação com o wingsuit e o base jump tradicional já atingiu um nível visceral. “É minha paixão, meu estilo de vida e meu trabalho”, garante. E, pelo jeito, a combinação com escalada também vicia. Ainda recuperando o fôlego do Cho Oyu, Valery sinaliza que a próxima investida não deve ser tão alta, mas certamente seguirá no ritmo frenético do base climbing.

 

Top total
Os cinco projetos mais “insanos” do russo
> Abril, 2009: Estreia em missões extremas ao se atirar de um helicóptero na cratera do vulcão ativo Mutnovski, na Rússia.
> Junho, 2012: Sinais definitivos de sucesso em altitudes elevadas, com pulo pioneiro do monte Shivling, na Índia, a 6.540 metros.
> Maio, 2013: Salto inédito de 7.220 metros da face norte do Everest, próximo ao cume do Changtse (recorde na época).
> Fevereiro, 2015: Escalada ao Kilimanjaro, na África, e primeiro salto de altitude da área, a 5.460 metros sobre o nível do mar.
> Outubro, 2016: Novo recorde de voo com wingsuit, dessa vez a 7.700 metros, perto do cume do Cho Oyu, nos Himalaias.