Depois de subir ao pódio nas Paralimpíadas do Rio, o paraciclista irlandês Colin Lynch bate um recorde que estava esquecido havia 17 anos
Por Mario Mele
HÁ APENAS SEIS ANOS como paraciclista profissional, o irlandês Colin Lynch é atualmente um dos atletas adaptados de maior destaque no mundo. Em outubro, logo depois de conquistar sua primeira medalha paraolímpica (prata na prova de contrarrelógio do ciclismo de estrada nos Jogos do Rio 2016), ele cravou seu último grande feito até hoje: o novo Recorde da Hora na categoria C2 (atletas com deficiência na extremidade de algum membro, superior ou inferior, ou com disfunção neurológica de moderada a grave). No velódromo do Centro Nacional de Ciclismo de Manchester, na Inglaterra, Colin, que tem a perna esquerda amputada logo abaixo do joelho, pedalou 43,133 km de modo ininterrupto durante 60 minutos. Apesar de ter sido o primeiro recorde oficial dessa modalidade do paraciclismo sancionado pela União Ciclística Internacional (UCI), o irlandês superou em 2 km a marca que o francês Laurent Thirionet havia estabelecido em 1999.
“Adoraria ver mais paraciclistas interessados no Recorde da Hora”, diz Colin. “Parte de mim quer que esse recorde seja batido para eu tentar retomá-lo depois”, admite. Muito de sua ascensão meteórica no esporte é em razão de seu aguçado senso competitivo, porém outra característica que chama atenção é o alto rendimento de Colin, aos 45 anos de idade. Ele é somente um mês mais novo do que Laurent, com a diferença de que o francês pedalou 41 km no velódromo antes de completar 30 anos de idade. “De certo modo, estou apenas começando no ciclismo”, diz Colin. “Se eu tivesse feito isso durante minha vida toda, provavelmente já estaria desgastado.”
Mais do que simplesmente usar a força bruta, o irlandês é um mestre da adaptação, dando exemplos sucessivos de que a vida pode ser uma evolução contínua. Sua história de superação começou aos 16 anos. Depois de quebrar o pé esquerdo jogando rúgbi, ele foi diagnosticado com um tumor na medula espinhal – descoberto porque os médicos queriam saber a razão de o menino não sentir dor na fratura. A bandagem lhe causou múltiplas infecções no pé e na perna e, depois de meses se submetendo a cirurgias na tentativa de se curar, Colin foi finalmente convencido de que a amputação seria a melhor alternativa. Caso contrário, teria grandes chances de acabar em uma cadeira de rodas.
Seis meses depois de ter metade da perna removida, ele já estava de volta à vida ativa, esquiando. Colin também passou a pedalar de mountain bike por diversão. Só que em 2007, ao se ver bem acima do peso ideal, achou que era a hora de comprar uma bicicleta e começar a treinar a sério.
Perdeu quase 40 kgs em três meses, e o que era para ser um processo gradual revelou-se na verdade uma mudança radical no estilo de vida. Em pouco tempo, eventos não competitivos perderam completamente o sentido para ele, que ao assistir pela TV ao sucesso dos britânicos nos Jogos Paralímpicos de Pequim, em 2008, pensou: “Eu também posso fazer isso”.
Três anos depois, Colin se tornaria campeão mundial de paraciclismo em contrarrelógio. Em seguida faturou o mundial também no velódromo, na disputa de perseguição individual. Em Londres, em 2012, a frustração tomou conta quando deixou escapar, por duas vezes, uma inédita medalha paralímpica: uma no velódromo, por um décimo de segundo, e outra ao se acidentar logo na primeira curva da prova de estrada. Como para ele tudo é uma questão de “ajuste”, o atleta se redimiu no Rio com a conquista da medalha de prata na disputa de contrarrelógio. E agora já foca no futuro. “Espero finalmente conseguir ganhar o ouro em Tóquio, daqui a quatro anos”, como revela na entrevista a seguir.
“O Recorde da Hora não é muito diferente das disputas de contrarrelógio (minha prova favorita), especialmente as mais longas, de 40 km. A diferença é basicamente ter que usar uma bike de marcha única e manter o ritmo constante durante o tempo inteiro. Para essa tentativa, não fiz nenhum treino especial, apenas apareci no dia marcado e pedalei. Tenho muita experiência em velódromo e, além disso, foi logo depois da Rio 2016 – nem tive tempo para treinar.”
“Curtos as competições de contrarrelógio de estrada porque elas exigem bastante dos meus pontos fortes, que são resistência física, postura aerodinâmica e capacidade de sofrer por um longo período. É uma prova em que você tem que ser inteligente e disciplinado, mas é possível errar, se recuperar e ainda vencer. Já na pista você não pode cometer um vacilo sequer.”
“Acho que posso melhorar muito a minha marca do Recorde da Hora. Espero que alguém queira superá-la em breve, e de qualquer forma tentarei ser ‘perfeito’ em uma próxima vez, provavelmente no ano que vem. Entretanto esse desafio é sofrível e, definitivamente, não vou querer fazê-lo todos os anos.”
“O esporte não é só uma maneira de se ficar mais forte fisicamente, mas mentalmente também. Quando você enfrenta uma deficiência física, ter a cabeça boa faz toda a diferença para continuar curtindo a vida.”
“Até hoje a minha relação com a bicicleta vai além das competições. Gosto muito de pedalar para conhecer um país novo, por exemplo. No Rio de Janeiro, um dia depois do fim das competições, peguei minha bike e fui dar um rolê para relaxar. Conheci uns mirantes da cidade e vi pessoas, sem precisar me preocupar com nada.”
“No meu caso, ter 45 anos de idade e conseguir competir em alto nível se deve, em parte, às escolhas certas que fiz durante a vida, de querer cuidar da saúde a treinar corretamente. Mas a realidade é que o paraciclismo não conta com a mesma quantidade de atletas do ciclismo regular – ainda faltam patrocinadores e investimentos – e só por isso não é dominado por ciclistas mais jovens.”
“Como um verdadeiro competidor, eu não fiquei feliz com meu desempenho nas Paralimpíadas do Rio. Investi duro na minha preparação e sabia que poderia ganhar uma medalha de ouro. Além disso, achei que conquistaria uma medalha em pista, algo que não aconteceu. Porém, considerando que deixei Londres zerado de medalhas, eu melhorei.”
“Nunca tive um grande ídolo no ciclismo, apesar de virar fã do [norte-americano] Greg LeMond ao assisti-lo no Tour de France de 1986, o primeiro que acompanhei. Hoje vibro com o [suíço] Fabian Cancellara, que venceu a última prova olímpica de contrarrelógio, e também gosto de ver o [eslovaco] Peter Sagan e o [alemão] Tony Martin em ação.”
“No momento, estou me preparando para a temporada 2017. Meu principal objetivo é vencer o Campeonato Mundial de Paraciclismo, que será em setembro, na África do Sul. A longo prazo, espero finalmente conseguir ganhar o ouro olímpico em Tóquio, em 2020.”