Tanques em que as pessoas flutuam na água como se estivessem no espaço estão cada vez mais populares entre esportistas norte-americanos. Será esse o próximo marco do treinamento psicológico para atletas?
Por Peter Vigneron
EM FEVEREIRO PASSADO, a ciclista californiana Evelyn Stevens, de 33 anos, bateu o Recorde da Hora na categoria feminina em um velódromo de Colorado Springs (EUA). O tal recorde estabelece a maior distância percorrida em uma bicicleta no período de 60 minutos. Evelyn, ex-especialista em fundos de investimentos de Wall Street que se tornou atleta profissional e competiu nos Jogos Olímpicos de 2012, tem anos de experiência no ciclismo e estava acostumada ao esforço mental exigido pelo esporte de alta performance. Mas o controle psicológico de um ciclista é levado ao limite quando ele pedala contra o relógio em uma pista: medidores de potência não são permitidos, não há quase som algum e nenhum outro atleta ao lado. “Foi, acima de tudo, um desafio para minha mente”, conta ela. “Você está lá totalmente sozinha. Se falhar, falha sozinha.”
Alguns meses antes, o marido da atleta tinha lido um artigo sobre Stephen Curry, armador do time norte-americano de basquete Golden State Warriors e jogador mais valioso das duas últimas temporadas da NBA. Stephen ficara fascinado com uma nova onda na área de treinamento esportivo: os tanques de isolamento. Originalmente chamados de “tanques de privação sensorial”, eles são uma espécie de cápsula de 2,5 metros por 1,5 metro, parcialmente cheia de água salgada na mesma temperatura corporal do indivíduo que lá vai boiar. Do lado de dentro, a pessoa fica privada de visão, audição e tato. A prática é comparada à flutuação no espaço e acredita-se que leve a uma experiência meditativa poderosa. “Quando entro no tanque, somos apenas eu e meus pensamentos durante uma hora, jogando uma roleta russa mental”, revelou Stephen revelou à ESPN, no ano passado.
O spa de flutuação preferido de Stephen fica pertinho da casa de Evelyn, em São Francisco, e durante seus treinos para a tentativa do Recorde da Hora a ciclista decidiu fazer visitas regulares ao tanque. “Geralmente, quando você está sofrendo – como quando está pedalando –, só pensa que quer acabar logo com aquilo”, diz ela. Quanto mais tempo passou no tanque, mais presente ela acredita ter estado nos treinos puxados. “Agora quero encarar o esforço e vencê-lo cada vez melhor.” Em seu teste de uma hora, Evelyn completou 47,97 km, quebrando a marca anterior em quase 1,6 km.
Se o treinamento psicológico é a próxima tendência para atletas de elite, a flutuação está na vanguarda dessa onda – ainda que não seja exatamente algo novo. O neuropsicólogo norte-americano John C. Lilly começou a realizar experimentos com tanques nos anos 1950. Nas décadas seguintes, várias pesquisas estudarem se a flutuação poderia ser usada como tratamento para diversos transtornos psicológicos.
Na década de 1980, Peter Suedfeld, psicólogo da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, descobriu que os tanques de isolamento melhoravam a performance de atletas de basquete, tênis e tiro ao alvo, possivelmente porque ajudavam a afastar distrações. “Na sociedade moderna, estamos sujeitos a níveis muito altos de estímulos, tanto físicos quanto sociais”, diz Peter. “A intensidade com que as pessoas são bombardeadas é mais alta do que estão preparadas para suportar.” A redução dos estímulos, explica o psicólogo, dá a nós a oportunidade de relaxar e processar o que está ocorrendo internamente.
A flutuação perdeu popularidade nos anos 1980, em parte devido ao surgimento da Aids, porque se temia que os tanques de água pudessem facilitar a transmissão da doença. Cerca de 30 anos depois, entretanto, à medida que os cientistas estão tendo uma ideia mais precisa de como a flutuação pode afetar o cérebro, a prática está ressurgindo, liderada por atletas.
O psiquiatra Martin Paulus, presidente e diretor científico do Laureate Institute em Oklahoma (EUA) e que estuda transtornos psiquiátricos, acredita que a flutuação reduz a sensibilidade a estímulos emocionais na amígdala, a área do cérebro responsável pelo medo e pelo stress. “A amígdala cerebral é altamente reativa a fatores externos – como quando alguém olha você de um jeito estranho ou quando se ouve um som amedrontador”, diz Martin. Esse tipo de stress é positivo quando o cara olhando para você está prestes a roubar sua carteira, do contrário é contraproducente. O psiquiatra defende que atletas com amígdala menos reativa podem ser melhores em pensar racionalmente quando se machucam ou algo coisa sai errado. “Isso ajuda a decidir o que se precisa fazer em uma situação que sai da normalidade”, diz.
Ainda não está claro quanto exatamente de flutuação é necessário para afetar a amígdala. “As pesquisas ainda estão em estágio inicial”, diz Martin. Justin Feinstein, pesquisador do Laureate Institute, em breve irá publicar dois estudos de ressonância magnética que mostram as mudanças na amígdala após passar algum tempo no tanque. Dados iniciais sugerem que a flutuação diminui a reatividade emocional.
Também não se sabe quando é melhor flutuar ou com que frequência. Evelyn flutuou por 60 minutos uma vez por semana, durante a preparação para o Recorde da Hora, enquanto atletas de outros esportes utilizam o tanque principalmente para relaxar após competições ou viagens longas. “Há evidências de que flutuar, seja lá como funcione, vai além da flutuação em si”, diz Martin. Se isso quer dizer que os atletas devem entrar no tanque todo dia, toda semana ou todo mês, aí já é uma aposta individual.
Para Evelyn, flutuar não foi algo adotado com foco no Recorde da Hora ou mesmo nas competições de bike. “É sempre interessante ver para onde sua mente vai”, diz ela. “Uma das coisas que aprendi com meu psicólogo esportivo é que não vou conseguir bloquear os pensamentos malucos que invadem minha mente. O negócio é mais tipo ‘ok, eles existem, deixe-os passar. Não se apegue’.” Ao que parece, a flutuação é um jeito ótimo de praticar isso.
Meditação x flutuação
AS DUAS PRÁTICAS parecem acalmar áreas do cérebro que reagem a estímulos de medo ou excitação, o que pode ajudar atletas a tomarem melhores decisões em situações de stress. Mas há diferenças. Cientistas que estudam a meditação observaram alterações no córtex insular e no cingulado ventral anterior – regiões que, de acordo com o psiquiatra Martin Paulus, mantêm sob controle a amígdala, responsável pela resposta ao stress.
A flutuação, por outro lado, reduz a atividade na própria amígdala. Para pessoas que geralmente se sentem superestimuladas, a flutuação pode ser mais eficiente. Se você se pega em pensamentos recorrentes com frequência, a meditação tende a ser uma escolha melhor. Norman Farb, psicólogo que estuda meditação na canadense Universidade de Toronto-Mississauga, diz que, embora as duas técnicas sejam úteis para administrar o stress, existe uma grande vantagem em ficar sentado, em vez de flutuar em um tanque: “A meditação é mais portátil e prática”.
(Matéria publicada na Go Outside de julho / 2016 – edição nº 131)