Mais novo campeão mundial júnior, o carioca Lucas Silveira, de 20 anos, mostra por que é uma das grandes promessas do surf brasileiro
Por Kevin Damasio
“MANTENHA A FRIEZA. Pense que é algo normal, que tu sempre faz isso.” Em janeiro, as palavras do pai nunca ecoaram tão intensas na mente de Lucas Silveira. O carioca, então com 19 anos, estava embalado no Mundial Pro Júnior, disputado em Ericeira, em Portugal. E fazia adversários considerados favoritos, como o havaiano Kanoa Igarashi, assistirem de perto às suas performances impecáveis, de estilo fluído e agressivo em sintonia com as ondas de Ribeira D’Ilhas. Após cada bateria vencida, traços instantâneos de euforia davam espaço ao foco. Com isso, sua autoconfiança aumentava.
“Ninguém vai se lembrar que eu ganhei uma nota dez no terceiro round, mas não esquecerão de quem venceu o campeonato”, pensava ele. Em sua percepção, para se sagrar campeão mundial júnior a concentração teria de ser a principal aliada – e ele estava certo. No dia 13 de janeiro, na final contra Timothee Bisso, da caribenha ilha Guadalupe, Lucas repetiu a dose. Dominou o duelo do início ao fim, conquistando o título mais importante da carreira.
Foi a consagração de uma temporada constante, porém até então sem grandes resultados. O terceiro lugar no QS (a divisão de acesso à elite) de Mar del Plata, na Argentina, e o quinto em Lacanau, na França, haviam sido seus pontos altos. Entretanto eram etapas que somavam poucos pontos no ranking – e isso o deixava frustrado. Classificou-se para o Mundial Pro Júnior por estar entre os dois melhores da categoria no ranking final do QS (104º colocado), assim como o paulista Deivid Silva. Contudo, se não chegasse à semifinal em Ericeira, Lucas provavelmente ficaria de fora das etapas de nível máximo do circuito, nas quais o campeão arremata 10.000 pontos. Dessa forma, o sonho de se classificar para a elite mundial seria adiado.
O que aconteceu, afinal, para que Lucas tivesse um desempenho avassalador? “Eu mudei meu pensamento. Fiquei mais confiante. Acreditei. Botei na minha cabeça que ganharia”, conta o carioca, de volta ao Havaí dois dias após o feito. “Para ir bem em um campeonato, o mais importante é ficar de boa consigo mesmo. O aspecto físico todo mundo tem em comum. O que faz a diferença são as partes mental e espiritual.”
Agora com 20 anos, Lucas atribui essa transformação de pensamento às experiências e aprendizados de uma vida inteira, que, ao longo de uma estrada cheia de bifurcações, de certa forma lhe apontavam os caminhos certos. Um fator crucial para que isso ocorresse tem nome, sobrenome e apelido: Leandro Dora, o “Grilo”, treinador de Lucas e também do atual campeão do mundo, Adriano “Mineiro” de Souza.
O Mundial Pro Júnior começara em outra onda, mais fraca que a de Ribeira D’Ilhas, e isso desmotivava o garoto. “Pô, não vai ser a bateria que a gente esperava”, dizia a todo instante. Até que Grilo botou na cabeça de Lucas que ele tinha condição de ganhar, independentemente do tipo de mar. Em seguida, orientou: “Pensa no teu objetivo final. O caminho não dá para prever, então é preciso estar pronto para qualquer situação.” Depois do conselho, as reclamações cessaram, e Lucas sentiu claramente uma mudança de mentalidade. “Eu passei a visualizar que seria campeão mundial.”
FORÇA, VIRILIDADE e disciplina foram virtudes que Alexandre Silveira identificou desde cedo no terceiro dos quatro filhos. “Sempre tive certeza de que o Lucas teria sucesso no surf profissional”, conta o pai, de 60 anos. Na infância no Rio de Janeiro, Alexandre queria ser surfista. Como encontrava forte resistência por parte da mãe, desistiu e dedicou-se ao voo livre. O interesse pelo surf era nutrido pelas aventuras do amigo Pepê Lopes, uma lenda tanto como surfista quanto na asa delta.
Lucas tinha 8 anos de idade quando começou a pegar onda com os irmãos. No início era pura diversão, mas logo pegou gosto e passou a encarar o esporte com seriedade. Aos 9, em 2005, ele embarcou para o Panamá, em sua primeira surf trip internacional, além de estrear nas competições. Aos 11, já tinha no bico da prancha o adesivo da Quiksilver, seu primeiro patrocínio principal.
Paulo Kid e Piu Pereira procuravam o próximo talento carioca para ser patrocinado pela marca, e Lucas acabou escolhido. “O que percebi logo no começo é que seu surf refletia um pouco da personalidade calma, tranquila, então sugeri um trabalho de explosão”, recorda Kid, treinador de 48 anos e que, desde a contratação, o acompanhou em treinos, viagens e campeonatos. “O ponto forte do Lucas sempre foi a atitude quando o mar subia. Desde os 12 anos ele é um garoto atirado.”
Nesse meio tempo, a família Silveira mudou-se para Florianópolis, em 2007. Alexandre logo procurou Leandro Dora, a fim de realizar um trabalho de treinamento de surf com o filho, então com 11 anos. “Ele já tinha um surf bem firme e maduro para a idade”, observa Grilo, hoje com 45 anos.
O treinador recorda até hoje como foi a primeira conversa com o “cobaia” de seu programa Aprimore Surf. Grilo quis saber o que o menino mais almejava no esporte. “Meu objetivo máximo é ser um atleta do WCT”, respondeu Lucas. Naquela época, anterior à geração conhecida como “Brazilian Storm” (Tempestade Brasileira, em tradução livre), um brasileiro entrar para a elite mundial já representava uma grande conquista. Mas Grilo foi além: “Vamos mudar esse objetivo para ser campeão do mundo?”. Na tréplica, um sorriso largo no rosto e um “vamos nessa!” ditaram o rumo do trabalho dali em diante.
A evolução de Lucas foi catalisada graças as numerosas viagens para fora, em busca de ondas de alto nível, tubos, pointbreaks, fundos de pedra e de coral. Califórnia, Havaí, África do Sul, México, Austrália, Indonésia, Fiji, Teahupo’o (Taiti) e por aí vai. Já fez mais de uma centena de trips, hoje financiadas em parte pela Pena, sua patrocinadora principal, e também pela família. “Isso dá uma bagagem fundamental para atletas que querem estar no topo”, observa Grilo.
DESDE PEQUENO, Lucas quis surfar bem em qualquer condição, de marolas a mares gigantes. Sua próxima fronteira tem sido Jaws, o pico da ilha havaiana de Maui, sensação do momento no big surf. O carioca tinha 17 anos quando encarou pela primeira vez a onda também conhecida como Pe’ahi.
Nesse inverno de El Niño, Jaws não parou de bombar e redefinir os limites do possível. Lucas, que acabara de surfar um mar de 20 pés (6 metros) em Waimea, decidiu voar de Oahu para Maui e enfrentar, apenas com a força da remada, bombas que ultrapassavam 50 pés (15 metros).
No dia 27 de janeiro, o cenário era desafiador. Mar gigante, vento intenso. Alguns cascas-grossas nem caíram na água. Outros não conseguiram dropar nenhuma bomba. Mas as circunstâncias cabreiras não pararam Lucas. “Peguei duas ondas, as maiores da minha vida até agora. Também tomei dois dos piores caldos”, conta. No dia 12 de fevereiro, Lucas retornou a Pe’ahi, conseguindo entubar para a direita pela primeira vez na vida.
Carlos Burle, 48 anos e lenda no surf de ondas grandes, está otimista em relação a essa atual e destemida safra de brasileiros, formada também por Lucas Chumbinho, Lapo Coutinho, Pedro Calado – que beiram os 20 anos – e Felipe Cesarano e Pedro Scooby, mais experientes. Com o nível cada vez mais elevado, o pernambucano acredita que só “sobreviverão” e se tornarão atletas de ponta os mais corajosos e fortes física e psicologicamente. Com 1,84 metro de altura, 84 quilos e um foco ímpar, “o Lucas tem essas características”, analisa Burle. “É um cara que vem do surf de competição, de ondas normais, faz manobras radicais, modernas, tem biotipo.”
Às vésperas de embarcar para Portugal, os Silveira convidaram Adriano de Souza e a esposa, Patrícia, para um jantar. Mineiro acabara de ser campeão mundial e, durante as conversas com Lucas, procurou aconselhá-lo e incentivá-lo ao máximo para o Mundial Pro Júnior.
A dupla já se encontrara algumas vezes ao longo da temporada. Em seu décimo ano seguido na elite mundial, Mineiro estava mais focado do que nunca para concretizar o sonho do título máximo do surf. Lucas conta que o aprendizado que extraiu nesses encontros teve um impacto direto em sua conquista em Ericeira.
Na temporada havaiana, em dezembro, Lucas e Grilo estavam na mesma casa. Mineiro sempre almoçava, treinava e surfava com eles. Com isso, o garoto acompanhou de perto sua preparação, movimentações e estratégias para o Pipeline Masters, etapa derradeira e decisiva do circuito mundial. Adriano define Lucas como um surfista dedicado, focado em pegar ondas boas e com um estilo próximo ao de Mick Fanning, australiano tricampeão do World Tour. “Como atleta, acho que ele é o mais preparado da nova geração”, aposta.
“O que normalmente os brasileiros tem de ponto forte, eu tinha de ponto fraco”, reconhece Lucas. “Tive que treinar bastante para melhorar nas ondas do Brasil.” O desafio era surfar com vontade na marola e em condições ruins. É um cenário bem diferente do encontrado no World Tour, mas frequente na divisão de acesso.
Enquanto no World Tour há 32 atletas competindo em ondas perfeitas, no QS são 100 surfistas tão determinados quanto os da elite mundial, mas em mares complicados. “No ano passado, as únicas etapas que deram ondas boas foram em Saquarema e no Havaí. No resto, só marola”, recorda ele.
Para essa temporada, Lucas conta que seu plano é ir com tudo no QS, para se classificar para a elite. A vontade de concretizar o objetivo aumenta quando ele observa que os dez brasileiros no WT são seus amigos. “Se tudo der certo, ano que vem terão mais alguns ali – e espero ser um deles.”
Pensamento focado no objetivo final, construindo, passo a passo, a estrada até ele. É isso que Lucas Silveira carrega em sua mente. Ele vestirá a lycra para somar pontos no QS. Em paralelo, embarcará em surf trips para ondas perfeitas, a fim de lapidar o conhecimento em picos do “Tour dos Sonhos”. “Meu maior objetivo é ser campeão mundial, mas uma coisa de cada vez. Primeiro, focar em entrar na elite. Quando conseguir, aí, sim, traçar outros planos para brigar pelo título”, conclui o novo prodígio da atual geração de ouro do surf brasileiro.