Por Berne Broudy
NO ANO PASSADO, o norte-americano David Crane decidiu tirar férias de quatro meses. Mas, em vez de alugar uma casa na praia ou passar o verão surfando e praticando ioga em Bali, ele viajou para o Sudão. Lá se encontrou com outros 36 ciclistas – clientes da operadora Tour d’Afrique, do Canadá – e pedalou 12 mil quilômetros em nove países, acampando no mato até chegar à Cidade do Cabo, na África do Sul. “Eu amei e odiei”, diz David, de 20 anos. “Foi muito treta. Eu ficava apavorado de subir na minha bike na maioria dos dias. Ao mesmo tempo, foi totalmente sussa, em termos de logística. Era só acordar e pedalar.”
Roteiros de bike que cruzam continentes, acampamentos rústicos para se aprender mais sobre sobrevivência na selva e ultracorridas com guias para ajudar no percurso: férias repletas de emoção e agonia são atualmente uma das tendências mais quentes da indústria de viagens. “O número de pessoas em busca de férias exigentes física, mental e emocionalmente está aumentando”, diz Shannon Stowell, presidente da Adventure Travel Trade Association, uma associação criada nos EUA e que reúne diversos setores do turismo para incentivar viagens de natureza mais sustentáveis e inovadoras. “Cruzeiros marítimos e excursões para o Caribe não estão mais na moda.”
Estimular nosso lado mais doidão, aventureiro e desbravador é o objetivo do que a indústria de viagens vem chamando agora de “diversão tipo dois”: experiências que te fazem amaldiçoar o guia ou a agência que criou o passeio, mas que no final são recompensadoras. As atividades são variadíssimas e incluem desde circunavegar a Sierra Nevada da Espanha de mountain bike (passeio oferecido pela H+I Adventures, da Escócia) até caminhar durante 25 dias no Butão (com a Wander Tours, dos EUA). “Em parte, a atração das pessoas por esse tipo de viagem tem a ver com uma certa demonstração de força e superação”, diz Michael Sadowski, especialista em redes sociais da Intrepid Travel, operadora de turismo australiana que tem registrado um aumento no interesse de clientes por seus trekkings de várias semanas em lugares como o Nepal e o Peru. “As pessoas querem fazer algo que não aparece toda hora no mural de suas redes sociais, mesmo que isso signifique passar perrengue.”
Para Euan Wilson, proprietário da agência H+I e que guia roteiros de longa distância de mountain bike, o interesse das pessoas por esse tipo de passeio vai muito além de elas poderem se gabar de fazer algo inusitado. A atração nasce principalmente da possibilidade de ver um lugar de forma diferente e ir além dos limites físicos e mentais. “As pessoas querem uma aventura, não apenas férias”, diz.
Em 2002, Henry Gold, fundador da Tour d’Afrique, estava em busca de uma aventura para si próprio. Agora com 63 anos, ele passou uma década trabalhando no desenvolvimento de projetos na África, mas queria um novo desafio. Então, com a ajuda de um amigo, decidiu guiar uma viagem de bike do Cairo, no Egito, até a Cidade do Cabo, na África do Sul. Depois de uma reportagem ter sido publicada no jornal canadense Globe and Mail, mais de 30 pessoas se inscreveram para sua pedalada de 120 dias e dez países. “Na primeira viagem, não tínhamos comida suficiente, a água era escassa e houve vários casos de diarreia”, conta Henry. “O pedal era duro todos os dias. Mas não desistimos.”
Um quarto dos clientes que participaram do primeiro rolê voltou para outra expedição de quatro meses, desta vez com um caminhão de apoio, um médico e uma estrutura básica de camping. Muitos deles lançaram-se no que o Tour d’Afrique chama de Sete Épicos – pedaladas pelos sete continentes (atualmente Henry está desenvolvendo um roteiro de fat bike, aquelas bicicletas com pneus bem grossos, pela Antártica). À semelhança de outras agências oferecendo roteiros-perrengue, a taxa de participação na Tour d’Afrique tem crescido aproximadamente 15% ao ano.
A Intrepid viu um aumento de 195% em sua lista de clientes para o trekking até o campo-base do Everest, e as viagens da Trek Travel’s Avid, que incluem grandes expedições de bike pelos Estados Unidos ou pelos mesmos percursos do Tour de France, estão crescendo aproximadamente 20% ao ano. “Quando você escolhe esse tipo de experiência, transcende seus limites, aventura-se no desconhecido e amplia seus horizontes de vida”, conta Henry. São palavras que soam como as de um daqueles caras que dão palestras motivacionais. Mas os clientes de Henry tendem a concordar com ele.
A executiva norte-americana Shirley Frye, de 57 anos, que pedalou a Trans-Oceania da Tour d’Afrique no ano passado e vai participar do South American Epic em breve, diz que esse tipo de sofrimento possibilita um nível de imersão que outras viagens não conseguem proporcionar. “Quando se dá duro de verdade, física ou emocionalmente, você vai além do que acreditava ser possível na sua vida”, diz ela. Além disso, aventuras assim rendem histórias que dificilmente uma amiga ou mural do Facebook conseguirá igualar.
Dorzinha boa
Cinco roteiros para te fazer sofrer e sorrir ao mesmo tempo DIFICULDADE 3 PEDALADA BRABA PELA ROTA DA SEDA DIFICULDADE 5 TRAVESSIA DA GROENLÂNDIA DIFICULDADE 5 CORRIDA NO KILIMANJARO DIFICULDADE 3 * Os preços não incluem a parte aérea até o local de início do roteiro.
NA ADRENA: Com agências como a escocesa H+1 Adventures, dá pra passar as férias em trilhas como esta, na Nova Zelândia
(Foto: H+1 Adventures/Divulgação)
ESTRADA INFINITA: Pedal na rota da seda (Foto: Micah Markson)
NUMA FRIA: Snorkel na Antártida (Foto: Steve Boyd)
À BORDO: Barco à vela na Ilha do Fogo (Foto: Jordi PLana Morales)
SOBREVIVÊNCIA EM ILHA DESERTA (BELIZE)
Depois de uma semana de treinamento, nade até uma ilha de Belize após um acidente aéreo de helicóptero, daí cace sua própria comida, construa seu abrigo, aprenda a tirar o sal da água e sobreviva até ser “resgatado”. US$ 2.272*; bushmasters.co.uk
RISCO 3
Pedale 12.200 quilômetros pela Ásia durante quatro meses e meio, por uma antiga estrada da histórica Rota da Seda, desde Xangai, na China, até Istambul, na Turquia. A agência Tour d’Afrique diz que é a expedição comercial mais longa, dura, quente e fria já oferecida por uma operadora. US$ 21.300; tourdafrique.com
RISCO 4
Atravesse 540 quilômetros de uma Groenlândia congelada durante um mês em esquis cross-country, rebocando todo seu equipamento em um trenó, dormindo em barraca e aprendendo a afugentar ursos polares. US$ 16.667; mountainguides.is
RISCO 3
Participe de uma “corrida divertida” de 260 quilômetros e vários dias ao redor da montanha mais alta da África, visitando comunidades locais pelo caminho. US$ 2.125; nomadicexperience.com
RISCO 2