Por Verônica Mambrini
A BOA E VELHA PRACINHA está cada vez mais rara. Nas grandes cidades brasileiras, cada metro quadrado de terreno ainda não construído vale muito e é disputado ferozmente por incorporadoras em busca de locais para erguer um novo empreendimento imobiliário. Sobra pouca área para lazer ou apenas para curtir uns momentos de ócio. Na contramão dessa escassez de espaços públicos, uma ideia em forma de “oásis urbano” está ganhando mais e mais adeptos: e se, em vez de garantir vagas para carros, a comunidade elegesse um pedacinho de rua para uma minipraça, com bancos e sombra para relaxar e ver a vida passar? Este é o conceito do parklet, que começa a pipocar aqui e ali nas ruas de São Paulo e outras capitais do país, depois de conquistar defensores nos Estados Unidos e na Europa.
O parklet é montado em uma ou mais vagas de automóveis na rua. Geralmente, a área é decorada com deques de madeira, cadeiras e paisagismo. Podem ainda ser adornadas com paraciclos (para estacionar bikes), mesinhas e cadeiras, guarda-sol e até aparelhos para atividade física. O importante é que a área seja um espaço de convivência pública, aberto a qualquer um que esteja passando. A pioneira dessa ideia foi São Francisco, na Califórnia. Hoje há lista de espera para obter permissão para instalar um parklet por lá.
Não espanta a iniciativa ter aparecido em São Francisco: foi ali que surgiu a Critical Mass (massa crítica), que organiza rolês de bike na última sexta-feira de cada mês com o objetivo de chamar a atenção das pessoas para temas como mobilidade. Foram esses eventos que inspiraram posteriormente as Bicicletadas no Brasil e movimentos semelhantes em muitas cidades pelo mundo, incluindo o tema de mobilidade urbana sustentável na agenda dessas metrópoles. “Lembremos que um lugar como a avenida Paulista, a mais famosa de São Paulo, não conta com bancos para as pessoas sentarem”, diz Lincoln Paiva, presidente do Instituto Mobilidade Verde, uma organização que defende a mobilidade como meio de desenvolvimento urbano e social e que ajudou a trazer o conceito de parklet ao país. “Temos problemas sociais, ambientais e econômicos jamais discutidos por trás disso. Como São Paulo não possui instrumentos bons para lidar com a população em situação de rua, é mais fácil não ter bancos para ninguém. No Brasil, o parklet levanta essa questão também, porque mostra que é possível discutir o uso e alterar a função da via, inspirando outras mudanças que a cidade precisa.”
São Paulo abraçou a ideia. Em abril, o prefeito Fernando Haddad assinou um decreto que regulamenta essas instalações nas ruas. A partir de então, grupos de amigos e estabelecimentos comerciais foram tomando gosto pela ideia. Os restaurantes já perceberam o potencial dos parklets, entre eles o Pita Kebab, no bairro paulistano de Pinheiros. Piero Mazzamati, dono do restaurante, tem um parklet em frente a seu negócio. “A maioria das pessoas está usando e gostando. A cidade está passando por uma transformação, com as novas ciclovias e corredores de ônibus. Somos carentes de espaços como o que o parklet oferece”, afirma. “É uma chance de mudar um pouco São Paulo, além de criar um espaço bonito e agradável para meus fregueses.”
Em vários lugares mundo afora, os parklets não trouxeram apenas novas áreas de lazer; eles ajudaram a movimentar o comércio ao redor. Segundo a pesquisa “Measuring the Street”, feita pelo Departamento de Trânsito da cidade de Nova Iorque, houve um aumento de 14% nas vendas em lojas onde há parklets.
OS PARKLETS SÃO UMA EVOLUÇÃO do chamado “Parking Day”, que, no Brasil, é conhecido como Vaga Viva. “Vaga viva é uma ocupação de um dia, uma intervenção rápida e temporária feita pela comunidade. Já o parklet é uma intervenção permanente, com mobiliário urbano mais estruturado. Porém a discussão é a mesma: o uso mais igualitário do espaço público”, diz Lincoln. Mais práticas, as vagas vivas já passaram por cidades como Rio de Janeiro, Aracajú, Florianópolis, Brasília, Curitiba e Porto Alegre.
Essas estruturas temporárias acabam sendo um bom laboratório para mostrar as vantagens da intervenção. Cadeiras de praia e um guarda-sol já são suficientes para um grupo de vizinhos testar o “potencial” de uma vaga para se tornar um espaço mais permanente. “No lugar de dois carros, colocamos 400 pessoas no mesmo espaço ao longo de um dia”, diz Lincoln. “Tivemos contato com a ideia em 2010, quando o Instituto Mobilidade Verde viajou a convite da prefeitura de São Francisco para conhecer projetos de mobilidade urbana que eles estavam desenvolvendo por lá. O primeiro parklet havia acabado de ser instalado numa avenida em frente a um café”, conta Lincoln.
Nas primeiras conversas com a prefeitura de São Paulo, há quatro anos, a ideia era encarada como exótica e impossível. Só depois é que o tal “exotismo” passou a ser visto com uma saída simples para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. A primeira experiência foi feita em 2013, com boa aceitação da população, e a prefeitura de São Paulo institucionalizou a ideia, transformando o parklet em um instrumento urbanístico da cidade. Qualquer um pode adotar uma vaga e criar um parklet na capital, seguindo as regras do manual disponível no site do governo municipal.
Pelo mundo, cada cidade dá seu toque local à ideia. Em Los Angeles, nos Estados Unidos, um trecho de rua foi fechado para os carros e recebeu mesas com guarda-sol, uma cesta de basquete e uma improvável e divertida pintura de bolinhas verde-limão no chão. O projeto foi implementado como um teste de baixo custo, de forma temporária, e deve ser renovado. Em Montreal (Canadá) e Portland (Estados Unidos), alguns parklets estão sendo implantados como uma extensão de cafeterias, com serviço no deck externo. Em Vancouver, no Canadá, outros são mantidos pela prefeitura, em vez da iniciativa privada.
Apesar da facilidade de permitir que qualquer pessoa implemente um parklet, o investimento ainda pode ser um fator restritivo. Os primeiros a serem instalados foram feitos com materiais duráveis e de primeira qualidade, com custos entre R$ 30 mil e R$ 80 mil. Para tornar o parklet mais acessível, um grupo de arquitetos e ativistas brasileiros está trabalhando em um protótipo para tornar a ideia mais pop. “Estamos desenvolvendo um parklet de baixo custo, em módulos. O projeto vai ficar disponível em Creative Commons (licença de uso sem fins lucrativos). Isso facilitará a vida de um morador sem carro que queira transformar a porta de casa numa pracinha, sem precisar de um investimento alto”, diz a arquiteta e urbanista Laura Sobral. Que essa ótima ideia se espalhe por muitas e muitas cidades do Brasil.
Rua para todos
Que tal criar uma vaga viva de uns dias na sua vizinhança?
> Pesquise na sua cidade se é preciso pedir autorização para a prefeitura para ocupar uma ou duas vagas de carro na sua vizinhança por um período curto de um dia ou um final de semana.
> Se for necessária autorização, apresente ao órgão responsável um esboço do que planeja fazer, ressaltando que a área será aberta a quem quiser participar.
> Pense em uma ocupação prática, que não demande muito dinheiro ou trabalho prévio. Umas cadeiras de praia, esteiras para forrar o chão e uns vasos bonitos cumprem bem a função.
> Avise os vizinhos com antecedência e convide-os para aproveitar a vaga viva todos juntos. Lembre-se que a ideia principal tanto das vagas vivas quanto dos parklets é incentivar a convivência em espaços públicos.
UM CARRO A MENOS: Parklet na frente do restauranta Pita Kebab, em São Paulo (Foto: Marcio Alonso)
CARRO NÃO ENTRA: Parklet instalado na Avenida Paulista, em São Paulo (Foto: Marcio Alonso)