Na edição de setembro da revista Go Outside (Ed. 111), publicamos a reportagem "Profissão: Perigo", que apresenta a história de pessoas que, apesar de não serem atletas outdoor, encaram expedientes que exigem altas doses de coragem, ótimo preparo físico e muito espírito aventureiro. Leia abaixo, o perfil de um destes personagens, o Antônio Nascimento que carrega na rotina mergulhos de mais de 200 metros nas plataformas de petróleo.
Por Nina Rahe
ANTÔNIO CARLOS NASCIMENTO ganhou no trabalho o apelido de Zangado. Com 53 anos e há três décadas atuando como mergulhador, o fluminense aprendeu que, em seu trabalho, qualquer descuido pode ser fatal. Talvez por isso a expressão fechada que lhe rendeu a alcunha. Desde que começou a praticar mergulho profundo – no total, já são mais de15 mil horas em profundidades de até 266 metros –, ele perdeu seis colegas de profissão.
Antônio dedica-se à manutenção de plataformas de petróleo, uma das áreas mais arriscadas de quem decide seguir ser mergulhador. As funções mais comuns em sua rotina incluem a instalação de linhas que conectam os oleodutos aos poços. Há ainda afazeres delicados de serem realizados na água, como trocar parafusos pequenos, algo um tanto complexo quando se usa luvas de proteção que atrapalham o tato e dificultam o serviço.
Para cumprir suas metas nessas profundidades, os mergulhadores precisam antes ficar cerca de 28 dias em uma câmara hiperbárica, com acesso apenas a telefone e televisão. É ali que eles passam pela pressurização: por conta da alta pressão, o ar atmosférico, composto por 79% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de outros gases, é comprimido por meio de um processo que substitui o nitrogênio por hélio e diminui da quantidade de oxigênio. Se não fosse isso, na hora do mergulho os mergulhadores poderiam sofrer com o retardamento da transmissão de seus impulsos nervosos. A câmara também ajuda a evitar doenças descompressivas, que podem causar distúrbios de comportamento, lesões na medula e até mesmo a morte.
Isolado do mundo dentro dessas câmeras, Antônio perdeu eventos importantes, tudo em nome do trabalho, entre eles o nascimento de sua primeira filha, aniversários dos outros dois filhos, o enterro de um primo próximo e várias, várias noites de Natal e de ano novo. “O mais difícil, no entanto, é ter de compartilhar com um colega um espaço diminuto de 2 x 5 metros, onde ficam um banheiro, uma sala de estar e um dormitório”, diz ele.
Mesmo diante de tantos riscos e privações, Antônio ama o mergulho profundo, que considera “seguro”: ele explica que todos os seus passos são monitorados – um robô-submarino, chamado de ROV (sigla em inglês para “veículo de operação remota”) filma a atividade e também ajuda a iluminar a área, já que, em profundidades extremas, a luz do sol quase não chega. Apesar desses atenuantes, a profissão de mergulhador profissional está entre as mais perigosas do mundo, segundo órgãos internacionais.
Ironicamente, os maiores sustos da carreira de Antônio aconteceram em águas rasas e envolveram maré alta e ataques de animais marinhos. O mergulhador presenciou, a 15 metros de profundidade, o momento em que uma moreia abocanhou um colega de trabalho. “Foi um susto, felizmente o bicho apenas danificou a roupa de neoprene”, conta. Em outra ocasião, uma onda atingiu a ele e outro mergulhador, empurrando-os para perto da hélice de um barco. Antônio conseguiu se agarrar a um cabo, enquanto o colega se segurou em suas pernas. “Nós ficamos assim até a onda passar. Se eu não tivesse conseguido me segurar, teria sigo pego pela hélice e não estaria aqui para contar a história.”
(Trecho de reportagem publicada originalmente na Go Outside de setembro de 2014)
RISCO: O mergulhador Antônio Nascimento, em foto tirada no Rio de Janeiro
(FOTO: Thiago Diz)
LABUTA: Plataforma onde ele trabalha; e "elevador" que leva mergulhadores ao fundo do mar
(FOTOS: Divulgação)