Eventos na Europa e nos EUA reúnem centenas de pessoas em busca de pôsteres artesanais inspirados na cultura das bikes. Organizadores querem trazer mostra para o Brasil
Por Daniel Santini
TUDO COMEÇOU EM 2007, em Mineápolis, nos Estados Unidos, quando pôsteres sobre ciclismo feitos por artistas locais foram expostos em uma loja de bicicletas. A ideia dos organizadores era reunir cerca de cinquenta pessoas no evento de lançamento. Apareceram quinhentas.
Animados com o sucesso, o grupo formou o ArtCrank (o nome é uma referência à peça que movimenta os pedais e pode ser traduzido por algo como Pedivela da Arte) e, desde então, tem promovido mostras em diferentes cidades norte-americanas e europeias, como Paris e Londres. Sempre procurando valorizar artistas locais, os eventos reuniram, segundo as estimativas dos criadores, mais de 30 mil pessoas no ano passado.
“A gente ama viajar e já tivemos conversas sobre fazer uma mostra em uma cidade como São Paulo. Leva um longo tempo para encontrar as pessoas certas para fazer as coisas acontecerem, e é ainda mais desafiador fazer isso de tão longe ao mesmo tempo em que organizamos os encontros atuais. Meu sonho é fazer um tour mundial da ArtCrank, com mostras em todos os continentes e no máximo de países possível. E se aprendi algo nos últimos oito anos com os festivais é que tudo é possível”, conta, dos Estados Unidos, Charles K. Youel, fundador e diretor de criação do grupo. A pedido da Go Outside, ele selecionou alguns de seus pôsteres favoritos, usados para ilustrar esta reportagem.
Nos encontros são vendidos apenas cartazes artesanais. Tratam-se de exemplares únicos, assinados e numerados, produzidos a partir de técnicas manuais como serigrafia. O preço é sempre o mesmo: US$ 40 (cerca de R$ 90). Parte da renda é encaminhada para ONGs e entidades que fazem trabalhos sociais utilizando a bicicleta como instrumento de transformação, tais como World Bicycle Relief, Livestrong e Bikes to Rwanda. Só em 2013, os organizadores afirmam ter levantado mais de US$ 25 mil para projetos sociais.
“Um dos nossos maiores prazeres e privilégios com esse trabalho é que ele é um catalisador de conversas com pessoas que amam bicicletas e arte em todo o mundo. Nossa experiência de organizar as mostras em diferentes países me faz crer que a ideia por trás do ArtCrank – pôsteres vendidos a um preço acessível, inspirados em bicicletas e feitos por artistas locais – é algo que pode ser trabalhado em qualquer lugar do planeta”, defende Charles. “Eu acredito que o ArtCrank é uma introdução à arte para pessoas que amam bicicletas, e uma introdução a bicicletas para pessoas que amam arte", resume.
Os trabalhos selecionados pelo ArtCranks refletem as mudanças profundas que vêm acontecendo na maneira como as pessoas encaram as bicicletas. "Os americanos viam as bicicletas como algo que somente pessoas magrelas vestindo lycra usavam para se exercitar. Agora, as pessoas estão pedalando para ir para a escola ou trabalho, para fazer compras, sair com amigos ou simplesmente relaxar – tudo que fazíamos quando éramos crianças. É como se de repente a gente tivesse lembrado que pedalar é pura diversão. Temos visto essa transformação refletida nos pôsteres que os artistas criam para as nossas mostras”, diz Charles. Com isso, cada vez mais os pôsteres são inspirados em pedaladas do dia-a-dia e no simples prazer de ver o mundo a partir de uma bicicleta.
NO BRASIL, PÔSTERES SOBRE BICICLETAS têm sido utilizados como um meio de promover o veículo de duas rodas nas metrópoles. “A arte, seja ela uma pintura ou uma performance entre os carros, sensibiliza as pessoas. Ela tem o poder de transformar o olhar do espectador, gera reflexão em meio a uma metrópole que a todo momento força seu olhar para a propaganda, o consumo e a competição”, afirma Valdinei Calvento, o Cabelo, um dos artistas brasileiros que pedala e produz cartazes (alguns deles também acompanham este texto). “Comecei fazendo lambe-lambes para colar na rua e comunicar a presença da bicicleta como transporte. A partir daí fui fazendo uma série de artes com vários outros objetivos, mas o maior de todos é realmente acreditar que a bicicleta tem um papel fundamental na mudança das cidades, por acalmar o trânsito e possibilitar essa reflexão”, completa.
Além de agradar aos olhos, a ideia de unir bicicleta e arte pode também ser uma poderosa ferramenta de comunicação. Nos últimos anos, cartazes têm sido exibidos em diferentes capitais brasileiras para promover desde provas e encontros de ciclistas até manifestações por políticas públicas em favor da bicicleta – as chamadas Bicicletadas ou Massas Críticas. Fora do Brasil, há décadas as principais provas de ciclismo são anunciadas com cartazes pra lá de caprichados. Os mais antigos e raros tornaram-se itens de colecionador e valem centenas de dólares. Dos atuais, destaque para os lindos pôsteres rosas e minimalistas do Giro d’Itália, que já viraram tradição.
No Brasil, com o crescimento do número de ciclistas urbanos, a ideia de promover mostras com artistas-ciclistas locais apresentando e vendendo pôsteres artesanais tem potencial, mas ainda não é uma realidade. Pelo menos por enquanto.
(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2014)
Eliza Southwood (Inglaterra)
Brad Woodward (EUA)
Christopher Raykovich (EUA) Michael Jeter (EUA)
Ross Zietz (EUA)
Cabelo (Brasil) Adam Dedman (França)