Cérebro de campeão

Pesquisas recentes estão ajudando esportistas amadores a treinar a mente para agir como a de atletas profissionais

Por Alex Hutchinson


(Foto: Hannah McCaughey e Michael Karsh)


NEM É PRECISO DIZER que os atletas olímpicos precisam ser fortes, bem preparados e valentes. Mas nada disso importa se não forem capazes de se adaptarem rapidamente a circunstâncias inesperadas. Veja o caso da ex-nadadora eslovena Sara Isakovic. Durante as Olimpíadas de Pequim, em 2008, faltando apenas uma piscina para ela terminar a final dos 200 metros estilo livre, aconteceu um desastre. Sara calculou errado sua virada e, ao estender as pernas para empurrar a parede, mal sentiu os dedos dos pés raspando nos azulejos. “Eu lembro que pensei naquela hora: “Isto não pode estar acontecendo! Por que agora?”, conta Sara, de 25 anos. “Daí, em uma fração de segundos, consegui retomar o foco.” Sob o efeito de uma descarga de adrenalina, a nadadora explodiu no último trecho, conquistando a medalha de prata, batendo o recorde mundial anterior e perdendo o ouro por meros 0,15 segundos.

Atualmente Sara é assistente de pesquisa em psiquiatria da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA. Lá ela trabalha com Martin Paulus, um importante pesquisador de técnicas de treinamento do cérebro que irão permitir ao resto de nós, mortais, desenvolver a agilidade mental de atletas de elite. Segundo Sara, “estamos interessados em como treinar o cérebro para que ele seja forte como o resto do corpo”.

Durante os últimos cinco anos, Martin e sua equipe utilizaram avançados equipamentos de imagem para entender a diferença entre um cérebro “normal” e um ultra-resiliente, ou seja, capaz de superar obstáculos e resistir a pressões. Eles descobriram que, frequentemente, a diferença está na interseção entre duas áreas do cérebro: o córtex insular e o córtex medial pré-frontal, ou CMP. O córtex insular monitora os dados do mundo exterior e do interior do corpo – tensão muscular, níveis de glicose, pressão sanguínea e os níveis de oxigênio no sangue. Enquanto isso, o CMP decide a potência da resposta a esses sinais.

Numa série de estudos iniciada em 2009, Martin e seus colegas fizeram testes com militares conhecidos pela valentia, atletas da elite da corrida de aventura e gente normal em várias tarefas cognitivas enquanto monitoravam sua atividade cerebral em tempo real com um scanner de ressonância magnética funcional. Para oferecer um “estímulo adverso” – uma versão reduzida do estresse que eles enfrentariam ao, por exemplo, deparar com fogo inimigo ou ao pegar uma trilha errada numa competição de vários dias –, os estudiosos às vezes interferiam com a respiração da pessoa, restringindo o fluxo de ar nas máscaras que utilizavam. O grupo estudado sabia que seriam submetidos a alguma sensação tensa, mas não sabiam quando e como. Alguns integrantes entraram em pânico e tiveram que ser retirados da máquina, mas os fuzileiros e os corredores de aventura lidaram facilmente com a situação. Durante a ressonância magnética, eles demonstraram maior atividade no córtex insular imediatamente antes do início da restrição da respiração. Basicamente, eles haviam se preparado para enfrentar uma sensação desagradável. Então, enquanto a situação ocorria, a mesma região do cérebro demonstrou atividade menor e continuou funcionando normalmente. “Esse tipo de preparação e antecipação é essencial”, afirma Martin.

A partir desses resultados, o objetivo passa a ser treinar o cérebro para antecipar-se, e não reagir exageradamente, ao estresse inesperado. Para um canoísta de águas brancas, isso significa permanecer calmo e dar as remadas corretas o ficar preso em um refluxo; para um corredor, significa resistir à dor para manter o ritmo ao final de uma corrida. Martin acredita que o treino de neurofeedback – em que as pessoas sendo testadas tentam alterar seus padrões de resistência cerebral baseados em dados de ressonância magnética em tempo real – não está muito longe. Por enquanto, a técnica mais promissora já é familiar a muitos atletas profissionais: a meditação. O último estudo de Martin envolveu 30 militares voluntários em um treinamento de conscientização, focado em autoconhecimento com raízes em ensinamentos budistas. “Você aprende a monitorar como realmente seu corpo se sente, deixando de lado julgamentos sobre ele”, explica Martin.

No estudo, as “cobaias” humanas participaram de um curso de oito semanas com exercícios básicos de respiração, meditação (sentada e caminhando), ioga e técnicas como “rastreamento corporal”, em que focaram a consciência em cada parte do corpo, desde a cabeça até o dedão do pé. Ressonâncias antes e depois dos testes revelaram que os participantes adquiriram alguns padrões cerebrais que os militares e corredores de aventura haviam demonstrado em experimentos anteriores. E, o mais surpreendente, essas mudanças persistiram até um ano depois do experimento. Os maiores efeitos apareceram no CMP, que modera a resposta do reflexo do joelho a estímulos externos.

É claro que existem muitos caminhos para se atingir o mesmo objetivo. “Há semelhanças entre o estado de consciência plena e o tipo de foco a que os atletas chegam depois de longas horas de treinamento repetitivo”, diz Christopher Bergland, campeão do Ironman e que, em 2004, bateu o recorde mundial de corrida em esteira ao completar 257,5 quilômetros. Esse estado de conscientização o ajudou a expandir seu poder de endurance, diz Christopher. O mesmo ocorreu com Sara, que lapidou suas habilidades esportivas a ouvir o feedback do corpo durante os muitos anos e as incontáveis horas que passou contando azulejos do fundo da piscina de treinamento. Mas, com as ferramentas da neurociência, esse processo pode ser realizado de maneira mais eficiente e acessível, acredita Martin. “Não podemos todos ser atletas olímpicos, isso está claro”, afirma ele. “Mas, se nosso cérebro for treinado corretamente, podemos realizar feitos incríveis, muito além do que a maioria das pessoas imagina.”


(Foto: Hannah McCaughey e Michael Karsh)

Para se pensar

Em uma série de estudos da Universidade da Califórnia, militares norte-americanos utilizaram as técnicas abaixo para melhorar seu desempenho. Adicione-as a sua rotina algumas vezes por semana


Rastreamento corporal: Deitado no chão, foque sua atenção no topo da cabeça. Vá percebendo cada parte do corpo até chegar aos dedos dos pés. Esse exercício pode durar de 3 a 45 minutos.


Consciência respiratória: Sente-se numa posição confortável, no chão ou em uma cadeira, e concentre-se em sua respiração, sem alterá-la. Conte dez respirações. Repita o processo. No início, faça isso por cinco minutos, depois aumente gradativamente o tempo.


Meditação sentada: Expanda seu foco da respiração para outras sensações, como a pressão do seu corpo sobre a cadeira ou o chão. À medida que os pensamentos forem entrando em sua cabeça, observe-os, mas não os julgue ou reaja a eles. Faça isso diariamente por, pelo menos, dez minutos.


Yoga em pé: Tente posições simples, como a árvore (em pé sobre uma das pernas, enquanto a sola do outro pé se apoia na parte interna da coxa) e a cadeira (agachamento sustentado sobre duas pernas, como se estivesse sentado em uma cadeira imaginária). Comece segurando a posição por 30 segundos, depois vá aumentando até cinco minutos.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de maio de 2014)