No 65º dia de viagem, depois de terem completado pouco mais da metade da jornada, Jon e Erik falaram com a revista Go Outside através de um telefone satelital. Eles estavam estacionados por conta de uma condição ruim (saiba mais no texto abaixo). Dali a dois dias, eles evoluiriam pulando sobre blocos de gelo com o caiaque amarrado na cintura. Recentemente, Jon nos enviou esta foto acima, que mostra bem o que representou aquele momento. Dias depois, eles ainda receberiam em suas barracas a visita de um urso polar, que felizmente estava ali só pela curiosidade.
Leia abaixo a reportagem que foi publicada na edição de agosto da revista Go Outside (nº 75). Para saber mais, acesse o blog oficial da expedição. Separados por 40 anos de diferença, mas tendo em comum a enorme curiosidade pelo desconhecido, dois amigos tentam contornar a ilha de Ellesmere, no extremo norte do planeta
O estreito de Nares é uma faixa de mar no extremo norte do planeta, entre a ilha de Ellesmere e a Groelândia, e passa boa parte do ano congelada. Bem na entrada desse canal, o expedicionário norte-americano Jon Turk fala em seu telefone satelital. “Hoje está nevando um pouco aqui, mas a condição do gelo é o que importa para nós neste instante”, disse à Go Outside em meados de julho, época em que, devido ao degelo, é possível navegar por Nares.
CAIAQUE PRA QUE?: Um dos momentos mais tensos da expedição
(erikboomer.com)
Em agosto, os expedicionários norte-americanos Jon Turk e Erik Boomer completaram a primeira circunavegação da remota ilha de Ellesmere utilizando somente as próprias forças. Foram 104 dias e quase 2.400 quilômetros percorridos a pé, de esqui e de caiaque por essa região ao norte do Arquipélago Ártico Canadense. Para se ter ideia da inospitalidade do lugar, Ellesmere tem 196 mil quilômetros quadrados e apenas pouco mais de 200 habitantes, concentrados numa única comunidade ao sul da ilha.
De caiaque no meio do nada
De caiaque no meio do nada
Quando Jon se deu conta de que a ilha de Ellesmere nunca havia sido contornada por alguém que utilizasse as próprias forças como propulsão, ele ligou para seus amigos Erik Boomer e Tyler Bradt, dois dos melhores canoístas extremos do mundo, para sugerir a aventura – que foi prontamente aceita. No dia 7 de maio, eles saíram de Grise Fiord, um pequeno vilarejo ao sul de Ellesmere, para tentar, a pé, de esqui e de caiaque, completar os 2.390 quilômetros dessa circunavegação insana. Tirando o fato de Tyler ter quebrado uma vértebra durante uma de suas arriscadas descidas em cachoeira meses antes da partida e ter ficado de fora da expedição, tudo ia bem para Jon e Erik naquele momento.
“Nosso único problema neste momento são os fragmentos de gelo de vários tamanhos – entre uma bola de beisebol e uma barraca de camping – que boiam no canal e nos impedem de seguir”, contou Jon. “São pequenos demais para andarmos sobre eles e grossos o suficiente para nos impedirem de remar.”
Depois de terem esquiado e caminhado por 1.400 quilômetros, os dois estavam há uma semana nessa condição, semi-presos no meio do nada. Encontravam-se no 65º dia de viagem, e tudo o que podiam fazer era admirar a paisagem e esperar. “Pelo menos estamos acampados num cenário lindo”, disse Erik. “Daqui vejo um vasto oceano cheio de cubos de gelo e, do outro lado do canal, as enormes geleiras da Groelândia.”
Daquele ponto, em condições favoráveis, Jon e Erik calcularam em 40 dias o prazo para o término da expedição, que é chegar a Grise Fiord pelo lado oposto ao que partiram. Ambos pareciam calmos e confiantes em seu sucesso. Ainda tinham comida de sobra e nem a diferença de idade de quase 40 anos entre eles – Jon tem 65 anos e Erik, 26 – parecia ser problema. Afinal, o maior desafio já tinha sido superado: passar ileso por Alert, uma base militar canadense no extremo norte de Ellesmere que, além de ser um dos raros focos humanos em toda a ilha, é o último ponto habitado antes do pólo norte, a 800 quilômetros dali. Acontece que a meia dúzia de militares que administra Alert não costuma ser receptiva com os visitantes. “Não tivemos nenhum contratempo, mas um oficial falou que não poderíamos permanecer ali”, lembra Erik.
Dois dias depois de fazerem contato conosco, a dupla atualizou o blog oficial da expedição. As notícias ainda não eram animadoras. Cansados de esperar o gelo derreter completamente, resolveram evoluir pulando de um bloco a outro, arrastando os caiaques amarrados com uma corda na cintura. Às vezes, utilizavam as embarcações como ponte. Chegaram a levar 3 horas para percorrer apenas 100 metros. “É um desafio tanto físico quanto mental”, conta Erik. “Mas essa jornada tem sido uma combinação de coisas que eu gosto muito, como remar e explorar lugares remotos.”
Jon tem aproveitado as paradas forçadas para escrever seu quarto livro. “Não será uma publicação somente sobre esta expedição. Quero reunir várias aventuras da minha vida”, explicou, antes de citar o escritor ucraniano e mestre dos relatos de viagem Joseph Conrad como inspiração. Pelas referências literárias e “causos” para contar, aguardaremos seu livro ansiosamente.