Dando o sangue

A controversa terapia do PRP ganha cada vez mais adeptos dispostos a reinjetar o próprio sangue na tentativa de acelerar a cura de lesões

Por Gretchen Reynolds

O ASTRO DO TÊNIS RAFAEL NADAL fez no ano passado um tratamento tão polêmico quanto eficiente para combater uma tendinite nos dois joelhos. Na terapia, conhecida em inglês pelas iniciais PRP (platelet-rich plasma), ou plasma rico em plaquetas, o espanhol teve seu próprio sangue retirado, depois concentrado por meio de um processo de centrifugação e aí reinjetado na área da lesão. Desde então, ele venceu três Grand Slams.

Rafael não é o único a adotar o método. O gigante do golfe Tiger Woods recebeu injeções de sangue no joelho esquerdo, que havia sido operado anteriormente, e uma longa lista de craques de futebol, jogadores de baseball, atletas de endurance e corredores de maratona juntam-se ao coro dos que defendem o PRP como um avanço na tentativa de acelerar a recuperação de lesões.

O alvoroço causado pelas injeções milagrosas levou a Agência Mundial Antidoping (WADA) a banir o tratamento no ano passado, temendo que ele pudesse, como efeito colateral, aumentar a potência muscular (o PRP é semelhante ao doping de sangue, banido pela WADA, que consiste em injetar sangue no atleta para obter o benefício das células extras para carregar mais oxigênio. Mas, enquanto no doping de sangue o sangue é injetado nas veias do atleta, no PRP ele é aplicado diretamente nas áreas lesionadas, como músculos e tendões).

Porém, enquanto o PRP já chega até atletas amadores à procura de uma cura rápida para lesões persistentes, crescem as dúvidas a respeito da real eficácia do procedimento. Muitos médicos acreditam que a esperança – também conhecida como efeito placebo – está por trás dos resultados positivos iniciais. O que levanta a questão: o PRP vale mesmo US$ 1.000 dólares por injeção?

“A lógica por trás do PRP parece bem plausível”, diz Dennis Cardone, ortopedista de doenças articulares do hospital da Universidade de Nova York, que já tratou dezenas de atletas amadores usando o PRP e é co-autor de um dos principais artigos a respeito da eficácia da terapia. Quando um tendão, músculo ou osso é lesionado, dá-se início a uma resposta inflamatória natural, e células conhecidas como “fatores de crescimento” correm para o local para, juntamente com outras células, estimular a cicatrização. Todos nós temos fatores de crescimento circulando constantemente em nosso sangue, mas em geral eles são encontrados em concentrações relativamente baixas. Mas, ao colocar sangue numa centrífuga e jogar fora a maior parte do líquido e das células brancas e vermelhas, a gosma restante fica repleta de fatores de crescimento concentradíssimos. Injete essa substância numa lesão e, teoricamente, você consegue acelerar a resposta natural de cicatrização do corpo.

DURANTE OS EXPERIMENTOS INICIAIS em laboratório, décadas atrás, essa teoria foi comprovada durante as fases de teste. Como resultado, a terapia com PRP entrou em voga por acelerar a cura após alguns procedimentos cirúrgicos, particularmente na região da boca. Aos poucos, a medicina esportiva aderiu à ideia de que o PRP poderia acelerar a recuperação em tendões e músculos lesionados, que geralmente tendem a cicatrizar de maneira muito lenta. No entanto, um estudo publicado no ano passado no Journal of the American Medical Association relatou que o PRP não era mais eficiente do que injeções de placebo com solução salina no tratamento da tendinopatia crônica do tendão de Aquiles. De forma similar, em um estudo publicado neste ano no British Journal of Sports Medicine, quando adultos com uma lesão crônica popularmente conhecida como “cotovelo de tenista” receberam o tratamento, 66% relataram redução da dor – porém 72% dos que receberam sangue sem tratamento algum disseram a mesmíssima coisa.

Tampouco se provou que o PRP é particularmente efetivo em lesões esportivas agudas. Um estudo apresentado no encontro da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS) em 2010 não descobriu benefícios do PRP na cicatrização do ligamento cruzado anterior (LCA). Nesse estudo, metade dos pacientes recebeu injeções de PRP no joelho após a cirurgia, e a outra metade não. Após seis meses, não houve diferenças significativas nas taxas de cicatrização dos grupos. Em resposta a esses dados, um painel científico organizado pela AAOS em fevereiro emitiu uma declaração dizendo que a eficácia do PRP está, no máximo, “por ser provada”. E, numa decisão importante, a WADA removeu as injeções intramusculares de PRP da sua lista de terapias banidas em 2011.

O motivo por que o PRP não alcançou as expectativas ainda é um mistério. Parte das explicações pode estar, é claro, na natureza experimental da técnica. “Ainda não há muita consistência na preparação das injeções de PRP”, diz Cardone. Técnicas diferentes produzem plasma em concentrações muito variadas de fatores de crescimento. Se há uma fórmula ideal, ainda está por ser descoberta. “Os pesquisadores tampouco sabem se o PRP sequer permanece no local da injeção ou se é dissipado pela corrente sanguínea para o resto do corpo”, diz Robert-Jan de Vos, pesquisador da Erasmus University, na Holanda, e autor do estudo sobre o tendão de Aquiles mencionado neste texto.

ACIMA DE TUDO, os cientistas simplesmente não compreendem de forma clara como o corpo se recupera de vários tipos de lesões. As lesões agudas e as feridas causam uma resposta inflamatória intensa, mas muitas lesões crônicas e insistentes não o fazem. Há muito pouca inflamação na maioria dos tendões e ligamentos machucados. “Em lesões crônicas degenerativas dos tendões, provavelmente várias enzimas estão sendo liberadas nos tecidos e na área ao redor, o que ofereceria um ambiente pobre para os fatores de crescimento”, diz Robert-Jan.

Atualmente ninguém sabe ao certo quantos atletas amadores passaram pela terapia com PRP, pois nenhuma agência médica rastreia seu uso. Porém cada vez mais médicos especializados em lesões esportivas crônicas estão oferecendo o tratamento a seus pacientes. Muitas vezes fazem isso a pedido do paciente, que leu ou ouviu falar do método.

Mas, afinal, o PRP vale a pena? “Eu defenderia um tratamento menos invasivo e caro”, diz Robert-Jan. As injeções podem ser dolorosas, e o custo raramente é coberto pelo seguro. Se as opções menos invasivas não funcionarem e a cirurgia for inevitável, então aí, sim, poderia tentar o PRP. De acordo com o ortopedista Dennis Cardone, este deveria ser “o último recurso depois do último recurso”.


SANGUINÁRIOS: Rafael Nadal e Tiger Woods, dois adeptos do PRP
(Foto: Da esq. para dir.: Andrea Comes/Corbris; Barton Silverman/ Redux)

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de agosto de 2011)







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