Uma brasileira no Mont Blanc


INDIGESTO: Foi uma vitamina de baunilha que tirou a brasileira da UTMB

Por Mariana Mesquita, da Go Outside online

Uma das provas mais difíceis de ultramaratona em trilha, a The North Face Ultra Trail du-Mount Blanc, rolou na semana passada na Europa. A corrida, que se estende por 166 quilômetros e inclui 9.600 metros de desnível acumulado, percorre três países – França, Itália e Suíça.

Conhecida pelas iniciais UTMB, a prova é sempre desafiadora e, por isso, acaba definindo os melhores atletas de corrida de montanha do mundo. O mau tempo tem sido um problema nos últimos anos, e na edição deste ano a largada começou atrasada por causa da chuva.

Na categoria feminina, a vencedora foi a britânica Lizzy Hawker, que terminou a prova em 25 horas e 2 minutos. Ela se tornou a primeira atleta a conquistar quatro vezes o primeiro lugar na competição, além do segundo tempo mais rápido da história.

O Brasil também estava bem representado na UTMB 2011. Com grandes chances de estar entre as cinco primeiras, Fernanda Maciel lutou contra o cansaço, teve muita determinação e força – de vontade e de pernas. Mas não imaginava que depois de cruzar as montanhas da França na terceira posição entre as mulheres, deixando para trás grandes nomes do esporte, uma vitamina de baunilha resultaria em sua saída da prova.

Em entrevista para a Go Outside online, Fernanda contou tudo o que aconteceu na prova e revelou seus planos para as próximas provas.

GO OUTSIDE: Como você se preparou para o UTMB?
FERNANDA MACIEL: Comecei a me preparar em junho, quando corri a Trail Verdon na França (prova de 50 quilômetros e 3.300 metros de desnível positivo) e a The North Face Lavaredo (prova de 90 quilômetros e 5.700 metros desnível positivo). Também corri pelo próprio percurso da UTMB com meus companheiros de equipe, em três dias, por todos os 166 quilômetros. Treinei pelos Parques Cadi-Moixero, Alt Pirineu e Aigües Tortes Catalunya, que estão a no máximo 2 horas da minha casa. Nos últimos 15 dias, treinei pelos Alpes franceses (Ecrins e Col de Iseran), sempre buscando as mais altas altitudes. Tentava dormir perto dos 3 mil metros de altitude e treinar por ali. Tentei uma ascensão de mais de 4 mil metros pela França e escalei algumas vias.

Quais eram suas expectativas para a prova?
Minha expectativa era curtir, desfrutar da prova e completá-la. Imaginava que, se me sentisse bem (como me senti nos treinos pelo Mont Blanc), completaria a prova em menos de 28 horas e estaria entre as cinco primeiras mulheres. Por ser meu primeiro Ultra Trail du Mont Blanc, não poderia criar expectativas tão ambiciosas.

Quais as maiores dificuldades da prova?
A largada aconteceu às 23h30 debaixo de um temporal em Chamonix. Acima dos 2.500 metros de altitude já encontrávamos bastante neve pelas montanhas, corríamos sobre gelo em algumas partes da prova, uma largada dura para enfrentar uma prova de mais de 24 horas correndo. Tive alguns problemas pela madrugada por conta do frio, não conseguia sentir a boca nem as mãos pela baixa temperatura, o que me permitia beber apenas um pouco de água e gel liquido quando conseguia abrir o canto esquerdo da boca. Tirando esse detalhe, passei a noite correndo feito uma cabra de montanha, me sentia voando por entre nuvens brancas, que na verdade eram singles-tracks cobertos de neve (risos). Assim cruzei as montanhas da França, com a terceira posição entre as mulheres. Contente por estar na frente de grandes corredoras, como a Karine Henry (ganhadora da UTMB em 2004) e a Krissy Moehl (ganhadora da UTMB em 2003 e 2009), como também das americanas Darcy África e Helen Cospolich e da forte francesa Maude Gobert.

Tudo parecia estar dando certo. Então qual foi o problema?
Cheguei a Courmayer (Itália) bem fisicamente, mas logo depois das 10h comecei a sentir fortes dores no estômago. Meu erro foi beber, ali mesmo em Courmayer, uma vitamina de baunilha (onde havia na sua composição também leite com lactose) para me recuperar. Só que sou intolerante a lactose. Segui correndo com muitas dores, enjôos, vômitos, ainda com a terceira posição entre as mulheres por mais 12 horas de prova. As dores aumentavam, meus gritos pelas montanhas também. E minha mente, por mais que quisesse dar mais que o corpo, resolveu dar um "break"… Decidi abandonar a UTMB após o quilômetro 130.

Como você se sentiu quando percebeu que iria ter que abandonar a prova?
Triste por estar numa prova tão importante para mim este ano e ter que abandoná-la. Feliz por ter tomado a decisão certa e saber que ano que vem tem mais, com certeza, após esta experiência, poderei fazer melhor. Eu percebi que teria que abandonar a prova quando meu corpo não acompanhava mais meus comandos. Comecei a ficar fraca demais, sem conseguir comer por mais que eu forçava. Não tinha forças para continuar, já havia corrido 22 horas, sendo que passei mal em pelo menos 10 horas do trajeto.

Quais seus planos para o futuro?
Esta semana descanso treinando mountain bike e trotando leve. Na semana que vem, começo os treinos de corrida e, no fim do mês, corro a Cavalls del Vent. Gostaria de participar da Jungle Marathon no Brasil este ano, mas acho que não terei patrocínio para corrê-la, uma pena, pois é um sonho que tenho.

Uma dica de alimentação para quem for participar de uma prova desse grau de dificuldade?
A alimentação é bem particular de cada atleta. Imagino que todos sabem do básico: sais minerais, carboidratos e proteínas. Importante saber o que “entra bem” no seu estômago durante seus treinos longos, para comer exatamente o mesmo durante a prova e não ter erros. A dica importante é comer algum alimento sólido para “forrar o estômago” nos pontos de apoio e depois continuar correndo.







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