Recentemente fui contratada para ser a médica de uma expedição brasileira, que tinha como missão escalar a montanha mais alta da Europa: o Elbrus. O monte fica próximo à fronteira da Rússia com a Ásia, a oeste das montanhas caucasianas. Hoje a saturação de oxigênio média (oximetria de pulso) da nossa equipe de seis membros é de 90%. Esse valor, ao nível do mar, seria regular, já que uma pessoa saudável teria que apresentar medidas de 98-99%.
Mas aqui nas alturas, onde estamos, estou satisfeita com os resultados e dei permissão para todos os alpinistas subirem, exceto um, que está com a pressão arterial de 200 x120mmHg (já ouviu alguém te dizer que está com 20 por 12 de pressão arterial?). Dessa maneira não tenho condições de permitir, como médica, que ele tente subir mais 1 metro sequer e já ministrei medicação para tentar normalizar esse nível de pressão.
As mochilas de todos estão prontas para o ataque, que pode acontecer hoje à noite, amanhã, ou até mesmo não acontecer. Além dos equipamentos tradicionais, minha mochila contém uma farmácia crucial para a saúde de todos. Ainda bem que estou usando uma TNF.
Alguns integrantes, que vão fazer sua primeira tentativa de alta montanha e viram o grande desnível da face norte do Elbrus (dia de cume: ascensão de mais de 1500 metros para se chegar ao cume oeste, o mais alto, com 5642 metros), estão muito ansiosos. Graças aos trekkings de aclimatização e o treinamento do uso de crampons e piquetas para o “self rescue” ou “self belay” que fizemos ontem, me mostram que temos grande chance de ter 100% de sucesso.
Mas é acima dos 3500 metros que a pressão parcial do O2 nas artérias cai para 60mmHg e é por isso que a oximetria dos nossos integrantes, de aproximadamente 90%, está mais que normal para mim na altitude que estamos.
Quando um montanhista se encontra acima dos 5500 metros (nos livros, chamamos de altitude extrema), o processo de aclimatização fica nitidamente mais difícil e mais lento, e é aí que podemos deparar com as duas condições mais perigosas e fatais dentro desse tipo de medicina: o Edema Pulmonar (EPA) e o Edema Cerebral de altitude (ECA).
No EPA, o alpinista apresenta sintomas como aumento da freqüência respiratória e cardíaca, fadiga, perda do apetite, dores de cabeça, estado febril ou febre, alteração do nível de consciência, tosse que pode ser seca ou num estágio mais avançado ter a presença de uma secreção rosada e até sangue. Boca, unhas e mucosas com tons azulados e ruídos pulmonares (que chamamos de estertores) audíveis mesmo sem o uso do estetoscópio.
Já no ECA, a perda de equilíbrio para andar e a falta de coordenação de movimentos é visível mesmo a quem não seja da área da saúde. Os níveis de alteração de consciência vão progredindo rapidamente até chegar ao coma. A pessoa não tem condição de realizar nenhuma tarefa, por mais simples que seja sozinha e as dores de cabeça são severas, podem estar acompanhadas de alucinações, convulsões e até (mais raro) a paralisia do nervo craniano. Além disso o montanhista apresenta mucosas azuladas, náusea, às vezes até vômitos e pode ser que esteja também associado ao EPA.
O melhor e mais eficiente tratamento para essas duas doenças (caso algum dia você tope com alguém assim) é levar imediatamente a pessoa para baixo (desça o máximo que vocês conseguirem (de 500 a 1000 metros). Se disponível, administre O2 para o doente e chame um médico ou uma pessoa treinada em medicina de montanha, já que o tratamento farmacológico (remédios) para essas enfermidades diferem muito do tratamento que seria feito em um hospital no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Minha dica para quem quiser fazer alta montanha sem correr riscos desnecessários: respeite o período de aclimatação sempre! Boa noite e quem sabe, em breve, tiramos uma foto do teto da Europa para mandar aqui pra você. Aguarde! Karina Oliani é médica, atleta e apresentadora do programa Extremos do Multishow
NAS ALTURAS: Karina no Elbrus
Como essa montanha se localiza praticamente no limite territorial da Geórgia, palco de conflitos políticos constantes, nós não tivemos a opção de escalar pela rota convencional (a sul), rápida e pouco técnica. Hoje escrevo em pleno sexto dia da expedição, do acampamento avançado, a 3.800 metros de altitude, aguardando nossa janela para tentar o cume.
AVENTURA: Foto de Karina durante a expedição
Enquanto o sol não chega, o vento não pára de soprar, e essa tempestade não vai embora, aproveitei para falar sobre a medicina de montanha, que, nos livros, por definição é a medicina praticada acima de 1500 metros.