Rápido como um raio

Perguntamos aos internautas no Facebook que atleta eles gostariam de ver na capa da Go Outside de aniversário – deu o jamaicano Usain Bolt, maior velocista de todos os tempos, na cabeça. Missão dada, missão cumprida: fomos conversar com o campeão para saber como ele conseguiu colecionar tantas medalhas de ouro e quebrar tantos recordes mundiais


FENÔMENO: Usain Bolt celebra a vitória nas Olímpiadas de Pequim

POUCOS HOMENS chegaram tão longe – ou melhor, tão rápido. Esmerilhando recordes mundiais e conquistando ouros olímpicos, o jamaicano Usain Bolt entrou para a história do esporte como o mais veloz dos atletas. Dono de uma genética divina que o dotou de longas pernas capazes de girar em velocidade fantástica, e capaz de aguentar as pressãos inerentes a campeões, Bolt mostrou desde cedo que seria uma estrela. Apenas doze meses depois de começar a correr em campeonatos regionais, o então jovem de 15 anos nascido na cidade de Sherwood Content, no noroeste da ilha caribenha, venceu os 200 metros em 20s30 durante sua estreia na Western Champs, uma das principais competições nacionais. Meses depois, no Campeonato Mundial de Juniors, garantiu a única medalha de ouro jamaicana correndo os 200 metros em 20s61.

A expectativa para a estréia de Bolt numa Olimpíada, em Atenas 2004, era grande, mas o desempenho do jamaicano foi decepcionante: Bolt não passou da primeira rodada dos 200 metros, distância que era sua especialidade na época. Bolt então mudou de treinador – passou a ser preparado pelo experiente jamaicano Glen Mills, homem que treinou os principais velocistas do país entre 1987 e 2009, período em que esteve à frente da equipe olímpica de atletismo. A Jamaica, por sinal, ostenta a fama – mais que comprovada – de produzir alguns dos mais rápidos atletas, como os campeões Donavon Bailey, Melanie Walker, Asafa Powell e Marlene Ottay, até hoje a mulher que mais venceu nos 100 metros em toda a história do esporte.

Com Glenn, Bolt deixou os treinos de intensidade um pouco de lado e focou o trabalho de base, como muito fortalecimento e flexibilidade. Também trabalhou incansavelmente a técnica. Numa distância como os 100 metros, um dedo da mão fora do lugar pode significar milésimos de segundos a mais que fazem a diferença entre a vitória ou a derrota. Quatro anos depois, quando Bolt entrou na pista de atletismo de Pequim, em 2008, ele era um novo atleta, pronto para ocupar o lugar de melhor do mundo. Ganhou os 100 metros e os 200 metros rasos com tempos nunca sonhados até então (9s69 e 19s30, respectivamente). De quebra, ainda ajudou seu país a levar a melhor no revezamento 4 por 100 metros (37s01). No ano seguinte, novas marcas fantásticas, não superadas até hoje: 9min58 nos 100 metros e 19s19 nos 200 metros, ambos durante o Mundial de Atletismo de Berlim. Por essas e pelo sobrenome (bolt significa disparar, em inglês), foi apelidado de Raio. Nada mal para quem ainda não completou 25 anos.

Com as medalhes, veio a fama mundial: Bolt é o nome mais célebre da Jamaica depois de Bob Marley, segundo pesquisa da rede de TV norte-americana CNN. Se a genética e o treinamento correto explica o desempenho, o sangue caribenho explica a ginga que já virou marca registrada do velocista. Bolt é exímio dançarino, viciado em hip hop (com Jay-Z encabeçando a lista dos preferidos) e em dancehall music, uma variação jamaicana desse mesmo ritmo. É perfeccionista também fora das pistas e confessa que dança diante do espelho para aprimorar os passos.

Bolt está 30 anos à frente das prejeções feitas pelos cientistas para os tempos de 100 metros rasos. Domina com facilidade os 200 metros. E, segundo os especialistas, pode ainda se tornar o melhor do mundo nos 400 metros, caso decida se dedicar a essa distância. A seguir, o homem mais veloz do mundo conta os segredos de treinamento que aprendeu ao longo dessa trajetória.

GO OUTSIDE Como são seus treinos atualmente?
USAIN BOLT Neste momento do ano, eu estou trabalhando praticamente só velocidade, em função das etapas da Liga de Diamante que tenho pela frente [dia 23 de maio em Roma e dia 22 de julho em Mônaco] e dos ExxonMobil Bislett Games [dia 9 de julho em Oslo]. Minha rotina inclui treinos de força pela manhã e 2 a 3 horas de treino específico de corrida no fim do dia. Faço isso de cinco a seis vezes por semana, geralmente.

Qual é o tamanho da sua equipe? Além do seu treinador, mais alguém te ajuda diretamente?
Meu técnico, Glen Mills, coordena uma equipe de assistentes, todos integrantes do Racer’s Track Club, time de atletas que treinam sob a supervisão dele na Jamaica. Eu também conto com as massagens do fisioterapeuta Everald Edwards para me ajudar na recuperação.

Que outras técnicas de recuperação você costuma usar?
Além das massagens regulares, faço alongamentos antes e depois dos treinos. Mas, para mim, o melhor método de recuperação que existe é dormir. Costumo tirar uma soneca à tarde, entre os treinos de força e de corrida.

Como você interpreta os sinais do seu corpo para saber quando está cansado ou quando pode puxar ainda mais no treino?
Eu avalio minha condição caso a caso. Meu técnico é muito experiente e me conhece a ponto de saber quando estou fazendo os tiros sem me esforçar muito e quando estou sofrendo para atingir os tempos. Assim ele consegue ir ajustando meus programas de treino.

Você está concentrado em baixar o recorde mundial que conquistou? Isso é uma meta para os treinos ou uma consequência?
Eu trabalho para defender os meus títulos olímpicos e mundiais. Se eu conseguir baixar a marca, estabelecendo um tempo recorde, ótimo. Mas as medalhas são definitivamente mais importantes.

Quanto da performance de um atleta você considera ser herança genética e quanto acredita ser questão de um treino bem feito?
Eu acredito que seja uma combinação das duas coisas: talento e treino. É preciso ter talento, sem dúvida. Algumas pessoas nascem para a velocidade, outras para correr longas distâncias, algumas para saltar, e assim por diante. Independentemente do talento pessoal, é fundamental treinar pesado para chegar ao topo. Todo talento precisa vir acompanhado de muito trabalho.

De acordo com especialistas, a resposta para aprimorar a performance quando se tem pouco tempo está em treinos qualitativos e intensos. Você concorda?
Concordo. Mas acho que constância também é muito importante. Não faz nenhum sentido treinar que nem louco numa semana e tirar a semana seguinte inteira para descansar. É preciso treinar regularmente, não importa qual seja a intensidade e a planilha.

Qual seria seu conselho para amadores que querem melhorar os resultados, mas que trabalham o dia inteiro, têm filhos etc.?
A beleza de correr está na possibilidade de treinar em qualquer lugar, a qualquer hora – em trilhas, pistas, na praia. Se essas pessoas treinarem forte e regularmente e puderem contar com a orientação de um bom técnico, elas certamente vão melhorar os resultados.

Quais as lições que você aprendeu em relação à nutrição, recuperação, mente e treino?
Sobre nutrição, diria que a maior lição é comer frutas e vegetais frescos. Na recuperação, dormir é muito bom. Para fortalecer a mente, é necessário aprender a curtir tudo o que se faz. E, nos treinos, a lição número 1 é: treine forte e ouça seu técnico.

Quanto você acredita ser possível baixar o recorde dos 100 metros? Que níveis de velocidade você acha que um homem pode atingir nos 100 metros rasos em, digamos, 50 anos?
Além do aperfeiçoamento dos treinos e dos conhecimentos de fisiologia, estamos aprimorando constantemente as condições das pistas, dos calçados de corrida e das técnicas de treinamento. Acredito que em 50 anos alguém vai correr os 100 metros abaixo dos 9s50.

Existe uma tendência atual de “resgate das raízes”: corrida minimalista e paleotreinamento, por exemplo. Como você avalia isso?
Eu sou totalmente a favor dessa tendência. A Puma, minha patrocinadora, tem uma linha chamada Faas, que segue essa linha. A marca observou o que eu e outros jamaicanos fazemos há tempos e elaboraram calçados mais leves e minimalistas para valorizar um estilo e um ritmo mais natural e livre de corrida.


PRIMEIRO: Ganhou os 100 e 200 metros com tempos inimagináveis

NO RASTRO DE BOLT

>> Usain Bolt tem 1,95 metros de altura, pesa 94 quilos e vai completar 25 anos no próximo dia 21 de agosto.
>> Seis recordes mundiais já foram batidos pelo atleta, que tem três medalhas de ouro em mundiais e outras três em Olimpíadas.
>> Após cravar o recorde mundial de 9min58 nos 100 metros, o corredor lançou a biografia Usain Bolt 9.58: My Story, sem tradução em português.
>> Nas Olimpíadas de Londres de 2012, Bolt e toda a delegação jamaicana usarão uniformes inspirados no reggae e desenhados pela filha mais velha de Bob Marley, Cedella Marley.
>> Os organizadores dos Jogos já receberam até agora mais de 1 milhão de pedidos de compra de ingressos para a final dos 100 metros masculinos, uma das provas mais esperadas do evento.

>> Bolt tem uma fundação que leva seu nome, criada para ajudar crianças carentes de seu país por meio do esporte, saúde e educação.
>> Antes de concentrar suas energias no atletismo, o atleta jogava críquete e era um promissor lançador de um time local.
>> Ele planeja abandonar a carreira no atletismo depois da Olimpíada do Rio, em 2016, quando completar 30 anos.
>> Dançarino cheio de ginga, sempre que vence ele comemora remexendo o esqueleto. Suas dancinhas viraram febre na Jamaica.
>> Entusiasta da dancehall music, estilo jamaicano que mistura hip hop e reggae, Bolt revela em seu site suas músicas preferidas do gênero.

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2011)







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