Memórias de uma Atenah

As corridas de aventura são praticadas em equipe de duas ou quatro pessoas. O time tem que se guiar de mapas e bússolas, trocando de modalidade esportiva de acordo com as regras da prova, em busca dos pontos de controle pré-estabelecidos pelo organizador do evento.

No ano de 2000, pela primeira vez no Brasil, foi formada uma equipe de aventura composta apenas por mulheres: as Atenah, inspirada na deusa grega da sabedoria.

Em pouco tempo, num esporte dominado por homens, as Atenah tornaram-se referência nacional e internacional por sua performance baseada em estratégia, audácia, criatividade e competência.

As memórias que eu tenho de cada corrida que fiz na cumplicidade dessas mulheres são inesquecíveis: numa formação absolutamente mais fraca que a maioria das equipes adversárias, conseguimos algumas vezes estar entre os melhores times do mundo.

Ainda me lembro como se fosse ontem quando cruzamos a nado, eu, a Shubi e a Ariane, o canal de Bertioga rumo ao primeiro título de nossa equipe. Vencemos o EMA (Expedição Mata Atlântica) do litoral na ousadia de correr uma etapa inteira de trekking numa época em que as equipes costumavam fazer essas travessias caminhando. Quebramos um tabu e terminamos a etapa tão à frente das demais equipes que nem nosso apoio estava lá para nos receber e foi em cima desta vantagem, de uma navegação perfeita e muita sorte que conseguimos nos colocar no topo do pódio naquele dia.

Na Croácia ocorreu uma cena da qual nunca vou me esquecer: eu, Shubi e Marcela deitadas usando todo o peso do nosso corpo para sustentar a ancoragem de um barco que deveríamos rebocar de um nível para outro. Lá embaixo estava a Nora nos guiando e correndo um enorme risco de ser esmagada. Lógico que esta e outras inúmeras vezes sentíamos muita falta de um homem para nos ajudar. Aliás, esta corrida largamos fora do campo visual das equipes adversárias. Foi a prova mais dura do ponto de vista de força bruta que fiz na minha vida de aventura. O "pulo do gato" nessa corrida foi dormir durante o dia – muitas equipes nos passavam inconformadas com nossa estratégia, mas foram aqueles minutos no sol quentinho que nos deu energia para ultrapassar de forma desigual inúmeros adversários na reta final de uma etapa de montanha e conquistarmos assim o quarto lugar numa corrida internacional.


Outra passagem e, talvez a melhor delas, foi no Ecomotion Pró, uma das expedições mais importantes do mundo e, sem dúvida, a mais importante do Brasil. Eu, Fê, Nora e Shubi viramos um corpo só, tudo deu certo, todas estavam fortes, teve magia, teve raça e conquistamos um importante quarto lugar entre todas as equipes internacionais – e ainda foi o melhor resultado brasileiro. Lembro disto com muito orgulho porque um fator muito determinante para essa conquista foi nossa pernoite dentro de uma cabana de caçadores : a noite estava superfria, estávamos todas exaustas e tomamos uma decisão que, supostamente, comprometeria nosso resultado, já que uma noite inteira de sono é absolutamente contra o ritmo dessas corridas.

Mas entramos naquela cabana, acendemos uma lareira, nos alimentamos, nos divertimos com nossa exaustão como se estivéssemos entorpecidas e esquecemos da competição lá de fora. Fizemos apenas o que deveríamos fazer para nossa saúde, sobrevivência e conforto. No dia seguinte fomos para fora com fôlego de onça e, para nossa surpresa, várias equipes passaram pelas mesmas dificuldades e, no entanto, lutaram a noite inteira para sair daquele "labirinto", enquanto nós dormíamos no calor da "vassoura" que se queimava numa fogueira improvisada.

Dedico minhas lembranças a todas as mulheres de fibra: esportistas, trabalhadoras e mães. A nossa essência tem um poder que está além das estatísticas, da ciência e da fisiologia do corpo humano.

Conseguimos enquanto mulher ampliar nossas fronteiras.

Agradeço à Shubi, Nora, Patrícia, Ariane e Karina por esta criação.
Sinto saudades de várias amigas, meninas-mulheres, que estiveram ali comigo.

Confesso, ainda, que houve inúmeras tentativas sem sucesso em nossa trajetória. No entanto, quando olho para trás, tenho certeza que faz tudo parte do enredo.

Cristina Carvalho é atleta e co-fundadora da assessoria esportiva Projeto Mulher (www.projetomulher.com.br) e do Núcleo Aventura (www.nucleoaventura.com.br)







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