Por Pedro Hauck, do site Alta Montanha
O montanhismo é o ato de subir montanhas, certo? Sim!
Porém, voltando no tempo, notamos que as motivações que levaram o homem a subir montanhas mudaram com o passar dos anos. Foi com a evolução do porquê e como subir que surgiu, mais tarde, a cultura do montanhismo.
Não se sabe quando houve a primeira ascensão em montanhas no mundo. Sabe-se, no entanto, que o montanhismo com motivações esportivas surgiu na França em 1785. Embora exista toda uma história sobre como foi a primeira ascensão ao Mont Blanc, não foi à toa que ela se deu no século 18, o “século das luzes”, da Revolução Francesa e de um rompimento com as velhas crenças e costumes da Europa medieval.
A religião católica foi a maior responsável pelo não desenvolvimento do montanhismo na Europa. Se na Europa a religião não permitia a aventura, nos Andes, por motivos religiosos, os Incas alcançaram o cume de diversas montanhas com mais de 6.000 metros. Em uma delas, o Llullaillaco, fica o sitio arqueológico mais alto do mundo. Entretanto é do montanhismo esportivo que estamos falando…
Não levou muito tempo para que, no século 19, o montanhismo se tornasse um dos esportes mais populares na Europa – numa época em que não existia o futebol e que as ideias naturalistas motivaram muitas aventuras. Charles Darwin, Alexander Von Humboldt e outros famosos viajantes subiram montanhas para fazer ciência. Ao passar a Primeira Guerra, as propagandas nacionalistas se intensificaram e alguns governos se promoviam com escaladas, como aconteceu em diversas expedições nazistas e facistas ao Himalaia. A expedição ao Nanga Parbat, protagonizada pela equipe de Heinrich Harrer ficou famosa, décadas mais tarde, pelo filme Sete anos no Tibet. Com a conquista das maiores montanhas do mundo, o montanhismo foi mudando de foco e prevaleceu a ascensão pelo lado mais difícil. Assim foi conquistada a Face Sul do Aconcágua e outras paredes imensas mundo afora.
Agora não era mais importante chegar ao topo, mas sim fazer o mais difícil. Reproduzindo técnicas de escalada em afloramentos rochosos, surgiu então a escalada esportiva, onde o objetivo é escalar vias difíceis.
Na década de 1960, os russos inventam uma nova modalidade. Impossibilitados de escalar na rocha no inverno, ele adaptam agarras feitas com madeira e reproduzem em locais fechados as escaladas esportivas que faziam ao ar livre. Com a evolução, foram criados os ginásios com agarras de resina e não demorou a surgirem os campeonatos. Se não bastasse escalar em quantidade, surge também a escalada em velocidade, o estilo alpino, aonde ir rápido e leve leva uma dupla de montanhista a fazer um número maior de montanhas e também a elevar o grau técnico.
No mundo de hoje não existe só um montanhismo. Existe a escalada em rocha tradicional, a de big wall, a esportiva. Existe também a escalada esportiva em gelo, expedição em alta montanha, escalada alpina e solitária. Há também um novo tipo de estilo, o base soloing, onde o montanhista ascende uma montanha sozinho e sem cordas. Caso ele caia, ele aciona um pára-quedas de base jump e assim se espatifa no chão.
Parece que o montanhismo se tornou extremo, mas não. A grande maioria das pessoas praticam um montanhismo de final de semana, cerca de 95% deles nunca irão dominar uma escalada acima do grau 7c brasileiro. Ou seja, por mais que tenha se acumulado tanta experiência, quem sustenta o montanhismo é quem está começando. Afinal, existe uma cultura do montanhismo?
Sim, é claro! Embora não possamos dizer em uma linha o que é, podemos dizer que ela existe há centenas de anos, que ela se assenta sobre a busca de liberdade e aventura e que é praticada até mesmo onde não existem montanhas.
HISTÓRICO: Sir Edmundo Hillary e Harry Ayres, no Aoraki/Mt Cook, em 1947
Em pouco tempo, a popularidade do montanhismo serviu de propaganda para governos imperiais. Foi o que fez, por exemplo, o Império Britânico, que patrocinou diversas viagens exploratórias.
Todas essas expedições foram interrompidas com a Segunda Guerra, mas engana-se que ao término deste conflito elas acabaram. Na década de 50, países que saíram destruídos da guerra investiram na conquista dos 8.000 do Himalaia para erguer a moral de sua população. Foi assim com a França, que patrocinou a primeira expedição bem-sucedida numa montanha de 8.000 metros (Annapurna em 1950), com a Itália (K2 em 1954) e com a Inglaterra, que em 1953 viu sua bandeira tremular no topo do Everest.
Logo a escalada tinha várias vertentes… Os governos foram deixando de patrocinar grandes expedições. No mundo capitalista, as empresas tomam vulto e se aproveitam do marketing antes explorado pelos países e patrocinam os atletas e montanhistas.
Logo ninguém mais se promovia escalando uma única montanha e o projeto consistia em escalar várias delas: fazer todas as montanhas com 8.000 metros no Himalaia, todas com 4.000 metros nos Alpes, os cumes mais altos de cada continente.
Por fim, toda essa história se repetiu em vários países do mundo. Seja no Japão, nos Estados Unidos, França, Rússia, Brasil, Índia ou Irã. Independentemente da língua, a cultura do montanhismo é a mesma em todos os lugares.
Viva a cultura do montanhismo!
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