Por Paulo Roberto, o Parofes, do site Alta Montanha
Acredito que ser um colunista de um site de montanhismo significa mais que ter vasta experiência em montanha tropical ou alta montanha. Significa ser crítico por natureza, ser amante incondicional da natureza e tudo que se relaciona com ela. Significa ser amante não só das montanhas, mas de suas características e de toda manifestação cultural que envolve o imaginário local e seus impactos. Significa mais que estar sempre na montanha: sobretudo entender a vontade infindável e nossa paixão pela liberdade que elas nos proporcionam.
Decidi falar neste texto sobre vulcões, porém sob uma perspectiva diferenciada. Eles provocam fascínio no ser humano há milênios. Cada colunista do nosso portal Alta Montanha utiliza seu conhecimento particular para transformar sua coluna em uma leitura agradável e interessante. Como historiador, tenho a capacidade de construir conhecimento e usufruir dele como um atrativo para minhas paixões pessoais, colocando isso em palavras.
Pesquiso sobre vulcões há anos. Desde minha adolescência, eles me fascinam muito. Vulcões são apenas uma das variadas formas de demonstração de desprendimento de energia que a natureza possui. Carregam consigo fúria, geologia, destruição, porém também vida, prosperidade e até laços culturais.
A maioria das pessoas com uma TV a cabo não sabe da quantidade de informações úteis e construtivas que podem ser extraídas da telinha. TV a cabo não é só pornografia, ação, suspense ou desenhos. Aliás, não assisto lá nada dessas coisas. Sempre fui uma esponja de informações e meus canais preferidos são Discovery, National Geographic, Animal Planet e obviamente o History Channel. Esses canais são verdadeiras minas de ouro para quem gosta de conhecimento e tem curiosidade. Quase tudo que vou escrever aqui pode ser visto em um desses canais com sorte na programação, quase tudo.
Descobertas arqueológicas fantásticas ocorrem pelo mundo e em especial na nossa América do Sul. Alguns fatos e posteriormente indagações:
Ano de 1954, caso de montanha: Uma múmia de uma criança de aproximadamente 8 anos é encontrada próxima ao Cerro El Plomo, de 5.424 metros de altitude, na região do vale Nevado de Santiago, no Chile, na Cordilheira Central. As baixas temperaturas significaram um processo de mumificação natural. Encontra-se em exibição no Museu de História Natural do Chile, em Santiago. Pesquisas forenses determinaram que a criança foi entorpecida com coca e colocada em seu sepulcro ainda com vida. Adormeceu lentamente e assim congelou. Idade aproximada: 500 anos.
Ano de 1999, caso de vulcão: Três crianças incrivelmente conservadas foram encontradas no cume do vulcão Llullaillaco, de 6.739 metros de altitude, o sétimo cume mais alto dos Andes. Testes de Carbono 14 determinaram idade aproximada de 500 anos. As baixas temperaturas preservaram naturalmente os corpos, nenhum processo de mumificação foi feito (normalmente no antigo Egito utilizava-se natrão para desidratação do corpo e os órgãos internos eram extraídos). As múmias foram exibidas ao público pela primeira vez em 2007 após quase oito anos de estudos. As três crianças foram parte integrante de uma expedição até o topo do vulcão onde foram sacrificadas, e lá permaneceram por todos estes anos. Esse vulcão era meu principal objetivo para o projeto “Quanto mais, melhor”, realizado entre janeiro e março de 2010, encurtado pelo furto que sofri em Mendoza. Minha intenção era, além do cume obviamente, fotografar as pequenas ruínas que lá estão preservadas pelos séculos e pelo baixo índice de expedições ao vulcão. A notícia da primeira exibição das múmias foi veiculada também pelo site Alta Montanha em 2007.
Ano de 2004, caso de montanha: Sete múmias da cultura Chinchorro foram descobertas em Arica, extremo norte do Chile. A idade aproximada dos corpos teria sido determinada como 3.800 anos. O local de descanso das múmias era próximo do “El Moro”, ponto turístico da cidade que visitei em 2007, com visão incomparável para o oceano Pacífico, ponto mais alto da cidade costeira.
Ano de 2006, caso de vulcão: Oito múmias foram descobertas nas proximidades de Arequipa, Perú. O vulcão chama-se Ticsio e lá foram encontradas as múmias em ótimo estado de conservação. Praticamente desconhecido, este vulcão fica em um distrito chamado Andagua que possui cerca de sessenta pequenos vulcões que tornam o local uma verdadeira superfície lunar na Terra, como tantas outras ao longo de toda a extensão dos Andes.
Os testemunhos voluntários e involuntários e as marcas do tempo conseqüentes de ações do ser humano que encontramos por intermédio de descobertas arqueológicas nos fornecem muitas respostas, entretanto também nos enchem de questionamentos. É natural termos contínua curiosidade sobre nossos antepassados e seus costumes, seu dia-a-dia e crenças.
Já dominamos as técnicas e tecnologias disponíveis para reconstrução de grande parte do passado de uma múmia. Mas prestem atenção, grande parte, não tudo. É e sempre será impossível reconstruir os pensamentos mais puros que levam uma sociedade a quase sete mil metros de altitude e sacrificar seus filhos, futuro de seu povo. Muito pode-se indagar mas quase nada pode-se afirmar de certo.
O que fez com que chegassem a esta medida extrema? Seriam as três crianças do Llullaillaco merecedoras de tamanho esforço físico para chegar ao topo do vulcão, um dos maiores do nosso planeta, só para serem mortas? Seriam virgens, possuindo assim a pureza necessária que por ventura iria satisfazer a vontade de sua divindade? Seria a divindade personificada através do vulcão? Seria isso na verdade uma grande honra para eles, tal que sequer questionassem seu destino tenebroso e eminente? Seriam essas atitudes indícios antigos das atividades montanhistas mais primitivas sul-americanas (mais extremistas, é claro)? Exemplos de apenas algumas perguntas que me faço constantemente. A concepção normal que se adota hoje é de que as grandes montanhas sul-americanas em geral representavam a morada dos deuses, por isso mereciam respeito, oferendas e sacrifícios.
Nunca encontrei referência sobre o formato das pirâmides do jeito que eu penso. Já pararam pra pensar que talvez as pirâmides tenham esse formato imitando vulcões? Eles são temidos e admirados pelo ser humano há milhares de anos. Certo, nem todos os vulcões têm formato cônico, mas é o mais “popular” por assim dizer. Quando alguém te diz “vulcão”, imediatamente você irá imaginar um cone enorme soltando fluxo piroplástico e magma. Certo?
Na base do vulcão Licancabur a cerca de 4.500 metros há ruínas incas. Na sua cratera a mais de 5.900 metros há ruínas incas! É um vulcão adormecido, não extinto. Montanhistas o conhecem bem e qual é o seu formato visto desde o Chile? Perfeitamente cônico. O Llullaillaco também tem formato cônico, um pouco irregular por causa de explosões antigas e um impressionante fluxo de lava visível por cima (satélite) que o deformou para sempre, mas mesmo assim, seu formato é cônico. Ruínas a mais de 6.600 metros de altitude!
Pouco tempo atrás, ainda durante minha expedição aos Andes de 2010, visitei sozinho de bicicleta as ruínas da vila Tulor, de 3.000 anos de idade, a 2.400 metros de altitude em pleno deserto de Atacama. A aldeia tem formato de lua minguante virada de forma a ter uma vista em particular: Os vulcões do Atacama. Da vila, é possível ter uma visão extremamente privilegiada para pelo menos quinze vulcões atacameños, em especial e em destaque, o Licancabur. Coincidência ou proposital? Eu digo proposital.
Também visitei as ruínas de Pucara de Quitor, de “apenas” 8 séculos de idade. Foram construídas em uma colina voltada para os vulcões, em um pequeno cerro cujo cume atinge 2.620 metros de altitude. A posição é privilegiada para defesa militar certamente, mas a vista é a mesma, vulcões na linha frontal.
O ser humano, nas mais diversificadas formas, deixou pistas que evidenciam sua adoração por essas enormes elevações e sua demonstração de poder e fúria. Como eu disse, os vulcões também significam vida, pois uma erupção vulcânica traz à superfície da Terra magma que quando resfriado e solidificado, é um solo muito fértil. Será que os povos antigos sabiam disto, o que poderia aumentar mais sua adoração pelos mesmos? Sim.
É muito mais fácil acumularmos perguntas do que conseguir respostas. O imaginário de cada um pode seguir flutuando pelas linhas da história e da geologia e, com certeza, chegar a conclusões diversificadas. Mas nada poderá alterar o fato histórico, e as descobertas indubitavelmente continuarão no decorrer dos próximos anos.
Arqueólogos chilenos e argentinos sabem da localização de pelo menos mais 1000 múmias incaicas deixadas pelas montanhas e vulcões dos Andes, mas consultaram os idosos respeitados pela população local de cada um dos potenciais sítios arqueológicos e chegaram a um acordo de não interferir com os locais, não retirar peças e sequer divulgar sua localização. Atitude sem precedentes em uma carreira tão disputada por prestígio como a da arqueologia. Isso não é especulação, é fato. Sabe-se lá até quando vão honrar com sua palavra.
Por agora, fiquemos com mais indagações dando asas à nossa imaginação. Tenho um grande fascínio por história e pelas inacabáveis perguntas que me faz criar. Sigo em frente cultivando minha paixão pelas montanhas, pelos vulcões e pelo significado que possuíam no passado de adoração, medo e respeito.
Até hoje cheguei ao topo de onze belos vulcões pelos Andes, e não serão só esses. Continuo com a intenção de chegar ao topo do Llullaillaco e tantos outros. E quando o fizer, e certamente o farei, terei a mesma sensação de satisfação pessoal e absoluta paz e um sentimento mais profundo de estar presenciando a história nos grandes vulcões dos Andes. Melhor que isso, estarei livre.
Viva a liberdade nas montanhas! Viva a História!
O site Alta Montanha é um espaço virtual inteiramente dedicado ao tema do montanhismo. Para visitá-lo, clique aqui.
DAS ANTIGAS: Ruínas e montanhas no Chile