Coluna Alta Montanha: o prazer de escalar o Cordón del Plata


Ladeira acima: Pedro subindo o Las Veguitas (Foto: Pedro Hauck)

Por Pedro Hauck, do Alta Montanha

O Cordón del Plata, como o nome diz, é um cordão montanhoso pertencente à cordilheira dos Andes. Situado na província de Mendoza, na Argentina, nele existem dezenas de montanhas em que as altitudes variam de 3.300 aos 6.300 metros, culminantes do Cerro Plata.

O Cordón del Plata é um lugar perfeito para a prática de montanhismo e escalada para todos os níveis, pois em suas encostas, nas mais variadas montanhas, existem rotas de diferentes dificuldade técnica, amplitude e altitude, um verdadeiro campo-escola para o andinismo e acessível à todos, uma vez que não é necessário pagar por permissões – como se faz, por exemplo, para escalar seu vizinho Aconcágua.

O acesso ao Cordón del Plata se faz desde a cidade de Mendoza. Para as pessoas que chegam até ali de carro, é preciso pegar a estrada internacional para o Chile, a Ruta 7, andar 50 quilômetros e, na vila de Potrerillos, dobrar à direita. A estrada de asfalto torna-se de rípio uma dezena de quilômetros depois, quando se começa a subir as encostas mais íngremes da cordilheira. Dali se sobe ziguezagueando até chegar à estação de esqui Vallecitos, ponto de partida para a montanha.

Não existe serviço de transporte regular para Vallecitos, mesmo assim não é difícil para quem não tem carro chegar lá. A Agência Ski & Montaña, dona do refugio Vallecitos, leva quem tiver interesse em subir. As vans da empresa não têm horário fixo e sobem quando há procura, com o preço variando de acordo com a lotação. Em uma van cheia, o preço fica em torno de 15 pesos por pessoa (R$ 15,00) – e, claro, quanto mais vazio mais caro.

A Agência Ski & montaña fica na Rua Peru, 1523, em Mendoza. Lá você ainda encontrará o guia do Cordón del Plata com informações técnicas sobre todas as montanhas e mapas.

Estive no Cordón del Plata duas vezes: em 2000, durante a Odisséia Austral, e 2004, como preparação para escalar o Aconcágua. Foram duas experiências diferentes com objetivos distintos, pois o Cerro Plata foi a primeira montanha de nossas vidas em 2000. Já em 2004, quando já tínhamos adquirido bastante experiência, a escalada da via “Reloj de Arena”, no Cerro Rincón, foi a primeira via técnica que escalei, portanto esse lugar foi, para mim, uma grande escola em momentos diferentes de minha vida na montanha.

A viagem de Mendoza até Vallecitos, apesar da proximidade, pode levar bastante tempo. Chegando tarde à montanha, é recomendável passar a primeira noite no refúgio situado na estação de esqui. Além de ajudar na aclimatação, nunca é ruim prolongar um pouco mais o conforto de dormir numa cama e comer uma pizza para compensar os dias sem civilização. Tal luxo não custa muito caro: 15 pesos a noite, no albergue.

De qualquer forma, se o objetivo for economizar, o primeiro acampamento da montanha fica apenas 300 metros verticais mais acima: o A pampa de Las Veguitas. O caminho para Las Veguitas começa logo ao lado do refúgio, de onde se toma uma trilha até a beirada do Arroyo los Vallecitos, um rio de águas puras e cristalinas.

A Vega é uma unidade morfo-ambiental típica dos Andes. Representa a última unidade vegetacional de altitude e é composta por uma gramínea que se desenvolve num solo hidromorfo. Las Veguitas no Cordón del Plata é um dos melhores lugares que já acampei. Lá nascem diversos corpos d’água de ótima qualidade para o consumo e é o único acampamento com grama na montanha. (Tão bom que é muito apreciado por inúmeras vacas gigantes que atestam a qualidade do local.)

Deste acampamento, situado a 3.200 metros de altitude, é comum os andinistas fazerem uma ascensão ao Cerro San Bernardo, de 4.150 metros, situado de frente ao acampamento, sendo sua rota normal avistada desde lá. A rota normal não apresenta grandes dificuldades, e uma ascensão ao cume ajuda muito a forçar uma aclimatação para os acampamentos superiores.

Seguindo o itinerário, o próximo acampamento é o Piedra Grande, a 3.500 metros de altitude. O caminho até lá é bem fácil. No começo a trilha serpenteia um córrego tributário ao Arroyo Vallecitos, porém mais tarde toma-se distância do rio. Piedra Grande é um bom lugar para acampar, mas fica um pouco distante da água – que, nessa região, pode ficar um tanto turbulenta por carregar muita matéria em suspensão, por isso leve sempre um filtro de café para coar a água.

Dependendo de seu itinerário, pode-se poupar um acampamento. Como Piedra Grande é muito próximo a Veguitas, muita gente que já tenha escalado o San Bernardo passa direto por ess acampamento e pernoita em Salto de Água, o acampamento base do Cordón del Plata, situado a 4.200 metros de altitude.

O caminho de Piedra Grande até o Salto, como é chamado o acampamento base, começa sem grandes esforços. No percurso observa-se uma grande mudança ambiental saindo de cotas altimétrica que permitem o acúmulo de resistentes espécies arbustivas ilhadas até cotas onde a vegetação é muito rara. No caminho andamos sobre enormes blocos rochosos destruídos e carregados pela ação pretérita do gelo, até galgarmos sobre uma espécie de “drumlim”, uma colina constituída de rochas depositadas pela ação de uma páleo-geleira orientada pelo sentido do movimento do gelo, que neste local assume uma forma de grande dimensão.

É sobre esse drumlim, muito próximo ao Salto, que se encontra a parte mais difícil da aproximação da montanha, um terreno bastante inclinado e escorregadio chamado de “infernillo”, que leva algum tempo e paciência para ser vencido.

Salto de Água é um bom local para estabelecer acampamento, porém há que se tomar cuidado com a água, pois muitos preguiçosos usam a beirada do rio como banheiro, contaminando a água. Por isso utilize somente a água acima do acampamento.


Firme e forte: Pedro com 40 kilos nas costas

Em Salto venta muito, por isso é bom fazer muros de proteção para a barraca. O clima do Cordón del Plata é bastante peculiar. No verão os dias amanhecem claros sem nuvens no céu, porém com o passar do tempo vão se formando nuvens e à tarde o céu costuma fechar. Pode até nevar. À noite é comum ter tempestades de raios que duram até o amanhecer. Por isso, ao acordar cedo para um ataque ao cume, não desista ao ver o céu relampear, pois isso é comum.

Do Salto não é possível avistar o Cerro Plata, pois o Cerro Lomas Amarillas fecha a visão. Porém muito próximo ao acampamento existem algumas morenas das quais se observa à esquerda e no alto a maior elevação do Cordón del Plata.
Por essa mesma morena faz-se acesso ao Cerro Rincón, por sua rota normal e rotas mais técnicas. Caminhando uns 15 minutos pelas morenas, chega-se a um glaciar à base da encosta dessa montanha, de onde saem vias mais técnicas.

As escaladas mais técnicas são recomendáveis no mês de novembro e dezembro. Em janeiro e fevereiro o gelo está bastante derretido e é comum avalanches, principalmente de rocha, que com o derretimento do “permafrost” perdem sustentação e cedem. Em setembro de 2003, morreu o experiente escalador mendocino Killian Loritz atingido por uma avalanche de rochas na rota Supercanaleta do Cerro Rincón, uma das mais clássicas do local. As escaladas em setembro também não são muito recomendáveis devido à famosa tormenta de Santa Rosa que costuma varrer os Andes neste mês.
Do acampamento Salto de Água inicia-se a ascensão para o Cerro Rincón, Vallecitos, Lomas Amarillas, estes últimos utilizam uma parte da rota que sobe para o Cerro Plata.

Acima de Salto de Água existe ainda um outro acampamento á 4600 metros muito bom para a ascensão ao Cerro Plata, La Hoyada.
La Hoyada em este nome por o local costuma agir como uma panela de pressão ao contrário. Por situar-se em um anfiteatro rodeado por montanhas altas, o vento que corre acima destas elevações costuma arrastar o ar acima fazendo que a pressão do ar diminua e reproduza a sensação de mal estar de uma altitude mais elevada. È uma prova de fogo para quem quer testar a aclimatação.

Para ascender ao Cerro Plata é recomendável sair bem cedo, antes do sol nascer, para evitar que o regresso se dê depois que o tempo fecha à tarde. Portanto se uma pessoa não chegar ao cume antes do meio dia, é recomendável o regresso e depois uma segunda tentativa saindo mais cedo para não haver erro, isso se sobrar energia, depois toda esta odisséia.

Saindo de Hoyada o caminho sobe um filo à esquerda, que une o Cerro Lomas Amarillas ao portesuelo entre o Cerro Plata e Vallecitos. Ao chegar à este potesuelo, tem-se uma visão extraordinária da face sul do Aconcagua, destacando-se no horizonte e mostrando toda sua opulência.
A partir daí o caminho sobe à esquerda zigzagueando a pendente do Plata. Este zigzague dura uma eternidade, mas em nenhum ponto tem algum local de dificuldade, apenas uma inclinação constante e suave que dá direto no cume.

Depois de uma eterna ascensão pelo zigzague, tem-se uma surpresa, chegamos em um pequeno platô onde tem um destroço de um helicóptero. Este Helicóptero, um Aerospatiale AS-315 B “Lama”, ou somente Lama como é chamado na Argentina.
Os Helicópteros Lama foram desenhados para ter autonomia em grande altitude e foram comprados na década de 70 pela força aérea Argentina para trabalhar na zona cordilheirana. Em 1996, militares argentinos testando o helicóptero Lama pousaram no cume do Cerro Plata, o intento deu certo, porém, os fortes ventos não permitiram que o helicóptero alçasse vôo novamente. Os pilotos foram resgatados, porém na tentativa de resgatar o helicóptero, uma outra aeronave que se aproximava da montanha chocou-se com o cume devido à fortes rajadas de ventos, matando os três oficiais à bordo.

Uma vez que você encontrar o Helicóptero pode ficar feliz, pois você está praticamente no cume. Saindo do platô do Helicóptero, sobe-se uma pequena pendente e já se chega no ponto mais elevado da montanha, o cume do Cerro Plata, de onde pode-se observar varias montanhas ao redor, como o Aconcagua e o Tupungato muito próximos.
A altitude oficial realizada pelo Instituto geográfico militar da Argentina em 1991 aponta o cume do Cerro Plata como tento 6300 metros, no entanto, as medições barométrica feitas pelo meu relógio e o GPS do Maximo apontaram um pouco mais que 5950 metros, e há dúvidas quanto a altitude oficial da montanha.

O Cordón del Plata, a cada ano, vem se tornando um local mais importante para o andinismo. Por muitos anos, esse cordão da cordilheira esteve na sombra do Aconcágua, sendo que andinistas frequentavam o local apenas para aclimatar-se para o Sentinela de Pedra – não que isso não seja uma boa idéia. Porém, depois da publicação do Guia Montanhas de Luz, por Alejandro Geras, o Cordón del Plata tem tido cada vez mais seu brilho próprio, uma vez que muitas rotas ali descritas eram desconhecidas por estrangeiros e têm se tornado destino de muitos escaladores que procuram na montanha a paz e o desafio de escalar paredes pouco freqüentadas e, no entanto, dispondo do conforto de estar próximo a uma grande cidade repleta de estrutura para o andinismo.

Para Saber mais:

Guia do Córdon del Plata: Montañas de Luz, de Alejandro Geras.
Preço aproximado: R$ 25,00.
Onde encontrar: Lojas de equipamentos escritórios de turismo de Mendoza.

Ski & Montaña, que administra o refúgio e oferece transporte à montanha: www.expecioneselplata.com.ar.

Boas escaladas a todos!

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