Por Bruno Romano
DOIS PICOS SE ERGUEM lado a lado em uma imensidão de gelo na divisa da Europa com a Ásia. O mais alto deles, com 5.642 metros, é destino de montanhistas de todo o mundo: o cume do Elbrus, um vulcão extinto e aclamado como o ponto mais alto do continente europeu, na fronteira da Rússia com a Geórgia. Um sistema de teleféricos e abrigos facilita parte da vida dos aventureiros até ali nos meses mais quentes do ano, quando os desafios da empreitada se concentram no domínio da altitude e dos fortes e constantes ventos. Mas tente imaginar esse mesmo cenário no auge no inverno russo, quando a sensação térmica pode ultrapassar os 50ºC negativos lá em cima da montanha.
GIGANTE GELADO: Vista do monte Elbrus, na divisa da Rússia com a Geórgia, durante o rigoroso inverno (Foto: Dmitry_Islentev)
Conquistar o Elbrus na sua versão mais congelante uniu dois brasileiros. E eles voltaram inteiros para contar a história. “É uma montanha completamente diferente nessa época do ano”, garante o executivo e montanhista Roman Romancini, que junto do empresário e multiatleta Bernardo Fonseca e do alpinista russo Yuriy Pavlov (na sua 232ª subida ao pico, apenas a segunda no inverno) atingiram o cume no começo da tarde do dia 11 de fevereiro deste ano. Para Bernardo, organizador de provas outdoor pelo Brasil e competidor de ultramaratonas, “foi um dos projetos mais difíceis e com maior risco de vida envolvido que participei, pelas condições extremas de frio associadas ao vento devastador”.
TÁ RUSSO: Nas próximas fotos, cenas da aclimatação do trio Roman, Bernardo e Yuriy, e do ataque ao cume do Elbrus (Fotos: arquivo pessoal)
Só a ideia de montar a expedição fez seu parceiro de Elbrus invernal Roman ouvir algumas vezes as perguntas: “Você está maluco?” e “Por que ‘diabos’ no inverno?”. Segundo ele, o desafio era grande, mas possível. A preparação física também foi forte, ainda que o principal nesses casos seja a força mental, explica. “Procuro sempre estar pronto para o pior, me planejando bem para qualquer situação reversa”, conta Roman, executivo de uma empresa de tecnologia que se define como adepto da vida fora do ordinário e um apaixonado pelo montanhismo. “Lá em cima, é importante saber separar bem o emocional do racional e agir de forma mais pragmática, sem deixar o modo pânico tomar conta das tomadas de decisão”, conta.
Encarar o Elbrus faz parte de um projeto pessoal de Roman, intitulado Sete Cumes Invernais. O nome é bem explicativo: subir (e descer para contar a história) os mais altos picos do planeta nas épocas mais frias do ano. A “brincadeira” surgiu desde uma expedição invernal ao Aconcágua em 2004, onde Roman fez cume na companhia de Vitor Negrete (morto depois de escalar o Everest sem oxigênio suplementar), Rodrigo Raineri e Antonio Carlos Soares. A ideia retomou força com a ascensão invernal do Kilimanjaro, em 2015, e do Elbrus, terceiro cume até aqui. O próximo da lista é a Pirâmide de Carstensz, na Indonésia, ponto culminante da Oceania. A partir daí, o negócio fica ainda mais faixa-preta: Denali, no Alasca, e Everest, nos Himalaias, ambos já conquistados por montanhistas no inverno, além do Vinson, na Antártica, o que seria um feito inédito.
“Um passo de cada vez”, diz Roman. “Era isso também que eu pensava no Elbrus”, lembra. Passos bem duros, aliás, já que o gelo invernal fica ainda mais compacto, permitindo apenas uma fixação razoável dos crampons das botas. Objetos congelados, como viseiras, óculos e balaclavas – e até pedaços de cílios, sobrancelhas e cabelos – fizeram parte da jornada. A expedição começou no abrigo Barrels, a 3.750 metros de altitude, contou com acesso por motos de neve até cerca de 4.200 metros, seguida de caminhada de 18 horas, ida e volta, na missão ao cume – no mesmo dia, um montanhista búlgaro em expedição solo não suportou as condições e foi resgatado sem vida. A passagem da expedição brasileira pelo cume em si precisou ser muito rápida. Alguns abraços, um vídeo relâmpago, uma despedida providencial e tchau. “Foi um misto de pânico e prazer, já que uma tempestade se aproximava”, descreve Roman. “Não deu tempo nem de tirar a bandeira do Brasil”, lembra o montanhista, que puxou a encordada do exaustivo e gelado retorno ao abrigo.
Inferno no inverno
O perrengue da gélida subida ao Elbrus, em números
> 5.642 metros Altitude do cume da maior montanha da Europa
> 43º norte Latitude do Monte Elbrus, na Rússia
> 18 horas Duração do ataque ao cume e retorno ao abrigo Barrels
> 450 metros Altitude aproximada percorrida em motos de neve para início da escalada
> – 65 graus Sensação térmica no ápice do frio durante a escalada
> 60 km/h Velocidade máxima atingida pelos ventos na montanha
> 3 montanhistas Roman Romancini, Bernardo Fonseca e Yuri Pavlov (Rússia)
> 232 cumes Marca do russo Yuriy Pavlov no Elbrus (foi apenas o seu 2ª no inverno)
> 3º pico Do projeto Sete Cumes Invernais, idealizado por Roman Romancini