Por Andrew Lewis e Fernanda Beck
EM JUNHO DESTE ANO, o Comitê Organizador da Olimpíada de Tóquio, que será realizada em 2020, divulgou uma lista com oito esportes que podem vir a ser incluídos nos Jogos do Japão. E, para a alegria de alguns e muxoxo de outros, o surf estava lá (ao lado da escalada, aliás, e em detrimento do xadrez e do frisbee). Essa lista é composta por modalidades reconhecidas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e indicadas para fazerem parte do evento por suas respectivas federações internacionais.
Pouco depois da divulgação da lista, o argentino Fernando Aguerre, presidente da Associação Internacional de Surf (a ISA, o órgão dirigente do surf em nível internacional), declarou: “Isso é um marco importante para nosso esporte e nos dá mais motivação e determinação para tornar o sonho olímpico uma realidade”.
Fernando tem liderado há décadas uma cruzada para incluir o surf nas Olimpíadas. Agora que esse sonho ficou um pouco mais palpável, seria de se esperar que surfistas do mundo inteiro também comemorassem a conquista, certo? Hum… não exatamente. Parte da comunidade do surf torce o nariz para a ideia. Há muitas razões para isso – algumas meio bizarras e outras perfeitamente válidas.
No cordão dos descontentes está o surfista australiano Owen Wright, que ganhou recentemente o Volcom Fiji Pro. No dia seguinte ao anúncio do Comitê Olímpico Internacional (COI), ele afirmou à agência de notícias Reuters: “Eu acho que o surf é uma forma de arte e expressão pessoal. A bandeira olímpica não se encaixa muito bem no nosso esporte”.
De longe, a opinião de Owen pode parecer meio extremista, para não dizer um pouco hipócrita, considerando que ele compete profissionalmente na Liga Mundial de Surf (WSL).
Mas é só pesquisar um pouco a história do surf profissional para descobrir que diversos competidores e uma legião de fãs têm uma longa trajetória de resistência em ver seu esporte nos Jogos. A razão disso tem muito a ver com o receio que os surfistas têm de perder o que eles consideram ser sua liberdade e condição específicas, conquistadas após décadas de batalha e trabalho para o esporte ser visto de forma independente.
Em 2011, o norte-americano Matt Warshaw, autor do livro The History of Surfing (A História do Surf, sem publicação no Brasil), deixou bem clara sua posição quando disse à revista Surfer que “a ideia de ver o surf nas Olimpíadas deixa um gosto ruim na boca”. Ao ser contactado para esta reportagem, Matt mostrou que sua opinião não mudou nem um pouquinho de lá para cá. “Surfar nas Olimpíadas é como ensinar um gato a usar a privada”, falou. “É uma curiosidade, no máximo.”
O escritor, que também já foi surfista profissional, admite que está se apegando a uma noção um pouco antiquada de que o surf “existe em seu próprio cantinho, belo e peculiar, no mundo dos esportes”. Surfistas de longa data em geral entendem o que Matt quer dizer, especialmente seu intuito de preservar a “pureza” do surf acima de tudo. Para muita gente, entretanto, e em especial a galera mais nova, essa ideia não funciona mais: o surf agora faz parte do mainstream. O atual patrocinador do título do WSL, por exemplo, é a Samsung. E a maior parte das grandes empresas de equipamentos de surf é composta por multinacionais com ações na bolsa.
O norte-americano Nick Woodman, que fundou a GoPro porque queria se filmar surfando, agora tem US$ 2,4 bilhões no banco. Dê uma volta por Nova York ou Tóquio e tente não notar todas as roupas inspiradas no surf nas vitrines das boutiques fashion. O xadrez, o cabo-de-guerra e o frisbee, que também tentam se tornar modalidades olímpicas, não possuem esse apelo jovem – uma das três características-chave que o Comitê Organizador das Olimpíadas de Tóquio procura para aceitar alguns dos esportes defendidos pelas 26 federações internacionais que figuravam na lista para serem incluídas nos Jogos de 2020.
QUEM É A FAVOR do esporte nos Jogos defende que isso de forma alguma vai destruir o, digamos, “lado zen” do surf de raiz. A surfista brasileira Silvana Lima, por exemplo, acha que “a emoção de representar o país em uma Olimpíada deve ser algo inesquecível”, e valeria o sacrifício de adaptar as características do esporte para os moldes do evento.
Há, no entanto, um grande problema com a inclusão do surf nos Jogos Olímpicos: os surfistas às vezes dão azar. Não existe um meio mais imprevisível para o esporte que o oceano, principalmente no Japão, um país que não é conhecido por produzir o tipo de onda grande que agrada às multidões e que faz a fama de lugares como o Havaí, o Taiti, ou Fiji.
Qualquer pessoa que já tenha tido o desprazer de visitar o US Open de Surf em Huntington Beach, na Califórnia, em um dia de verão com sol de rachar o coco e sem ondas, com os surfistas competindo em merrecas de 60 cm varridas pelo vento, sabe como o surf profissional pode ser bem chato, às vezes. A WSL lida com esse tipo de problema técnico abrindo “janelas” de semanas para a realização das competições, em vez de marcar suas provas em uma data específica. Nesse caso, os surfistas simplesmente esperam que ondas dignas de um campeonato dêem as caras antes de começarem suas performances (e mesmo assim nem sempre as ondas chegam, e já houve competições realizadas em situações bem aquém das ideais). Mas com os cronogramas da TV ao vivo, as janelas de espera podem não ser uma opção viável durante uma Olimpíada.
Fernando Aguerre e a Associação Internacional de Surf pensaram nisso, e a solução encontrada para uma possível inconsistência do oceano é o promissor advento da piscina de ondas artificiais. Trata-se basicamente de uma imensa piscina na qual ondas com boa qualidade para surfar são fabricadas por uma engenhoca, oferecendo um meio onde os surfistas podem demonstrar suas habilidades sem depender das vontades da natureza. “Assim que as pessoas entenderem melhor que estaríamos realizando as competições em ondas artificiais de alta qualidade, acredito que muita gente vai mudar de opinião”, diz Fernando.
Apesar de ainda soarem meio como piada de filme de ficção científica, as piscinas com ondas artificiais são hoje bem reais e funcionam a todo vapor em alguns lugares do mundo. A tecnologia para produzir ondas que formam tubos relativamente altos, com breaks da largura de campos de futebol, já existe, e pode ser vista em piscinas desse tipo como a Wadi Adventure, nos Emirados Árabes, e a Surf Snowdonia Wavegarden, em Gales, que deve ser inaugurada neste semestre.
Compreensivelmente, as próprias piscinas são polêmicas entre os surfistas, pelas mesmas razões que o surf nas Olimpíadas: são consideradas “impuras”. Mas, com o advento de ondas artificiais ideais para satisfazerem as exigências da elite do surf mundial, os protestos podem não ter mais qualquer sentido muito em breve. Até mesmo o norte-americano Kelly Slater, o maior surfista de todos os tempos, colocou seu dinheiro e influência no jogo da tecnologia de ondas, com sua empresa Wave Company.
Diante desse cenário, não teria chegado a hora de a velha guarda do surf deixar a nostalgia na gaveta e abrir seus horizontes para uma nova era nesse esporte? Talvez sim. Gabriel Medina, atual campeão mundial, de 21 anos, disse no ano passado que representar o Brasil no palco olímpico seria a realização de um sonho. Silvana Lima concorda: “É uma competição tão importante que tudo bem se for preciso surfar em piscina”.
Com cerca de 35 milhões de pessoas pegando ondas em todo o mundo atualmente, não há como negar que o surf é um esporte com força e poder que não podem ser ignorados. Não seria o momento de deixar que centenas de jovens surfistas talentosos possam ir às Olimpíadas e lhes dar a chance de expressar sua forma de arte em um evento importante como os Jogos, mesmo que isso seja possível apenas na água com cloro? Saberemos a resposta apenas em 2016, durante a Olimpíada do Rio, quando enfim serão anunciados os novos esportes selecionados para os Jogos de 2020.
DO CONTRA: Para o australiano Owen Right, surf e Olimpíadas não combinam (Foto: Kelly Cestari/WSL via Getty)
PRAIA NO CAMPO: Uma das instalações da empresa Wavegarden no País Basco, na Espanha
(Foto: @Wavegarden)
A FAVOR: Gabriel medina declarou que representar o Brasil nos Jogos seria a realização de um sonho