Branco é a cor mais fria

Atração do Festival Rocky Spirit, o documentário Whiteout, do carioca Rafael Duarte, mostra como uma expedição até o topo do Mont Blanc foi interrompida por uma imensidão de nuvens brancas, transformando sua escalada em uma jornada de autoconhecimento

Por Fernanda Beck

EM AGOSTO DE 2013, uma avalanche no Mont Blanc, na França, causou a morte de dois alpinistas italianos e levou ao fechamento da rota principal da montanha devido aos riscos de novos deslizamentos de neve. Poucas semanas depois, o ultracorredor catalão Kilian Jornet e sua namorada, a sueca e também corredora Emelie Forsberg, tiveram de ser socorridos por uma equipe de resgate ao tentarem alcançar o cume e serem pegos pelo mau tempo. Foi nesse cenário pouco inspirador, com nuvens pesadas e ventos impiedosos, que o jornalista e fotógrafo carioca Rafael Duarte, de 33 anos, se encontrou ao tentar, ele próprio, subir o topo da mesma montanha.


BRANCO TOTAL: Alpinistas trilham seu caminho no Mont Blanc em cena de Whiteout (Fotos: Rafael Duarte)

Apaixonado por montanhismo e praticante de trekking, Rafael já havia tido alguma experiência nesse tipo de ambiente hostil, praticando snowboard, fazendo trilhas e escalando. Sua maior conquista antes de tentar o cume do Mont Blanc fora a ascensão ao Jbel Toubkal (4.167 metros), a maior montanha do norte da África, no Marrocos. Na época, Rafael vivia na França como estudante de cinema e decidiu que era hora de dar uma alavancada em sua carreira de montanhista. Nada melhor, em sua opinião, que uma expedição ao Mont Blanc (de 4.810 metros). E, para provar que pessoas “comuns” também podem cultivar objetivos grandiosos, Rafa decidiu filmar a aventura. Assim nascia Whiteout, documentário que será exibido no Festival Rocky Spirit 2015, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

“A ideia original era produzir um filme de dez minutos, mostrando como é uma expedição em alta montanha do ponto de vista de uma pessoa normal, e não de um atleta supertreinado”, conta Rafael. Mas a história não coube em tão pouco tempo; foram precisos 25 minutos parta contar o delicado relato pessoal sobre a relação de um homem com a montanha e os desafios que ela vai colocando em seu caminho.

WHITEOUT MOSTRA OS SEIS DIAS em que Rafael e os outros integrantes de sua expedição partiram rumo ao cume do Mont Blanc, no que acharam que seria uma janela de bom tempo no meio de uma temporada marcada por instabilidades. Durante a empreitada, o grupo se manteve animado enquanto conseguiu seguir em frente, porém o frio extremo e ventos de até 70 km/h fizeram com que boa parte das pessoas desistisse de atacar o cume.


TREINO: Montanhista da equipe de Rafael pratica escalada no gelo para
aprender a se safar em situações de emergência

Extasiado com a possibilidade de pisar no topo do Mont Blanc, Rafael decidiu ficar entre os que toparam prosseguir. O grupo insistiu na subida, mas em certo ponto foi obrigado a dar meia volta devido ao frio intenso, com sensação térmica de 25°C negativos em pleno mês de setembro. “É claro que eu gostaria de completar o desafio, entretanto, por mais que estivéssemos bem preparados, as extremidades dos nossos corpos ficaram geladas demais. E eu não estava disposto a sacrificar um dedo por causa disso”, conta Rafael.

No dia seguinte, os montanhistas tentaram um novo ataque, porém acabaram totalmente barrados pelo fenômeno que dá nome ao filme: o whiteout, ou branco total provocado por uma tempestade de neve aliada ao acúmulo de nuvens. Continuar se tornou impossível. “Locomover-se com a ajuda de um GPS durante um whiteout é como jogar videogame com a televisão desligada”, diz. Uma tarefa inviável.

Para chegar ao topo pelo caminho escolhido pelo grupo, existem alguns obstáculos consideráveis. Um deles é um paredão de 700 metros de altura, entre os refúgios Tetê Rousse e Goutêr. Fora isso, por volta dos 3 mil metros de altitude, há um corredor com cerca de 50 metros de extensão, onde pedras de todos os tamanhos costumam cair após se desprenderem da encosta. É preciso atravessá-lo com cautela, usando capacete. “Esse trecho é como uma roleta russa, você não tem quase nenhum controle sobre o que pode acontecer ali.” A cerca de 800 metros do cume, outro segmento complicado: uma passagem estreita em um pedaço bem íngreme, com muito vento. “Você sente que está realmente em um lugar inóspito, que não foi feito para a presença humana.”

Whiteout, no entanto, é muito mais sobre a trajetória pessoal de Rafael do que sobre seus perrengues até o cume do Mont Blanc. Sem pretensão de parecer impessoal, o curta-metragem pode ser analisado como um reflexo da postura de seu protagonista frente ao mundo e perante os desafios que a montanha apresenta, tanto físicos quanto psicológicos. O filme ganha força graças à narração sincera do brasileiro, que encontra metáforas para a vida nos passos que dá sobre a neve. O autoconhecimento adquirido com a exploração da montanha é ponto-chave da história, e a contemplação da insignificância humana em comparação à grandeza da natureza parece estar sempre na mente de seu protagonista. “São nos momentos em que estou perto da natureza que realmente me encontro. Ali a real viagem é para o centro de minha própria mente”, conta.

Foi o também carioca Leonardo Edde, produtor de Whiteout, que recomendou a Rafa que o filme ultrapassasse os planejados dez minutos de duração. Com mais tempo, seria possível mostrar não apenas uma aventura, mas o que esse tipo de desafio significa para quem o vivencia. “O amadurecimento pelo qual o Rafa passou é a verdadeira história do documentário”, diz Leonardo. A dupla também quis compartilhar a ideia de que atingir objetivos não é tarefa fácil, porém o percurso realizado até chegar a eles pode ser tão importante quanto a meta final. “Não é preciso estar no alto de uma montanha para viver momentos marcantes como os que o Rafa enfrentou”, frisa o produtor.

Na última década, Rafael visitou mais de 250 cidades, em 28 países, e vem desenvolvendo um trabalho de documentação fotográfica dos lugares por onde passa. Ele agora se prepara para começar a produção de um filme no Nepal sobre o montanhista brasileiro Roman Romancini, que estava no Himalaia em 2014, quando uma avalanche matou 16 sherpas no Everest. Ele planeja também uma expedição de bicicleta pela região de Abrolhos, que dará origem a um livro. “Voltei uma pessoa mais forte dessa expedição ao Mont Blanc. E é essa a sensação que busco em cada viagem que faço.”


AMARRADÕES: Companheiro de expedição e o guia do grupo de Rafael na região das Aiguilles du Midi,
durante o período de aclimatação

Cheios de altitude

Se você curte montanhas, o Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit 2015 será um prato cheio. Além de Whiteout, serão exibidos outros documentários sobre aventuras nas montanhas. Confira alguns deles:

Force

O fotógrafo Mikey Schaffer passou dez anos em diversas expedições de escalada ao Fitz Roy, na Patagônia. O filme traz uma compilação de cenas que mostram seus sucessos, fracassos, medos e alegrias naquelas rochas austrais.

Ruapehu

Os esquiadores Josh Daiek, Chris Rubens e Mike Douglas têm a missão de se tornar parte do seleto grupo de atletas que desafia os vulcões ativos do Ruapehu, no Parque Nacional de Tongariro, na Nova Zelândia.

Sufferfest 2

Na segunda fase da “roubada” idealizada pelos escaladores norte-americanos Alex Honnold e Cedar Wright, o objetivo agora é chegar ao cume de 45 picos no sudoeste do país, sempre pedalando entre eles.


5º Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit

Quando: dias 19 e 20 de setembro, a partir das 19h

Onde: Parque dos Patins, Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, RJ

grátis

Confira a programação completa do festival aqui







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